Capítulo 11 - Germinação
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Capítulo 11 - Germinação

Taysa entrou na minha vida no segundo mês do lockdown. Ele fora decretado praticamente na mesma semana tanto no Brasil, quanto no Reino Unido. Ainda falava com Eva, mas muito pouco. Ela tinha me confessado que havia ficado com outros caras qu...

BeeJM
11 min
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Taysa entrou na minha vida no segundo mês do lockdown. Ele fora decretado praticamente na mesma semana tanto no Brasil, quanto no Reino Unido. Ainda falava com Eva, mas muito pouco. Ela tinha me confessado que havia ficado com outros caras quando nos afastamos, eu também contei a ela sobre Maria. A gente forçou a barra para evitar a solidão no começo da pandemia, mas a magia tinha acabado para mim. Fui parando de responder Eva e quando conheci Taysa praticamente não falava mais com ela. Maria também tinha ficado para trás. Ficamos duas vezes nas nossas folgas após a primeira vez que saímos, mas aí veio o coronavirus. Pensei que seria bom ter a Maria e ela ter a mim nesse período, mas Maria estava no lockdown mais rígido possível. Morávamos bem distantes e ela não queria que eu fosse até a casa dela após pegar transporte público. Argumentei que iria de Uber, mas ela estava irredutível. Maria não gostava de relações virtuais, nem conversas longas por aplicativos eram sua praia. Ela é uma pessoa mais objetiva e vai direto ao ponto que quer. Isso fez a gente se afastar também. Tay supriu tudo o que precisava naquele momento e em certa altura já nem me lembrava mais de Maria e Eva. Taysa uma mulher mais completa, mais parecida comigo e com as experiências de vida que tinha. Nossa relação foi amadurecendo gradativamente com o passar do tempo. Fui me abrindo e expondo o que já havia passado. Ela perguntava muito sobre meu casamento, contei a ela, com mais detalhes do que havia contato a Eva. Ela contava a respeito do seu noivado e de seus outros namorados, que eram muitos por sinal. Taysa gostava de falar sobre casos passados, eu não. Mas ela falava e essas coisas sempre acabavam vindo a tona. Em certo dia Tay iria lançar um vídeo de uma nova campanha da empresa onde trabalhava e me mandou assim que ele foi publicado. O vídeo estava bom, mas fiz algumas observações técnicas que poderiam dar um toque de qualidade mais caprichado na montagem e edição. Trabalhei com isso durante mais de 10 anos, tenho um bom conhecimento. Ela concordou com as sugestões que fiz e falou que no próximo lançamento de campanha iria me mandar o vídeo antes de publicar. Achei aquilo legal, Tay era bem boa naquilo que fazia. Era bom ter reconhecimento de uma profissional foda, independente de qualquer relacionamento pessoal. Naquela mesma semana Tay me viu na televisão pela primeira vez. Fazia algumas reportagens frelancer para emissoras de jornalismo esportivo do Brasil. Estávamos falando no telefone na hora em que a matéria foi ao ar.

"Amor, olha você aqui na minha casa", disse ela. Perguntei do que tinha me chamado e ela soltou: "Merda, você ouviu".

Questionei qual era o problema daquilo, ela disse que ficava sem graça e não queria ter dito aquilo. Ficou um clima estranho, ela super encabulada. Não toquei mais no assunto para não a deixar desconfortável. Havia ficado feliz com a sua reação espontânea e preocupado com o seu comportamento conservador. Tay nunca mostrara afeto com palavras, nunca foi seu forte. Ela se escondia atrás do seu personagem de business woman. Era nítido para mim que por trás daquilo havia uma mulher extremamente solitária e insegura. Sem familiares e com apenas amigos de trabalho na cidade, Tay passou natais, ano novo e aniversários sozinha em casa antes da pandemia. Ela vivia tanto aquele mundo corporativo onde as aparências são importantes que tinha carregado aquilo para a sua vida pessoal, ela não conseguia se desfazer do seu personagem quando estava comigo. Tay falava exaustivamente sobre seu trabalho, não me incomodava, mas me deixava sem assunto. Tinha largado totalmente dessa vida corporativa. O que mais eu gostava no casino era o fato de não ter nenhuma preocupação quando meu turno terminava, podia viver minha vida livremente. Entendi que a vida dela era o trabalho e aquilo a fez ficar sem vida própria sem ela nem perceber. Ela não entendia porque eu havia largado tudo para viver em de um chamado sub-emprego. Isso me fez passar a questionar o que uma mulher que era diretora internacional de marketing de uma multinacional estava fazendo com um bartender. Uma vez falei que aquela nossa diferença me incomodava de alguma forma e não via futuro na nossa relação porque não poderia e nem queria dar o padrão de vida financeiro que ela estava acostumada. Ela me explicou que gostava de mim não pelo que eu tinha e sim pelo que eu era como pessoa. De certa forma fui deixando de lado meu machismo e lidando melhor com essa questão. Vendo minhas matérias na tv e meus conselhos a ela nos projetos da sua empresa, Tay identificou em mim um bom potencial profissional e começou a questionar as minhas escolhas de vida. Me esquivava das respostas, até que um dia ela me colocou na parede.

