Storytelling e Política: narrativa dos candidatos à presidência a partir dos jingles de campanha
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Storytelling e Política: narrativa dos candidatos à presidência a partir dos jingles de campanha

Jingle: mensagem publicitária musicada que consiste em estribilho simples e de curta duração, próprio para ser lembrado e cantarolado com facilidade. O dicionário é pontual ao explicar o termo.

Marcelo Andrighetti
11 min
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Jingle: mensagem publicitária musicada que consiste em estribilho simples e de curta duração, próprio para ser lembrado e cantarolado com facilidade. O dicionário é pontual ao explicar o termo.

O primeiro jingle do Brasil, atrelado a uma marca, foi veiculado em 1932 no programa de rádio de Ademar Casé, pioneiro radialista brasileiro. Quem compôs a música foi o redator Antônio Nássara para a Padaria Bragança. Nássara também foi letrista de diversas marchinhas de carnaval, que ainda hoje são lembradas, como Formosa (1932), seu primeiro sucesso, Alá Lá Ô (1941), e o grande hit Balzaquiana (1950), que ganhou versão francesa por Michel Simon.

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O surgimento dos jingles políticos em solo brasileiro ocorreu em paralelo à popularização do rádio. Os primeiros jingles eleitorais surgiram em 1930, com “Eu Ouço Falar”, da campanha para presidente de Júlio Prestes, e com “Seu Getúlio”, de Getúlio Vargas.

Nas décadas seguintes, os jingles se tornaram cada vez mais importantes e necessários: uma peça chave para a mensagem do candidato. Alguns sucessos foram:

  • A marchinha “Bota o Retrato do Velho Outra Vez”, que marcou a candidatura de Getúlio Vargas à presidência em 1950;
  • “Eu vou Jangar”, do candidato à vice-presidência João Goulart e “Varre, Varre Vassourinha”, de Jânio Quadros, ambos compostos para a eleição de 1960;
  • “Lula Lá”, que marcou o processo da redemocratização brasileira durante a eleição presidencial de 1989.

Mesmo com o crescimento das redes sociais, o jingle continua sendo um elemento essencial também nas mídias tradicionais. Toda caminhada de um político ou bandeiraço, por exemplo, vem junto de um carro de som com a música do candidato e suas versões. Atrelado a isso, em 1989 tivemos a primeira campanha presidencial com o recurso da televisão e seus canais abertos plenamente liberados aos candidatos.

Foi então que cresceu a utilização do jingle como uma ferramenta audiovisual. Verdadeiros videoclipes têm feito história nos horários eleitorais e, mais recentemente, nas redes sociais de cada candidato. Também tem sido muito utilizado o recurso de edição em lyrics: quando a intenção é mostrar à letra ao público, uma espécie de karaokê.

Jingles dos Candidatos à Presidência 2022

Neste ano, como parte das polarizações extremistas, os jingles dos candidatos à presidência não foram diferentes e calcaram suas letras e melodias em crenças, valores, visão de futuro e componentes emocionais aparentemente abstratos (mas não tão assim, como veremos a seguir).

Se analisarmos os três primeiros colocados no primeiro turno, segundo as pesquisas, perceberemos o quanto o jingle revela as estratégias de campanha e as narrativas por cada um propostas.

Isso é um outro elemento que vale destacar. Ao votarmos em um candidato nas urnas, não estamos escolhendo uma pessoa, apenas. Mas também uma “embalagem” que traz consigo diversos pontos de convergência.

Não é Bolsonaro, Ciro ou Lula que irão comandar o país. Muito menos suas reais vontades. São suas narrativas e os personagens que nelas habitam. Para poder desbancar a situação, a oposição utilizou-se de diversas parcerias que no passado seriam praticamente utópicas (como no caso de Lula e Alckmin). Ciro também modificou a sua “vitrine” e tem se posicionado como o Político do Bem, que não governa pra um lado ou outro. E isso tudo está muito evidente em todos os jingles.

Não tem Coca-Cola: sobre o jingle de Ciro Gomes!

Em ordem alfabética, começo pelo Ciro, que em seu Jingle traz no refrão um ponto crucial: “tá na hora de olhar pro Ciro!”. Depois de ouvir e reouvir, nada me tirou da cabeça aquele comercial de refrigerante, que o cliente dizia ao garçom: “Pode ser Pepsi!”. Presta atenção na letra, na edição e vem sambar.

Samba de raiz com elementos mais ritmados do pagode atual, voz masculina, parece ter saído direto do galpão de uma escola de samba. Poderia ter sido gravado na voz do Zeca Pagodinho. O refrão não é tão pegajoso, mas a frase fica na cabeça. E acredito que essa era a busca desde o início.

