Capítulo 13 - Parte 2 - A Realidade
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Capítulo 13 - Parte 2 - A Realidade

“João. Vem cá, rápido”, gritou aflita Luana no meu ouvido bem alto para eu poder escutá-la no meio da música alta. Olhei em volta e vi que os primeiros raios de sol que apareciam no céu batiam direto em um prédio que derretia. Um garoto pass...

BeeJM
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“João. Vem cá, rápido”, gritou aflita Luana no meu ouvido bem alto tentando se fazer entender no meio daquele caos. Olhei em volta e vi os primeiros raios de sol nascendo e que refletiam direto em um prédio que estava derretendo. Alguém passou do meu lado tocando uma buzina e eu pude ver as ondas sonoras se espalhando pelo ar. Aquele excesso de informações desconexas perturbadoras me deixavam confuso e encantado com as diversas possibilidades de caminhos que a vida pode ter que não enxergamos em nossa insanidade sã. 

“Pra onde você está me levando?”, perguntei querendo saber qual era o meu caminho naquele momento.

“Preciso achar um lugar calmo. A gente precisa conversar sério”, me respondeu ela se virando  com os olhos vermelhos e inchados, percebendo que a minha onda estava no pico. “Você consegue?”, perguntou.

“Não sei, tá muito cheio aqui. Não tem lugar vazio”, respondi me esquivando de falar sobre meu estado mental. “Preciso de uma cerveja. Bora ali no bar mesmo”, concluí.

Era verão, ou eu sentia ser. Estava muito suado. Meu corpo pegava fogo. A cerveja estupidamente gelada descia pela garganta acalmando momentaneamente os meus batimentos cardíacos. 

“Já vendi tudo. Tô sem nada”, respondi sem ser perguntado.

“O Lúcio comeu a Thaís”, falou Luana.

“O que?”, perguntei.

“O Lúcio e a Thaís. Eles ficaram. Transaram”, respondeu ela falando devagar e bem alto para que eu pudesse ouvir.

“De onde você tirou essa merda?”, questionei sem entender.

“O casaco. A mãe do Lúcio me falou ontem que eu tinha esquecido meu casaco branco lá na casa dele. Não entendi nada na hora, deixei pra lá. A Thaís agora falou que queria ter trazido o casaco branco dela, mas ela não achou. Eles transaram, João.” 

Os olhos de Luana ainda estavam inchados e vermelhos, mas seu olhar não era de dor. A alma dela gritava de ódio. 

“Luana, você está tendo uma bad, cara”, falei.

“Bad é o caralho, porra! Onde ela estava antes de ontem? Estava com você?”, me perguntou gritando.

“Não sei. Não tava com ela. Fui do estágio para aula depois fui beber com os moleques. Nem falei com ela, eu acho. Tem certeza do que você tá falando?”, disse.

“Tenho, caralho. Lógico. O celular do Lúcio ficou desligado a noite toda”, me respondeu Luana. Naquele segundo, a lisergia que dominava o meu cérebro simplesmente desapareceu. Vi que Luana não estava mentindo e muito menos tendo uma bad. Lucio era o namorado dela e meu melhor amigo. Thaís era prima dela e minha namorada. 

“Não!”, disse ela me segurando pelo pulso quando fiz menção de ir e direção a eles. “Você não tem mais nada aí mesmo?”, me perguntou ela. Fiz que não com a cabeça. “Então arruma qualquer porra aí e vamos embora dessa merda de festa”, me ordenou ela jogando a sua carteira na minha mão. Entendi na hora o que ela queria e o que iríamos fazer. 

“Não precisa. Me espera aqui”, disse eu.

“Desliga essa merda”, me ordenou Luana pela segunda vez já dentro da van a caminho de algum lugar. Era Thais me ligando. “Me dá”, mandou ela a terceira ordem com a mão esticada. Queria qualquer coisa. Nem eu sabia o que eu tinha conseguido. Só joguei um saco na mão dela. Luana abriu, pegou uma pílula rosa, enfiou na boca e engoliu com água.

“Dunas Motel”, li ao fundo. 

“Para piloto, vamos descer”, gritei.

“A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”, disse uma vez o Seu Madruga. E ele estava certo. 

