30 DWC - Inspire-se na sua música favorita
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30 DWC - Inspire-se na sua música favorita

Desafio de 30 dias de escrita. Dia 3. Essa não é a minha música favorita, mas tava tocando enquanto eu lia o template do desafio, gostei do nome, então resolvi fazer com ela.

Jefeth Gomes
8 min
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Fives Minutes to Midnight 

Ser viciado em tempo não é uma coisa nada boa. A vontade de querer estar ciente de cada minuto que se vive, viveu ou viverá é viciante, torna-se um hábito e com isso vão surgindo diversas consequências prejudiciais. O tempo passa a nos controlar, ao invés do oposto desejado, mas vai além, esse ímpeto de querer controlá-lo nos priva do momento, de viver o agora, fazendo-nos importar com simplesmente números e acabamos por fazer tal coisa em um horário programado por nós mesmos sem aproveitar a ação em si em detrimento desse vício.

Dito tudo isso, a situação que narro neste texto surge dos raríssimos casos onde essa obsessão pelo tempo se faz benéfica. Uma vez que ser obcecado pelo tempo pode nos fazer evitar atrasos, manter uma disciplina e até para colorir um pouco da nossa vida cotidiana - a ansiedade pela hora nos preenche com uma espécie de tensão e passamos a valorizar mais os instantes que estão por vir, como se tivéssemos numa cena de filme onde o tique-taque do relógio(em nossas cabeças) nos faz viver mais intensamente.

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Eu esperava uma ceia de Natal sem aborrecimentos, já que eu tinha me certificado de que tudo iria ocorrer bem sem brecha para imprevistos, mas é claro que meu maior aliado e mais íntimo inimigo iria aprontar uma comigo; o tempo naquela noite não estava afim de colaborar. Já era noite e os preparativos para a ceia na minha casa estavam quase todos prontos, ajudei no que pude antes de sair, eu iria comparecer à ceia, mas só exatamente a meia-noite - primeiro porque devido a uma viagem eu não tinha comparecido ao Natal anterior e fui cobrado; segundo porque era uma tradição da minha família tirar uma foto com todos nessa exata hora para manter registrado, atrasos não eram permitidos; e por fim porque eu tinha prometido a minha namorada(atual esposa) que iria ajudar ela numa ação solidária onde iríamos distribuir presentes e contar histórias natalinas pelas casas de outro bairro. Então, eu não podia perder a noção de tempo para poder fazer essas duas coisas bem, sem me apressar. 

A primeira parte que era me arrumar cedo, e ajudar nos preparativos de casa já estava feita, a parte seguinte era ir ao ponto de encontro do grupo da ação solidária, colocar roupas natalinas(extremamente quentes e impossíveis de se locomover durante muito tempo), me encontrar com e fazer a ação solidária. O sr. tempo começou suas pegadinhas comigo durante minha ida ao ponto de encontro, pois eu contava que iria levar cerca de 25 minutos de ônibus de acordo com as horas do meu celular - que acabei não levando por puro e simples esquecimento, percebendo isso apenas já dentro do coletivo… Mas nada estava perdido para um viciado em tempo como eu, afinal, eu tinha um relógio - que de acordo com meus cálculos tinha uma diferença de dois minutos e meio para o horário do meu celular, portanto, toda minha noção de tempo deveria ser alterada com base nessa diferença de minutos. Além disso, as coisas dentro do ônibus estavam começando a ficar exóticas, um grupo de coral cantava nos fundos do transporte em uma ação de natal, parecia ser um grupo enorme, mas havia apenas quatro pessoas, a impressão que dava é que tinha pelo menos umas vinte cantando simultaneamente. Outra coisa que me causou estranheza/encantamento foi que todas as pessoas que entravam no ônibus me lembravam de alguém da minha família, como se eu fosse levado por eles para voltar o mais rápido possível. Porém, o mais bizarro de tudo foi o que o motorista me respondeu depois de eu entrar no ônibus e cumprimentá-lo com “Boa noite, Feliz Natal!”, ele disse “Boa sorte! Até mais!”. Eu queria acreditar que ele não disse aquilo, mas ao mesmo eu não parava de me perguntar o porquê de ele ter dito.

