Empreendedorismo como forma de libertação feminina
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Empreendedorismo como forma de libertação feminina

Ilana Horta
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Ilana Horta

Confesso que nunca defendi a bandeira do feminismo por si só. Sempre discursei sobre igualdade de condições. Claro que falar sobre igualdade num País com tanta desigualdade de acesso a oportunidades e educação contraria sim o meu próprio discurso. Reconheço essa incongruência.  Sou mulher, branca e por isso me atenho a esse assunto. Sei que existem outras classes marginalizadas, bem como acentuadas nos casos de mulheres negras. Mas me restringirei ao discurso que me cabe. De toda forma, o que escrevo vale de forma ainda mais profunda nas variações de cor, opção sexual, religiosa, étnica e por aí vai.

Historicamente, cabe uma questão. Por que as mulheres sempre foram tratadas de forma inferior? De onde vem isso? Bem, pensando desde tempos idos, à mulher sempre coube esperar o homem. Na época das cavernas, o homem saia em busca de alimentos e a mulher esperava em sua caverna, cuidando, por vezes de sua prole. Mas a busca pelo sustento era masculina. E isso se deu durante muitos e muitos anos. Numa realidade assim, não é de se surpreender que a mulher tenha adquirido uma vontade de ter ao seu lado o homem mais forte, substituído ao longo dos anos pelo homem mais poderoso. Aquele que pudesse garantir uma boa vida à ela e sua família. Um parênteses aqui, nesse contexto, tendo a compreender o porquê, em algumas situações, nós mulheres, contrariando o conceito de auto defesa, somos tão competitivas umas com as outras. Durante anos, o "melhor" homem foi nosso objeto de disputa. No fundo, acho que inconscientemente ainda trazemos um pouco dessa herança. Eu confesso que sempre foi muito mais fácil me relacionar com homens nas empresas por onde passei. Fechado o parênteses e o convite a reflexão, seguimos. 

Voltando, durante anos a mulher foi considerada como um objeto de posse de seu respectivo marido. Não falarei de mundo, ficaria muito extenso. Me limitarei a Brasil. Culturalmente, e me recordo da minha família, as mulheres só saiam de casa casadas, trocando assim a "pátrio poder" pelo casamento. Lembro das minhas avós. Naquela época, a única forma "correta e moral" de emancipação do pátrio poder, era o casamento. E, cá entre nós, tenho certeza de que muitas mulheres o fizeram para apenas isso, sair da casa dos pais. Uma mulher autônoma, independente era algo raro e, na maioria das vezes, super criticado. Era quase uma mancha na família, uma ofensa. Um ato de rebeldia e vergonha. 

A Constituição de 88 trouxe perspectivas de direitos iguais. Na prática não foi bem assim. O antigo código penal, somente modificado em 2005, sustentou por anos a expressão "mulher honesta" para tipificar alguns atos contra a liberdade sexual. Os crimes de estupro só o eram assim qualificados caso as mulheres fossem "honestas" e, pasmem, se o autor do crime se casasse com a vítima, extinguia-se a punibilidade do crime. Oi? 

As mulheres somente conseguiram uma voz política através da senadora Eunice Michilelis em 1979. Sim, há pouco tempo atrás. 

Nas empresas, claro que existem exceções, especialmente nos segmentos que são culturalmente considerados femininos, como o de beleza. Mas, via de regra, as mulheres recebem menos promoções e salários inferiores. Dados do IBGE, mostram que as mulheres recebem cerca de 79,5% do salário pago a seus pares homens. Isso, claro, depois que passam por processos de admissão muitas vezes discriminatórios. Questões como gravidez, filhos, excesso de sentimentalismo, por vezes são encobertos em devolutivas de no fit na cultura da empresa, ou infelizmente escolhemos outros perfil nesse momento. 

E essa foi, na verdade, tem sido nossa cultura durante anos. Mas aí, veio o tal do Empreendedorismo e com ele, algumas alternativas.

