A Casa no Penhasco
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A Casa no Penhasco

“Uma hora vai cair…” Contozinho inspirado por um desenho que vi no Twitter.

Jefeth Gomes
9 min
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"Uma hora vai cair..."

Foi a primeira coisa que pensei quando vi aquela casa na beira de um penhasco. 

Eu olhava aquela construção de longe, há alguns metros abaixo, próximo a umas pedras que davam início à costa daquela região litorânea. Num primeiro momento eu sequer reparei que havia uma casa lá, estava totalmente focado em me sentar em umas pedras e refletir sobre a vida enquanto ouvia as ondas do mar… sendo esse simples fato o motivo de eu estar ali.

Contudo, a casa em si não parecia tão instigante quanto o cenário de que era composta toda aquela região. Ela de fato era a protagonista, mas não tinha tanta presença, ela parecia sem vida enquanto a forma da ponta do penhasco, por exemplo, parecia tentar envolvê-la para que não caísse, assim como os canos que brotavam a partir do andar de cima da casa - que confesso não ter conhecimento suficiente para saber suas reais funções - pareciam tentar segurar aquela construção, evitando sua partida. 

Pode parecer que estou alucinando, mas de certa forma eu me senti conectado àquela casa.

Perdido em meus pensamentos criei a seguinte teoria: para mim, a casa estava viva, mas não estava querendo viver. Portanto, para evitar a sua morte, seus protetores - o penhasco e os canos - afagaram-na do jeito que podiam, além de que as ondas dos mar que quebravam nas pedras onde eu estava serviam de gritos abafados para tentar fazer com que a casa voltasse a querer viver. E isso se relacionava em gênero, número e grau com o momento que eu mesmo estava passando. Sendo assim, ao considerar a possibilidade de que uma empreitada para descobrir o que passava com a casa poderia me ajudar com o que passava comigo, eu decidi ir até lá investigar, ou melhor, conhecer.

O caminho até a casa era desafiador e tranquilo ao mesmo tempo. Até chegar ao mesmo nível em que ela estava, ou seja, começando da parte de baixo, era muito tortuoso com diversos obstáculos que fariam qualquer um desistir logo ali. Uma vez que se chega no mesmo nível em que a casa o caminho continua difícil, mas menos complexo, exigindo menos esforço físico e mental, mas quanto mais perto você chega dela, mais fácil esse cansativo caminho se torna.

Enfim, cheguei à casa. Não pude perceber lá de baixo, mas a casa tinha uma cerca bem pequena metros a frente de sua  porta, essa cerca estava bem gasta e com diversas partes quebradas, e era tão pequena que uma criança poderia facilmente passar por ela sem esforço algum. Ao passar da cerca, eu senti que o caminho até a porta da casa era tão longo quanto o caminho de se chegar a entrada, pelo menos algumas vezes, eu considerei voltar para onde estava ou ficar parado no meio naquele caminho ali mesmo, pois afirmo com todas as letras que a paisagem ali de cima era incrível, com exceção da casa - que destoava totalmente da beleza do lugar, mas eu segui em frente. Uma vez na porta da casa, no que parecia ser uma varanda bastante deteriorada, pude ver que alguns dos canos que envolviam a casa, os mais proeminentes pareciam escudos roliços prostrados suavemente aos lados da porta, ao vê-los com mais nitidez, confesso que me senti acuado e hesitei por um instante. Afinal, eu estava esgotado fisicamente… Porém, a minha curiosidade ainda não estava saciada, o que manteve minha condição mental, ou pelo menos minha vontade, em ótima forma. Então, eu fui até a porta, senti a maçaneta, que quase se soltou com meu toque, vi que estava aberta e decidi abri-la de lado, como se esperasse ser atacado por algo, mas não teve nada. Sendo assim, eu entrei.

Uma pessoa.

Com toda a escuridão que estava impregnada na casa, só pude reconhecer isso. Tinha uma pessoa no fundo da casa. Aparentemente, ela estava sentada, e muito longe da porta. A falta de luz dava a sensação de que a casa era muito mais comprida e fina do que eu vi lá embaixo, como se eu estivesse num imenso corredor escuro e o fim fosse justamente a silhueta dessa pessoa. 

Depois de poucos minutos de contemplação e pensando no que fazer a partir dali, criando coragem para agir, eu me dei conta de que a casa não tinha cheiro algum. Eu me recusava a acreditar nisso, precisava de ter o mínimo de cheiro, até por conta do mar, lá embaixo eu acreditava piamente que a casa teria um cheiro de velho, de mofo ou de algo pútrido, mas para a minha surpresa não tinha cheiro de absolutamente nada, foi aí que veio outra surpresa, mais alimento para a minha curiosidade. Tentei então pegar sem me movimentar de maneira tão brusca algum objeto da casa para cheirar, julguei que teria alguma mesa ou qualquer outro móvel logo após a porta… mas não tinha. Deixei conscientemente a minha guarda mais baixa, sem me preocupar tanto com a pessoa, sem prestar atenção nos meus movimentos e procurei rapidamente por algo no começo da casa, mas não encontrei nada. A partir daí, com a minha paciência possivelmente se esgotando, comecei a considerar então que a casa era de fato abandonada e que talvez a silhueta que vi fosse um cadáver. Com esse pensamento, me despi do medo de que poderia não estar sozinho ali e caminhei em linha reta até o fundo da casa.