Thaís foi a primeira namorada séria que tive. A gente não estava junto a muito tempo. Sabia que ela já tinha ficado com Lucio. Nós quatro éramos parte de um grupo de amigos que viveram juntos por alguns bons anos. Muito álcool. Muita droga. Muito rock. Muito sexo. Todos jovens entre 18, 17 e 16 anos. Nunca houve compromisso entre ninguém durante muito tempo. Quando houve, surgiu a traição. Ela me afastou dos meus amigos do tempo de escola. O Lúcio era o centro da galera. Nunca mais tive noticia deles. Aquilo me fez mal, mas não me marcou. Tinha acabado de entrar na faculdade. Tinha um mundo todo novo pela frente. Superei rápido. Ou achei que superei. Lembrei do sonho com o Gabriel que nunca saiu da minha cabeça. Tinha tido ele poucos anos antes. Tracei o meu plano para evitar mais dores. 

“Namoradas só de fora dos círculos de convivência e o jogo sempre vai começar 1x0 para mim.” Dito e feito. Esse lema era minha única regra durante o fim da adolescência, juventude e vida adulta. Foda-se. 

Devolver ao mundo a dor que nos causam é uma segurança que tem berço na insegurança. Nunca vai dar certo. Nunca deu. Dispensei uma mulher incrível só porque ela andava com a mesma galera que eu na faculdade. Namorei com outra distante. Uma foto minha com outra menina no bar da faculdade logo chegou no celular dela via Bluetooth sem identificação durante a aula. Só lembro de tomar uma cadernada no meio da cara do nada. A minha dor passou. A dela não. Nunca mais olhou na minha cara. Minha má fama se espalhou e aquilo me queimou feio. Veio a Mariana. Coitada. Eu gostava dela, mas nem 1/3 do que ela gostava de mim. Essa sofreu. Fiz dela gato e sapato. Tudo que você possa imaginar. Peguei amiga, sumi durante dias… Menti incontáveis para a Carol falando que tinha terminado com Mariana só para transar com ela. É impossível saber quantas vezes trai a Mar durante os dois primeiros anos de namoro. Ela sabia. Muito mais do que eu poderia imaginar. Ela nunca me traiu. Mariana sentia prazer na dor. Literalmente. Durante o sexo também. Não que ele fosse violento, nada disso. Ela só gozava quando imaginava que eu estava comendo outra mulher.

“Come ela João, come ela”, berrava sempre antes de ter orgasmos. No terceiro e último ano do nosso namoro não houve mais traição por um simples fato.

“Quero fazer menáge”, me disse Mariana. "Eu, você e outra mulher", concluiu. No começo foi bom, muito bom. Muito bom mesmo. Mas cansei. Não exatamente do menáge. Cansei de satisfazer os desejos dela. Ela gostava de me ver com outra mulher, mas a minha adrenalina foi baixando até que um dia não senti mais aquele frio na barriga. "Preciso voltar a trair", foi meu pensamento. "Será que essa é a minha fantasia?", me questionei. Foi aí que percebi o quão doente eu estava. Tinha uma namorada linda, milionária, que me amava mais que tudo e fazia tudo por mim, até deixar eu comer outra mulher na frente dela e eu estava insatisfeito. Isso não podia ser normal, mas era. Na verdade era muito normal  por um único motivo. Não havia amor da minha parte. Os 25 já batiam na minha porta. Tinha um trabalho novo, o emprego dos sonhos. Queria ter algo sério, alguma coisa que fosse além de tudo. Uma parada que mexesse comigo de verdade. Queria formar uma família e Mariana não era a mulher que eu via do meu lado. Terminei. Engatei uma aqui, outra ali. Fui buscando pela vida.

"Trabalhar na CBF é bom porque abre muitas…”, pausa.

“Portas, né?”, alguém sempre completava.

“Não, pernas”, corrigia eu. E isso é uma verdade. Nunca na história da vida deste homem houve tamanha boa vontade do mundo para com ele. 

Conheci Thainá uns meses depois de terminar com Mariana. Achava que estava vivendo o auge da vida, botando em prática da forma mais impensável o conselho dado pelo meu amigo que voltou no meu sonho, amando real alguém. A lição do universo veio empacotado diretamente de Macapá. A distância e os fatos não importam quando o assunto é a verdade. A nossa conta sempre chega.