O Empreendedorismo surge como uma alternativa real a esse mundo cheio de poréns. Salários mais baixos, preconceitos em relação a uma possível ou efetiva vida materna, induziram a mulher a empreender. Ainda que surjam outros desafios também nesse caminho, ao menos a mulher pode ser dona de si mesma e ser medida pelo resultado de seu esforço. 

A necessidade de obter renda extra, poder conciliar carreira e maternidade e receber "salários justos"faz com que cada vez mais mulheres se encontram no empreendedorismo. Não é a toa que hoje cerca de 50% dos novos negócios são fundados por mulheres (Dados do Global Entrepreneurhsip Monitor - GEM de 2018). 

Uma pesquisa do Jornal Globo de 2018 mostra que as mulheres são mais escolarizadas que os homens. 23,5% das mulheres têm ensino superior completo, em comparação com os 20,7% dos homens.  

Cerca de 50% das famílias hoje são sustentadas por mulheres. São 29 milhões de famílias sustentadas por mulheres. E sustentando suas famílias, elas têm também mais força de decisão de consumo. Sim, elas escolhem o que comprar. E elas têm escolhido mais do que os homens. Não é a toa que as empresas têm se adaptado. Se não o fizerem, perdem um senhor mercado consumidor.

É difícil definir se a mulher tem sido uma empreendedora de vocação ou por necessidade. De toda forma, mostra que essa via tem sido uma alternativa à falta de tratamento igualitários nas grandes empresas. Como disse anteriormente, existem sim exceções. Especialmente em segmentos considerados femininos. Não conheço a estrutura de cargos administrativos de empresas como Natura, Avon, Boticário, Marisa, mas muito da estrutura de negócios depende e fomenta o papel da mulher. As vendas diretas devem alcançar o público alvo e quem melhor que um representante desse público para endossá-lo? E ai, sabemos, as vendas acontecem e muito bem.

De acordo com o relatório Bottom Line, divulgado pela Catalyst no final de 2007, das 500 maiores empresas da Fortune, apresentam melhores resultados aquelas que possuem mais mulheres em posições de diretoria. O estudo avaliou três medidas financeiras - retorno sobre patrimônio, retorno sobre vendas e retorno sobre o capital investido - para concluir que a quantidade de mulheres no board influencia no desempenho das corporações.E apesar disso, o desafio continua. Um estudo feito pela consultoria Enlight aponta que o Brasil é um dos três países com 10% ou menos de mulheres em Conselhos de empresas listadas no Novo Mercado da B3. O levantamento foi realizado com 142 empresas de 25 países. 

Acho que por isso vemos tantas mulheres empreendendo, sendo as únicas responsáveis por seus crescimentos. Não dependendo de um olhar masculino para fazê-lo. 

E sinceramente, pensando mais uma vez na direção para qual estamos caminhando, estabelecendo um posicionamento de um mundo com um olhar mais feminino, esse movimento está longe de ser uma benesse. Passa a ser necessário e imperativo. A diversidade em si tem ganhado um significado diferente e muito lucrativo. A já mencionada Goldman Sachs se posicionou recentemente no sentido de que se faz necessário uma mulher no board de uma empresa para que ela possa coordenar novos IPO's. Ora, se temos mulheres definindo os critérios na ponta da demanda, se faz estratégico e bem inteligente ter mulheres na outra ponta de oferta. Capaz de sentir e entender esse universo. 

Nesse contexto, dados da Consultoria Mckinsey, Pesquisa intitulada Delivering Through Diversity, revela que empresas que implementam ações de diversidade de gênero alcançam uma lucratividade de cerca de 21% maior do que a média das demais. 

No Brasil, impossível não pensar em Luiza Helena Trajano que não só criou uma das maiores redes varejistas do País como tem navegado lindamente nesse cenário de crise atual, sendo uma das ações listadas na Bolsa com melhor performance nos últimos e complicados meses.  

Como vemos, diversidade é sinônimo de lucro, e quem não se adaptar a essa realidade, certamente não estará pensando num posicionamento de médio e longo prazo.