A ideia está totalmente centrada na repetição de “tá na hora de você olhar pro Ciro”. O clipe parece ter sido gravado com imagens que lembram São Paulo (poderia ser qualquer metrópole), com alguns elementos bem claros do nordeste e outras captações em estúdio (quando um homem de terno guarda dinheiro no bolso, por exemplo).

A sensação é de que o clipe quer tentar mostrar diversas realidades existentes em cidades brasileiras. No entanto, parece que estamos quase o tempo inteiro em São Paulo. Para um candidato do PDT, me soa estranho não aparecer nada de trabalho: não há indústria, não há comércio, não há ambulantes. Só existe Ciro em frente a um caminhão, o que faz alusão total ao próprio Bolsonaro, que tem muitos votos da classe. É muito mais calcado no Brasil como conceito, beirando um certo clichê imagético, com cenas super tradicionais no momento em que o país é apresentado.

Na primeira vez que analisei o jingle e o clipe tive a sensação de um candidato deslocado, como se a música não estive de acordo com o que ele representa em sua imagem pessoal. O que pra mim só reforça a tentativa de Ciro trazer um recorte um pouco mais popular pra sua fala ligada tradicionalmente à intelectualidade.

A letra apresenta alguém inovador ao cenário, no momento em que coloca o ex-presidente Lula de um lado (“um rouba mas faz”) e o atual presidente Bolsonaro de outro (“o outro rouba sem fazer”). As imagens trazem peculiaridades quase bizarras: como é o caso de Ciro com a Bíblia em uma mão e a Legislação em outra. Ou ainda quando uma ave de rapina está pousada na mão esquerda do candidato.

O Novo Messias: o jingle de Jair Bolsonaro em 2022, do gospel ao sertão

“Ele é de Deus, pode confiar. Defende a Família e não vai te enganar!” E se eu for ateu, Budista ou Mãe de Santo? E se eu for solteiro, gay ou um velho sem filhos cheio de gatos pela casa?

Bom… o jingle de Bolsonaro tem alvo certeiro! Só pra você ter uma ideia, o último censo indica um número de 42,2 milhões de fiéis evangélicos no Brasil. E pra se eleger, basta um pouco mais do que isso: cerca de 60 milhões de votos.

No próximo 2 de outubro, primeiro turno das Eleições 2022, 156.454.011 eleitoras e eleitores poderão comparecer às urnas para escolher os novos representantes políticos.

Vamos ao culto? Quer dizer, vamos ao jingle:

Ciro trouxe o samba. E Bolsonaro trouxe o sertanejo-gospel de raiz.

“Alô, Brasil”.

A música inicia com uma pequena referência ao Hino Nacional executado com uma guitarra (pretensão de modernidade), pra evidenciar a vertente nacionalista sempre defendida pelo atual presidente. Na cena de abertura a bandeira do país é transformada em uma capa de super-herói, segurada na altura dos ombros por uma mulher — lembrando que as mulheres são maioria no total de eleitores e um público que o próprio Bolsonaro tem dificuldade de se aproximar. Na cena, o brilho do sol invade a lente da câmera. A moça veste uma calça e uma camisa que esconde quase toda a pele do corpo.

A melodia poderia casar muito bem com a voz de Zezé de Camargo e Luciano ou ainda com o timbre surrado de Bruno e Marrone. Um destaque técnico muito importante (que surte efeito inconsciente) é o som ambiente, presente já nos primeiros segundos.

Quando a letra diz pela primeira vez “ele é de Deus pode confiar”, Bolsonaro está dentro de uma igreja católica, em frente a uma Santa e é abençoado por um padre. O que só reforça a tese de que os evangélicos ele já “ganhou” e está agora em busca de outros “cristãos”.

O refrão é pegajoso, fica marcado, é repetido diversas vezes ao longo do clipe. A letra traz um capitão singular, uma salvação para o Brasil, uma construção que beira o épico. A cadência das cenas mostra um “homem de todos”, com fortes características do populismo do qual sempre se utilizou em sua imagem. Uma sequência de fotos apresenta o candidato como militar, em fotografias antigas, enquanto a letra defende um ‘grito’ popular dos seus apoiadores: “no mito boto fé”.

A cena mais longa é a facada que levou na barriga na corrida presidencial anterior, com uma repetição: se analisar com calma, irá perceber que a cena se repete em dois diferentes ângulos — é um reforço de montagem que coloca Bolsonaro como um vencedor: que não perde as batalhas da vida! Tanto que, na sequência, ele aparece numa maca hospitalar retirada de um helicóptero por uma equipe médica.

