Tal frase é proferida pelo pai de Robinson Crusoé, meses antes deste último fugir de casa em direção ao mar. Na obra de Daniel Defoe, o pai do protagonista é quem aparece com o ponto de vista mais interessante do ínicio da saga. Para ele, a s...
“Esse rapaz poderia ser feliz se ficasse em casa, mas se partir será o mais desgraçado entre os miseráveis que jamais nasceram: não posso de forma alguma dar o meu consentimento.” | ||
Tal frase é proferida pelo pai de Robinson Crusoé, meses antes deste último fugir de casa em direção ao mar. Na obra de Daniel Defoe, o pai do protagonista é quem aparece com o ponto de vista mais interessante do ínicio da saga. Para ele, a situação intermediária seria a de mais conforto entre todos os estratos sociais: | ||
“Assegurou que a situação se adaptava na medida certa a todas as virtudes e todo tipo de satisfação; que a paz e a fartura eram servas de uma fortuna mediana; que a temperança, a moderação, a tranquidade, a saúde, o convívio social, todas as diversões agradáveis e todos os prazeres desejáveis eram benesses que advinham da situação intermediária na vida; que assim os homens passavam silenciosa e suavemente pelo mundo e dele saíam com conforto, sem se deixarem enredar pelo trabalho das mãos ou da mente, sem se venderem a uma vida de escravidão em troca do pão de cada dia, ou se atormentarem com circusntâncias desconcertantes, que roubam a paz à alma e o descanso ao corpo, sem se enfurecerem com a paixão da inveja ou com a secreta e abrasadora luxúria da ambição por grandes realizações.” | ||
Com ponderações seguindo essa linha de raciocínio, o pai tenta dissuadir o filho de ir ao mar para, em vez disso, ir cursar direito. Robinson, no entanto, não toma para si os conselhos do progenitor e embarca em sua primeira viagem, que seria de York — sua cidade natal — até Londres. Dá-se, então, início a todos os seus infortúnios em série. | ||
O medo do mar e os percalços dessa viagem fazem Crusoé se arrepender de ter saído de casa diante de todos os avisos que o pai lhe dera. Em duas ocasiões, o navio em que estava alojado quase afunda e chega a ser cômico o modo como ele promete a si mesmo que iria voltar para casa — como um verdadeiro filho pródigo — caso saísse vivo dos perigos por que estava passando. | ||
Ele sobrevive, mas todos os medos de voltar a navegar cessam e suas juras são esquecidas. Ao contar sua história ao Capitão do navio que saiu de York, é alertado veementemente mais uma vez para que não insista em empreender outras aventuras marítimas: | ||
“[…] pode ter certeza, se não recuar, aonde quer que vá, não encontrará nada além de desgraças e decepções, até que se cumpram as palavras de seu pai.” | ||
A Providência parece dar seguidos sinais a Crusoé de que ele estava errado, a ponto de ele reconhecer a voz interior em seu íntimo. Todavia, o orgulho de assumir o erro e dar meia volta o impele de voltar atrás, afirmando ele mesmo que os jovens não se envergonham de pecar, mas são tímidos para voltar atrás em suas falhas. Resolve, por fim, tentar mais uma vez. | ||
Conseguiu empreender uma viagem bem sucedida, mas não teve a mesma sorte na excursão seguinte e o navio no qual estava foi atacado por um corsário turco. Permanecendo vivo, Crusoé foi levado como escravo para a cidade de Salé, no Marrocos, que até então estava sob domínio dos mouros, e só conseguiu sua fuga depois de dois anos de trabalhos forçados na casa do patrão. Daí em diante, uma série de acontecimentos se sucederam, sendo o mais o interessante a passagem e o estabelecimento de Robinson no território brasileiro, onde conseguiu bastante estrutura plantando fumo e cana-de-açúcar. Mais uma vez, teve a oportunidade de viver conforme fora recomendado, mas ele não via sentido em ser um senhor de grandes terras. | ||
“Entrara numa atividade inteiramente estranha ao meu temperamento e diametralmente oposta à vida que me agradava e pela qual abandonara a casa de meu pai e agira contra todos os seus bons conselhos. Mais do que isso: estava entrando exatamente naquele nível médio, ou situação superior para os humildes, que meu pai antes me recomendara e que, se persistisse nele, teria dado no mesmo permanecer em casa ao invés de ter-me fatigado pelo mundo do modo que o fizera.” | ||
Importante ressaltar que, antes de desembarcar no Brasil, Crusoé havia passado algum tempo na costa de Guiné, fato que atraiu a atenção de alguns colegas de plantação. Em outras palavras, o interesse geral dos plantadores era conseguir escravos em número abundante para trabalhar nas plantações, assim como conseguir artifícios valiosos, tais como ouro e presas de marfim. Isso porque os nativos africanos trocavam esses valiosos artigos por coisas sem valor para os europeus: espelhos e outras ferramentas rudimentares. | ||
O plano de Crusoé era simples: navegar com destino a Guiné para intermediar negociações de compra de escravos e, como recompensa, teria ele também uma participação na divisão destes para trabalharem na sua plantação. Crusoé tivera várias chances de se redimir, mas insistiu em seu ímpeto errôneo de continuar com suas ambições, dessa vez estando incumbido da nefasta função de explorador de homens. Depois de tantas chances, parecia estar se aproximando o momento do estopim. | ||
O castigo veio. | ||
Um violento tornado tirou o navio da rota por doze dias. A tripulação tentou se dirigir a algumas ilhas inglesas, no intuito de buscar socorro, mas não obteve sucesso, pois outra tempestade acometeu a embarcação, que já estava prejudicada pelo vendaval anterior. A solução foi se agarrar ao pequeno escaler que o navio tinha de reserva, apesar de ser quase um suicídio entrar em tão frágil estrutura diante de um mar tão feroz e revolto. Contudo, assim o fizeram. | ||
O resultado foi uma desgraça. Todos os tripulantes morreram afogados, exceto um. Era Robinson Crusoé. Agora estava sozinho em uma ilha deserta, entregue a mais desfavorável situação que jamais imaginara. | ||
Finalizado em 30/03/2022 |