Todo aquele ambiente doméstico era bem diferente, quanto mais eu observava menos me parecia um interior de uma casa regular. Tinha aberturas dos lados, não sei se modelo da construção ou por deterioração, mas pouca luz passava, além disso havia algumas janelas minúsculas no andar superior da casa - andar este que não consegui visualizar um possível caminho para subir até ele, cogitei talvez os canos que brotaram por fora da casa e que eram ligados a parte de cima. Seguindo minha jornada com passos leves para o fundo da casa, que parecia tão longo quanto o entremeio da cerca e a porta da casa, notei um ruído suave. A princípio não reconheci, mas ao passar do que imaginei ser o meio daquele corredor escuro, pois parecia ter uma linha traçada ali, pude reconhecer prontamente algo que me gerou um pânico repentino. O ruído era o som de respiração, inspirando com certa dificuldade e inspirando tentando não fazer barulho. Esse som de respiração vinha da figura ao fundo da casa, consegui visualizá-la bem ao chegar a poucos metros de onde estava. Tratava-se de um velho, com vestes pretas e um colarinho branco. Ele estava sentado em uma cadeira modelada ao seu corpo, mas bastante deteriorada, olhando fixamente para frente, para mim, enquanto apoiava o seu corpo no que parecia ser uma bengala com cabo de ferro. Meu pânico inicial me levou de volta ao meu sentimento de medo ser atacado ali, mas ao chegar perto do senhor ele foi transformado em preocupação, pensei rapidamente que eu deveria socorrê-lo, ele estava abandonado, talvez tenha sido obra do destino eu estar ali para salvar o senhor, mas fui surpreendido novamente. Quando cogitei correr em direção ao velho para ajudá-lo, pude ouvir ele sibilar algo como “Não chegue mais perto. Está quase. Vá embora!”. Eu parei sem hesitar. Aqueles sibilos se pareciam sussurros a medida que ele proferia mais, eu não conseguia interpretar tudo, então tomei a decisão de me sentar do chão da casa e focar toda minha atenção para ouvi-lo, eu esperaria ele acabar para poder saciar a curiosidade que tanto me instigava.

O homem sussurrou inúmeras coisas, ele parecia vociferar através desses sussurros, sempre me mandando ir embora. Quando ele percebeu que eu estava disposto a ficar ali até entendê-lo, respeitando uma distância que parecia aceitável para ele, então se calou. Assim, foi a minha vez de despejar incontáveis perguntas sobre toda a região, a casa, e sobre ele - a minha curiosidade fez até mesmo eu perguntar sobre como eu lidaria com meus problemas, a maioria deles de origem emocional, fiz daquele momento uma quase infindável confissão. Não passou pela minha cabeça ao vociferar durante alguns minutos, a condição que eu tinha notado do velho, ele não seria capaz de responder com clareza tudo aquilo, e de fato não foi. Seu sussurro mais claro que pude entender foi “Vá embora! Você tem azar. Eu já desisti.” Admito que não entendi o que ele quis dizer com isso. Então, com a ponta de um dedos que estava apoiado na bengala ele apontou suavemente para uma direção específica, me concentrei para ver o que de especial tinha naquele direção no meio de toda aquela escuridão. Me deparei com algo que me pôs de pé. Notei várias rachaduras pela casa, depois consegui ouvir alguns barulhos como Crack… Crack Sem pensar, tentei me aproximar do velho, a situação era óbvia, mas ele me parou com um sussurro mais forte e quase pude ouvir sua voz em um tom normal, ele dizia “Você tem azar. Vá embora. Eu não quero mais. Aceito.” Os barulhos continuavam e se tornavam mais altos à medida que eu seguia tentando me aproximar do velho. E ele com a respiração cada vez pior continuava a sussurrar mais forte “É a hora. Vá embora. Desista.” Com mais ruídos eu tentei dar um passo maior em direção ao velho, que prontamente sussurrou “Vá. Não desista. Eu não.” Então dessa vez um barulho ribombou como um trovão por toda casa.

CRACK!

“Já chega! Vou salvar você antes que a casa…”

Com esse ruído maior, tomado principalmente por medo e um turbilhão de emoções que me fazem agir em  momentos desesperados, vociferei essas palavras e parti para cima do velho para salvá-lo. Porém, eu fui parado, e meio que já esperava isso... As palavras do velho foram fortes e as mais claras que ele já disse até então, não foi um sussurro. 

“Eu sou a casa, meu filho.”

Então, 

com um cheiro de pesar 

abarrotado de uma calmaria desconfortante 

a casa caiu…