Enfim, de acordo com o tempo que eu tinha calculado, mais a diferença de dois minutos e meio do relógio, eu cheguei super cedo no ponto de encontro. O que foi uma sorte, pois os preparativos por lá mal tinham começado e eu pude/tive que ajudar. Minha namorada chegou logo depois de eu colocar minhas roupas natalinas dizendo que estava se arrumando também - eu era um papai Noel simples, mas com roupas mais escuras do que o normal; ela era um amálgama de rena, duende e Noel, não consegui entender o que era para ser exatamente. Finalizamos tudo e começamos a ação, tudo foi muito bonito, as crianças estavam encantadas e os adultos(pais e professores) mais ainda, dava para sentir o contentamento e alegria genuína vindo de todos ali presentes, como se só existisse aquele momento naquele momento, todos estavam sendo levados por aquilo, eu incluso, até eu perceber que meu relógio tinha parado… Eu estava sem tempo para marcar, portanto, passei os restante da ação aflito. Por fim, tudo correu bem, mas eu não tinha tempo para me guiar. Claro que depois de encerrada a ação fui atrás de ver as horas com outras pessoas, e no momento em que eu soube pela minha namorada meu coração quase saiu pela boca… Cinco minutos para meia-noite. No ato de desespero, sem me trocar eu apenas saí correndo embora, minha namorada me parou, queria saber o porquê daquilo, expliquei o mais rápido que pude e ela quis ajudar(não tinha o que fazer) mas pedi que ela fosse comigo, pois eu estava sem meu celular e relógio, eu estava sem tempo para marcar. Porém, ela veio com a solução óbvia, bastava pedir um carro por aplicativo… mas ela estava sem internet… e eu sem mais tempo para perder. Foi então que vi o ônibus que me levaria para casa passar em frente de onde estava, corri e ela correu junto. 

No meio da correria para pegar o ônibus ela me disse que tinha visto errado as horas antes, o que me deu um alívio enorme, pois eu precisava de no mínimo 25 minutos para chegar em casa, mas o alívio se encerrou logo depois de aparecer… De acordo com ela, antes faltavam dez minutos para meia-noite, sendo assim os cinco minutos valiam só a partir de agora. Eu estava em um frenesi, meus pensamentos corriam tão rápido que meu corpo não se movimentava. Tentei me despedir dela, mas ela insistiu em vir junto, pode parecer loucura, mas no meu turbilhão de pensamentos lembrei de todos os detalhes que me podiam fazer com que ela não quisesse passar o natal em sua própria casa, e por isso sequer questionei essa decisão impulsiva, minha e dela, então eu só disse que ela iria para(minha) casa comigo no natal...

Dito isso, tudo que lhes vou narrar de agora em diante ocorreu em apenas cinco minutos - fique a vontade para não acreditar na veracidade de minhas palavras, mas considere que momentos como estes só poderiam acontecer em momentos como estes.

Pegamos o ônibus, e era o mesmo que eu tinha pegado na ida, mas com algumas mudanças. O motorista respondeu o nosso “Boa noite” e “Feliz Natal” com “Ainda bem! Aproveitem!”. O coral ainda estava com mais pessoas, cantamos juntos deles. Sentamos próximos a um homem que parecia estar vestido de mágico e disse que faria o relógio do celular da amiga parar sem tocá-lo(e fez!), o que me deixou aflito, mas tudo tava acontecendo tão rápido que nem tive muito tempo para me preocupar. Depois uma senhora passou ao nosso lado e disse que tinham nomes sendo escritos em luzes pela cidade, olhamos pela janela e era verdade! Nossos nomes apareceram! O ônibus começou a piscar, algumas das pessoas do coral começaram dançar mesmo com ele em movimento, e nós entramos na onda também. Até que o ônibus parou completamente, todas as portas abriram, e só saímos correndo sem hesitar - eu guiando o caminho para minha casa. Demos comidas para necessitados enquanto corríamos, vimos nossos nomes escritos pela luzes da cidade de novo, pegamos uns gatos de rua pelo caminho e colocamos eles em nossas cabeças até eles se cansarem e saírem num pulo, quase fomos atropelado ao atravessar um cruzamento correndo de costas, o êxtase da alegria de antes e da pressa de agora nos fazia quase alucinar, principalmente eu! Seguimos correndo, pulamos o muro pequeno de uma casa vizinha a uma escola, compramos churros em alta velocidade dizendo que faríamos o pix para o vendedor depois. Um grafiteiro nos deu uma lata de tinta spray e fizemos rabiscos bem rápido em um muro que ele estava grafitando, ganhamos alianças de papelão de um artista de rua depois de darmos nossas roupas natalinas para ele(tudo isso enquanto corríamos). Rimos muito, cantamos bastante, nos apaixonamos(pela vida) ainda mais! Acho que foi nesse dia que eu desejei me casar com ela. Pelo resto da noite teve comidas, fotos, questionamentos, risadas, mais comidas e diversos outros momentos de alegria.

Não faço ideia de que horas cheguei em casa…