Uma das características que mais me chamou a atenção é que as imagens do atual presidente são feias, não há nada produzido para o clipe. Isso gera uma sensação muito forte de sinceridade — é uma maneira de mostrar que ali não tem maquiagem. Do contrário, as cenas produzidas, com atores/modelos são bonitas, parecem retiradas de um banco de imagem.

Há apenas um deslize na letra. Quando a voz diz: “…é a salvação do nosso Brasil”, cabe a interrogação: salvar-nos do que e de quem se ele é o atual presidente? A frase cria uma leitura contraditória, como se o Brasil precisasse urgentemente de uma mudança pra ser salvo.

Entretanto, se ele é o atual presidente do que irá nos salvar?

A pisadinha e o Jingle de Lula em 2022

Tudo começou a partir da publicação da Constituição Federal, em outubro de 1988, quando foi estabelecido o voto facultativo para os jovens maiores de 16 e menores de 18 anos, em seu art. 14, § 1º, inciso II, alínea c.

O eleitorado brasileiro em 2022 é 6,21% maior que o registrado em 2018. A informação é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que divulgou estatísticas sobre os 156 milhões de cidadãos aptos a votar nas eleições deste ano, no dia 2 de outubro. Um dos maiores aumentos registrados foi no número de jovens entre 16 e 17 anos, cujo voto é facultativo.

Se Bolsonaro tem uma mira, Lula tem outra. Uma questão já tem resposta: a esquerda não precisa ser convencida. Quem precisa se convencer são os eleitores que modificam a apuração a cada quatro anos, aqueles não partidários que estão sempre em banho maria. E quem pode convencê-los? Os seus filhos, sobrinhos, netos…

O jingle do Lula tem uma linguagem estilo Tik Tok, onde — inclusive — o ex-presidente ultrapassou as métricas de Bolsonaro, conforme pesquisa da FGV.

Vem pro baile:

A tese de que os jovens podem convencer os indecisos se reforça no início do videoclipe, quando uma mulher mais velha sentada na poltrona ouve um som no rádio e dispara :

– O que é isso aí, menino? Aumente esse som.

O garoto, tomando um café, com o olhar superior ao da senhora (o que simbolicamente reforça a sabedoria) estica o braço e gira o botão em um rádio antigo. Tudo leva a crer que o “menino” é o neto. Ele aumenta o volume e “entrega o jingle” para a avó sorridente.

Começa a pisadinha!

Pisadinha é uma vertente do forró criada no interior da Bahia, na cidade de Monte Santo, no início dos anos 2000. Ela é caracterizada pela simplicidade de um teclado eletrônico em união com a voz. É um estilo único de forró que ganhou popularidade nos últimos anos com os Barões da Pisadinha.

A alegria está presente do início ao fim, o que vende a ideia de um “novo país”. A intenção clara é mostrar a sensação de Lula na presidência. Coreografias filmadas em lugares diversos embalam a música que tem uma montagem descolada, jovem — lembra muito a campanha de Guilherme Boulos para Prefeitura de São Paulo, em 2020.

A letra apresenta um candidato que nunca abandonou o Brasil e que foi o melhor presidente já eleito. Este recorte narrativo da composição me parece colocar Lula num espaço onde a corrupção fica fora do mapa. Isso porque há um içamento sensorial que ergue a imagem do ex-presidente, colocando-o acima dos problemas já resolvidos.

Também merecem destaque as imagens que atuam a partir desse prisma. Lula aparece ao lado do Papa, na ONU, em conversa com Nelson Mandela, rindo com a Rainha Elizabeth, fazendo uma doação à Kofi Annan, apertando a mão de Barack Obama, entre outros momentos internacionais. Isso tudo em contraste com Lula na rua, sendo ovacionado por multidões desde os anos 1980, em uma edição cheia de técnicas orgânicas e simples, mas muito bem executadas.

Só há um conclusão: são três candidatos com três recortes diferentes sobre a realidade.

Qual o melhor jingle para presidente em 2022?

Enquanto Bolsonaro se posiciona a partir de um arquétipo heróico, Luiz Inácio traz pra perto o arquétipo do Cuidador — aquele que está na mesma altura do povo e pode oferecer um olhar de cura. Ciro traz em seu conceito de jingle um arquétipo um pouco misturado, pra não dizer confuso. Tudo leva a crer que está se apresentando como um Sábio (aquele que entende do assunto e se aprimorou muito pra isso).

Musicalmente, tanto Lula quanto Bolsonaro, apresentam jingles muito superiores a todos os outros candidatos. Isso vale para letra mas também para o apelo visual. São linguagens quase opostas, com cadências distantes, mas dois recortes válidos para atual situação do Brasil.

E você, o que acha?