O lockdown já estava mais flexivo na Inglaterra naquela altura. O comércio e os restaurantes já voltavam a funcionar com horários limitados. O número de casos e mortes tinha diminuído exponencialmente, enquanto no Brasil o pico ainda nem havia chegado. Era um sábado de sol e dia lindo de verão em Londres. Após muito tempo resolvi sair para aproveitar aquela manhã. Por sugestão de Tay, fui no Hide Park, sozinho.

"Quando você chegar lá, se quiser, me liga. Podemos ficar conversando, fazendo companhia um ao outro. Vou ficar em casa sozinha também", tinha me dito ela. E foi isso que fiz. Não mudou muita coisa porque nos falávamos o dia inteiro, todos os dias. Mas pelo menos naquela manhã eu estava livre, o cenário do parque ensolarado era muito mais agradável do que o quarto pequeno e escuro. Assim que começamos a falar, Tay perguntou o motivo de eu não voltar para o Brasil, queria entender o que havia feito eu desistir da vida lá. Contei a ela algumas coisas sobre o divórcio que ela não sabia ainda, como o fato de eu ter ficado muito tempo trabalhando só de freelancer sem conseguir emprego fixo. Depois contei a ela a história do restaurante e todas as consequências que aquele fato tinham causado no meu psicológico e judicialmente também. Expliquei que era desanimador saber que nunca iria conseguir construir nada no meu nome e que o fato de não poder se quer ter uma conta corrente era algo bem traumatizante. Ela deu um Google no meu nome e viu os processos todos. Ela disse que nunca tinha feito aquilo, mas não acredito. Tay é rata de internet, muito mais do que eu. Essa pressão toda dela, na verdade, era porque queria saber que raios de processos eram aqueles que ela já havia visto. Quando expliquei tudo Tay entendeu a minha decisão, mas não concordou.

"Você precisa limpar seu nome. Volta, faz isso e vai ficar tudo bem", disse ela. Mas não tinha como fazer isso tão facilmente. A partir daquele dia, Tay colocou um outro assunto diário na pauta das nossas conversas. Agora, além de histórias de ex namorados e problemas no trabalho, ela sempre falava do meu potencial desperdiçado. Aquilo mexia comigo. Modéstia a parte, sou bem bom no que estudei para ser profissionalmente. Gostava de trabalhar com comunicação. Era a única coisa que sabia fazer. Mas o mercado é muito limitado, para crescer tem que puxar muito saco e eu odeio isso. Foi difícil pra caralho tomar a decisão de abandonar um sonho de anos. Tay me abriu os olhos para o possibilidade de entrar no mercado de comunicação corporativa, sair do jornalismo tradicional e o quanto aquilo poderia abrir meu leque de opções. Era uma verdade, ela estava certa. Aos poucos, dia após dia, Tay foi colocando um grãozinho na minha cabeça sobre o tema. Mais que isso, sobre voltar.

