O Sétimo Juramento de Paulina Chiziane
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O Sétimo Juramento de Paulina Chiziane

Paulina Chiziane é uma autora que constrói sua escrita a partir do desligamento das estruturas acadêmicas, que ela acredita ser uma forma de enquadrar a literatura dentro de aspectos colonizadores brancos e europeus. Seu estilo prioriza a her...

Jefferson Silva de Santana
3 min
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Paulina Chiziane é uma autora que constrói sua escrita a partir do desligamento das estruturas acadêmicas, que ela acredita ser uma forma de enquadrar a literatura dentro de aspectos colonizadores brancos e europeus. Seu estilo prioriza a herança da oralidade, da ancestralidade moçambicana e consequentemente africana. Neste sentido, também é assim que ela norteia O Sétimo Juramento, obra que simbolicamente abre o milênio retomando e tentando desconstruir temáticas antes já abordadas pela primeira romancista do Moçambique, como: empoderamento feminino, contestação do patriarcado (principalmente em tribos seculares do seu continente), feitiçaria, poligamia, estupro, pedofilia, prostituição, etc.

David, personagem central do livro, é um revolucionário que assume a direção geral da fábrica que trabalha após a tomada dos meios de produção por parte dos empregados. Indivíduo corrompido pelo poder, dinheiro e sucesso, David acaba se perdendo em meio às próprias decisões que trazem a tona novamente o dilema da sua eminente deposição, encabeçada pelos outros diretores da fábrica. Assim, a feitiçaria se apresenta enquanto subterfúgio de um homem que nega o seu passado ancestral para afirmar um presente que nunca foi seu, mas que contribui no processo de negação de suas próprias raízes, sua cor, seu povo e seu continente.

Impregnada pelas marcas da colonização europeia, Moçambique é também assim retratada por Paulina em seu livro, a partir da constante negação do aspecto ancestral em detrimento de afirmações externas as suas origens, assim é o fio condutor dentro do romance. Ora, enquanto em sua própria casa David tem contato com evidências gritantes de suas raízes através de seu filho que demonstra um potencial para a vidência e feitiçaria, fora de casa ele e sua companheira, Vera, optam por abraçar as imposições religiosas do cristianismo mantendo um casamento dentro das tradicionalidades daqueles ritos trazidos pelo colonizador português. Destaque absoluto para o feminino na obra, afinal, é através dele(a) que Paulina introduz temáticas tão importantes e urgentes dentro do enredo. Estupro, pedofilia, assédio e até mesmo questionamentos acerca dos limites das práticas poligâmicas em seu país, que a princípio favorecem o homem, em prazeres e direitos, e consequentemente o próprio patriarcado.

Por fim, podemos tentar entender O Sétimo Juramento de Paulina Chiziane a partir de uma perspectiva epistolar às mulheres do mundo inteiro. Mulheres que assim como Paulina escrevem suas dores, prazeres e tradições. A escrita feminina engajada e empoderada deve ser um grito daquelas que se cansaram da opressão, mas acima de qualquer coisa tiveram a oportunidade de serem ouvidas e consequentemente falaram. Paulina Chiziane ocupou o seu lugar através da valorização daquilo que ela chama de “literatura oralizada”, forjada nas histórias que perpassam gerações sendo contadas pelas avós nos terreiros e nos seios das famílias. Neste sentido, Paulina se apresenta enquanto uma voz que urge em meio a tantas outras que foram suprimidas, silenciadas, espancadas, mortas e esquecidas. Paulina Chiziane é uma escola que nos ensina que o indivíduo preto, pobre e periférico pode sim ser alguém extraordinário.