D’Artagnan é um impetuoso jovem da Gasconha que resolve viajar a Paris para se juntar aos mosqueteiros. Para isso, seu pai escreve uma carta de recomendação ao chefe do esquadrão de elite, Sr. de Tréville, que fora seu amigo de infância. A mã...
D’Artagnan é um impetuoso jovem da Gasconha que resolve viajar a Paris para se juntar aos mosqueteiros. Para isso, seu pai escreve uma carta de recomendação ao chefe do esquadrão de elite, Sr. de Tréville, que fora seu amigo de infância. A mãe de d’Artagnan, por sua vez, conta-lhe a receita de um poderoso remédio que cura todas as feridas, desde que não cheguem ao coração. Então, munido da carta escrita pelo pai e da receita dada pela mãe, além de um cavalo e uma parca quantia em dinheiro, ele parte em busca do seu objetivo. | ||
Seria tudo muito simples. Seu trabalho era chegar em Paris são e salvo, apresentar-se a Tréville e entregar a carta. Entretanto, em uma de suas paradas antes de chegar à capital francesa, mete-se em uma confusão — ocasionada por ele mesmo — e sua carta de recomendação é roubada. Assim, têm-se início às suas aventuras e peripécias na Cidade das Luzes. | ||
A obra prima de Alexandre Dumas tem uma trama muito bem definida, da qual não falarei. Fica para quem quiser ler o livro e acompanhar o desenrolar dos fatos. Aqui, pretendo apenas falar da conjectura histórica. | ||
A maior parte do desenvolvimento do enredo ocorre na França do século XVII, sob o reinado de Luís XIII. | ||
Nesse contexto, os mosqueteiros eram considerados uma casta de renome, devido à incumbência de serem a guarda oficial do rei. Tréville fora amigo de Henrique IV — pai de Luís XIII — nas batalhas do passado e por isso conseguiu ascender ao posto de capitão dos mosqueteiros. | ||
Entra na história a figura do cardeal Richelieu, que se admirou com o fato do rei ter uma guarda particular e quis formar uma também para si próprio. O resultado de tal atitude foi uma rivalidade ferrenha entre os mosqueteiros do rei e a guarda do cardeal. Embora estivessem, em tese, defendendo o mesmo lado, agiam se tratando como inimigos mútuos. | ||
Os mosqueteiros do rei, liderados por Tréville, eram homens não muito comedidos. Perambulavam, bebiam e brigavam por onde quer que passassem, uma vez que sabiam que não seriam punidos pela má conduta que ostentavam. Tréville era influente na corte e se aproveitava de certa proximidade com Luís, conseguindo muitos favores. Apesar do comportamento duvidoso de seus homens, era admirado e temido por muitos, em parte pelo fato de preservar, ainda que minimamente, sua dignidade perante tantos conspiradores comuns em quase toda corte. | ||
A guarda que Richelieu montou era mais valorosa, sobretudo porque a cautela não deixava os soldados desta se meterem em situações embaraçosas. Isso não os impedia de duelarem às escondidas com os mosqueteiros do rei, mas o cardeal quase sempre conseguia dobrar os fatos. Por ser ministro, Richelieu tomava decisões importantes para o estado francês e estava acima de Tréville na corte, fator este que era primordial em sua proximidade com Luís XIII que, por sua vez, estava sempre dividido, ora concordando com Tréville, ora com o cardeal, porque sabia que precisava dessas duas importantes facções. Os mosqueteiros podiam ter falhas morais, mas eram homens bravos e que certamente dariam a própria vida pela do soberano francês. | ||
O que Luís XIII não sabia é que Richelieu planejava contra ele indiretamente, pois se aproveitava da sua esposa, a rainha Ana da Áustria. Ana não tinha o apoio do marido, nem tampouco da corte, o que a tornava uma figura vulnerável. Em uma noite em Amiens, a rainha colocou-se em graves apuros quando foi vista em momentos comprometedores com George Villiers, duque de Buckingham. Desde então, o rei tinha ciúmes e o cardeal a perseguia em um misto de ódio e paixão reprimida. | ||
Villiers, fortemente interessado na rainha, perdera força com Luís após o escândalo de Amiens. Além disso, a relação entre França e Inglaterra — rivais históricos desde a Guerra dos Cem Anos — sofreu mais um abalo. | ||
Richelieu não se encaixava no estereótipo de um cardeal comum. Altivez, inteligência e astúcia eram partes importantes de sua personalidade, o que muito explicava a confiança que tinha do rei. Apesar de dividir as opiniões dos civis comuns, vinha se destacando com conquistas políticas marcantes e estava preparando o que prometia ser a maior de todas elas. | ||
Com a promulgação do Édito de Nantes, em 1598, ainda sob a tutela de Henrique IV, os huguenotes — grupo protestante adepto do calvinismo — tinham certa tolerância religiosa após anos de conflitos. Como resultado, o culto à doutrina de João Calvino era muito comum em algumas cidades francesas. Não obstante, com o passar dos anos, tais associações perderam força de forma paulatina e uma das únicas cidades remanescentes para o grupo protestante era La Rochelle, tornando-a uma peça-chave no embate teológico. Aliado ao fato acima, os ingleses residentes na França, também de maioria protestante e estando na Ilha de Ré — muito próxima da cidade de La Rochelle — aproveitavam-se do porto rochelês para receberem suprimentos vindos da Inglaterra. Richelieu projetava expusá-los fazendo um cerco, sitiando a cidade e fechando o porto. Caso obtivesse sucesso na ousada campanha, a probabilidade do Édito de Nantes ser revogado em um futuro próximo era muito alta, o que marcaria uma perda de terreno significativa para o lado protestante. | ||
O imbróglio envolvendo a rainha e o duque inglês funcionou como uma espécie de estopim para que Richelieu adicionasse celeridade à prática de seu plano, já que fora o próprio duque que liderou a expedição dos ingleses até a Ilha de Ré. Outro agravante, ainda, eram as estreitas relações de Villiers com várias organizações protestantes, inclusive os huguenotes. | ||
Richelieu sabia que travaria uma guerra civil em La Rochelle, pois os huguenotes eram franceses em sua maioria e enxergariam no duque de Buckingham um potencial aliado. | ||
O duque não era menos poderoso do que o cardeal. Os poderes de ambos eram equiparáveis em seus respectivos países. Os dois eram ministros com enorme poder de decisão. Da mesma maneira que Richelieu era o braço direito de Luís XIII, Villiers também era importantíssimo para Carlos I, rei de quase toda a Grã-Bretanha. Com exceção do amor cego que sentia pela rainha da França, o nobre inglês se mostrava não só um exímio estrategista, como também compartilhava da ideia de declarar guerra ao reino francês, principalmente se houvesse obstáculos na sua aproximação com Ana. | ||
Portanto, a causa mais visível para uma iminente contenda, envolvendo franceses católicos, ingleses e franceses protestantes eram as condições religiosas e as influências políticas que isso causaria — e a narrativa de Dumas abarca muito bem o período e os personagens históricos que estão presentes no livro. | ||
Finalizado em 02/09/2021 |