Os meses se passaram e descobri o porquê dos ataques de insegurança sempre que o dia 20 se aproximava. TPM. Quando agosto chegou já estava esperando vir a sua crise mensal. Lembro bem dessa porque foi próxima ao meu aniversário, data que odeio. A essa altura já estávamos a três meses falando e transando online diariamente. O casino voltou a funcionar no começo daquele mês e minha vida retornado quase ao normal. A diferença era que o casino fechava toda noite ainda, então não havia turnos de madrugada. Tay havia dito que falaria de mim para algumas pessoas do ramo de comunicação no Brasil e me pediu o meu currículo. Eu se quer tinha um em português, não passava pela minha cabeça voltar. Tinha saído da academia e estava indo comprar algo para almoçar em um café para depois ir trabalhar quando Tay me ligou cobrando o currículo. Ainda não havia feito. Ela tinha falado sobre essa possibilidade na noite anterior. Pronto. Tay deu um ataque. Aos berros no telefone, dizia que eu não tinha prioridades e que não estava querendo ser ajudado. Faltavam 15 minutos para começar o meu turno e estava pacientemente no telefone, ainda sem conseguir almoçar, escutando uma cobrança sobre algo que não havia pedido. Tay não entendia que eu não queria voltar para o Brasil para procurar emprego e retornar a uma vida que já tinha deixado para trás. Emprego é legal, dinheiro é bom, mas não é isso que me move. Nunca foi. Quando olhei novamente para a tela do celular vi que faltavam apenas 10 minutos para estar na minha posição de trabalho e reparei no relógio que era dia 19. Não iria adiantar discutir. Tive que ser um pouco enfático porque ela não parava de gritar.

"Tay, entende uma coisa. Não mandei e nem vou te mandar agora. Só quando chegar em casa vou preparar o currículo. Agora preciso ir trabalhar. Já abri mão do meu almoço. Não vou abrir mão do meu trabalho porque você quer o currículo agora. Depois te mando e por favor, não me faça desligar de forma grosseira. Estou entrando no casino nesse momento e preciso desligar agora."

Ela nem se despediu. Foi a primeira vez que desligou o telefone na minha cara. Durante o dia fiquei pensando na cobrança que ela havia me feito, a forma que ela agira comigo, e cheguei a conclusões. Um: Tay estava irritada pela TPM, esse era um fato inquestionável. Dois: algumas vezes antes, Tay já se mostrara incomodada de a minha vida na Inglaterra ter sido retomada. Estava indo diariamente na academia, trabalhando, às vezes ia beber no pub. Ela sentia inveja daquela mínima liberdade porque não aguentava mais o lockdown. Três: Taysa estava acostumada que as pessoas fizessem tudo para ela na hora que ela pedia. A sua relação de chefe para com seus subordinados era o único relacionamento que mantinha com pessoas. Acho que, mesmo que por um segundo, ela se sentiu ofendida e desrespeitada quando entendeu que não faria o que ela queria no tempo em que julgava ser o correto. A noite mandei o currículo, nem queria ter mandado, mas ela estava querendo me ajudar e seria muito rude da minha parte ignorar isso. Nunca deu em nada e ela nunca deu notícias sobre o retorno dos tais contatos. Hoje até questiono se eles de fato aconteceram. Mas a noite estava aí e as agressões de Taysa não cessaram. Sem se preocupar muito se eu iria passar meu aniversário sem minha família e, principalmente, sem meu cachorro em alguns dias, Taysa falou que nossa relação não era o que ela queria naquele momento.

"Você não está aqui", me disse ela ignorando o fato de que passava o dia todo falando com ela. Ouvir essas palavras doeram muito e ecoam pela minha cabeça até hoje. Me esforçava pra caralho. Até dormir junto a gente dormia. Nos despedíamos, colocávamos a ligação no viva voz e íamos dormir. Sempre fazíamos isso quando um dos dois estava sentindo a solidão. Era gostoso acordar de madrugada com ela gemendo alguma coisa enquanto dormia. Ela reclamava do meu ronco às vezes. Isso nos ajudava bastante a nos sentirmos perto um do outro. Acordávamos juntos. Às vezes, por causa do fuso horário, eu acordava antes. Desligávamos e ela voltava a dormir. A primeira vez que fizemos isso havia sido em uma das crises de humor dela. Taysa encheu a cara sozinha em casa e estava completamente bêbada falando coisas muito depressivas. Naquela noite pedi para ela abrir a câmera pois estava preocupado real de ela fazer alguma besteira. Sei bem o poder devastador que a mistura de álcool com sentimentos negativos sobre si pode causar. A coloquei para dormir e fiquei ali de olho a noite toda. Não consegui pregar o olhos. Em dado momento, completamente inconsciente, ela acordou e fez uma menção sobre sexo.

"Dorme, Taysa", foi tudo que disse.

Taysa esqueceu de todo o esforço que fazíamos para nos sentirmos próximos diariamente quando mais uma vez terminou comigo dentro da sua crise de TPM.