Estar longe do seu país é algo difícil em qualquer que seja a circunstância. No meu caso era pior. Deixei o Braza praticamente fugido. Forçado a ir embora por uma crise econômica causada pela escolha errada de carreira e um mercado de trabalh...
Estar longe do seu país é algo difícil em qualquer que seja a circunstância. No meu caso era pior. Deixei o Braza praticamente fugido. Forçado a ir embora por uma crise econômica causada pela escolha errada de carreira e um mercado de trabalho extremamente fechado que só se abre para quem faz parte da panela. Nunca fui bem vindo em panelas. A dor que não passava de um divórcio cercado de mentiras e ameaça de morte também foram fatores decisivos na minha decisão de ir embora. Morar em Londres sempre foi um sonho. A Inglaterra é um país extremamente conservador, mas tinha a impressão de que sua capital era diferente. Uma megalópole onde mais da metade dos habitantes ou são estrangeiros ou são de origem estrangeira. Nas duas vezes que tinha estado lá, tinha me apaixonado por aquela cidade. A escolha não foi difícil. Lá eu sabia que encontraria emprego fácil com bons salários, desde que estivesse disposto a fazer de tudo, e ainda tinha a questão da língua. Já dominava o inglês. Se optasse pela Alemanha, por exemplo, seria mais complicado. Como a grana estava curta, não tinha muito tempo a perder. Londres. Bora. Acontece que a mesma cidade que um turista vê é bem diferente da cidade que um morador vê. |
Londres é aberta a estrangeiros? Sim, é. Porém, existe um porém. Você será muito bem vindo em Londres, desde que você se encaixe nos padrões para um estrangeiro. O ser humano é ser humano em qualquer lugar do mundo. Não existe essa de que lá ou acolá as pessoas são mais evoluídas do que aqui. O preconceito existe e sim, ele é do homem. Cabe a nós admitir que todos tem o seu nível de pré-conceito com relação ao próximo e ignorar quando esse fantasma falar dentro da sua cabeça. Negar que você é preconceituoso é a melhor forma de manter o preconceito. O homem (não o gênero, o ser humano) enxerga superioridade em qualquer padrão pré-existente na sociedade. Seja esse limite físico, econômico ou de fronteiras territoriais. Vou dar um exemplo claro. No Rio de Janeiro, quem nasceu e foi criado na zona sul da cidade, tem preconceito sim contra quem é da zona oeste. Quem é da zona oeste tem preconceito contra quem é da zona norte. Quem é da zona norte tem preconceito contra quem é da zona sul. Veja bem, pessoas da mesma cidade se separam em grupos por causa de uma linha geográfica ilusória que em dado momento alguém decidiu que deveria estar lá para haver uma coisa batizada de bairro. Entendo que é mais fácil subdividir as cidades para administrá-las, mas o ego das pessoas em geral vê isso de uma outra forma. Na real, nada disso existe se você parar para pensar. Dentro do Brasil, aqui no sudeste temos preconceito contra quem é do norte, do nordeste, do sul e do centro-oeste. Se alguém falar que um cara veio do norte para cá, automaticamente nossa cabeça já traça um estereótipo. Esse sujeito provavelmente veio fudido de grana, vai morar na favela, trabalhar de garçom, de porteiro, ou qualquer outro chamado sub-emprego. Vai trabalhar feito um cão, mandar dinheiro para família lá na cidade dele, nunca vai construir nada e vai levar uma vida de merda aqui. Se alguém que vem de uma região mais pobre do país para cá e consegue alguma ascensão financeira e social a gente já estranha, acha curioso e pede para ele contar a história. Ai o cara que muito provavelmente é o único naquela patota que não é cria da região, vai contar, todo mundo fica em volta calado escutando e depois fala que ele é foda. Foda por que? Porque ele derrubou as barreiras do nosso preconceito. As mesmas pessoas que nunca saíram de suas bolhas para não se sentirem inseguras, exaltam aquele cara cuja a diferença para eles é somente o seu local de nascimento. Isso tudo, na minha concepção, ainda é um comportamento muito primitivo. Alguém que nasceu na rua de trás é diferente da gente só porque ele nasceu na rua de trás. Logicamente que em Londres isso não é diferente. Imigrante vive com imigrante. |
Estou eu lá trabalhando de garçom em uma pizzaria querendo arrumar sexo. Já fazia mais de um mês que chegara lá, tava na hora de brincar de fazer neném, né? Ai que veio o baque. Primeiro foi de me tocar que entre os imigrantes também há segregação. Imigrante europeu é uma coisa, imigrante do leste europeu é outra, latino é outra. Vai lá tentar se infiltrar no meio que não é seu. É foda. Você nem fala a língua deles. Não é fácil. Tentei desenrolar com umas italianas do restaurante, mas não rolou nada. Elas falavam um inglês péssimo, entre elas só falavam italiano. A conversa simplesmente não evoluía e para você atingir um nível de atração sexual em alguém você precisa conversar e bem. A coisa foi indo, fui desanimando ali e resolvi baixar o Tinder. Real, só dava match com brasileiras. Mano, eu não queria me relacionar com brasileira. Queria outras experiências. Até que um dia apareceu uma menina nova no restaurante. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a cintura. Mano, essa mina tem cintura, tem curva, tem culote. Deve ser brasileira. Fui falar com ela e não, para a minha surpresa ela era francesa. Recém-chegada em Londres, Clementine estava em uma situação parecida com a minha, só que bem mais nova. Ela tinha se mudado para estudar jornalismo. Isso conectou a gente e ai, meu amigo, a coisa fluiu. O trabalho lá no restaurante era uma merda, ela logo saiu e pouco depois eu sai também. Não mantivemos contato. Coisas da vida. O sexo não era bom sendo sincero. O importante é que eu estava confiante no jogo. |
Meu novo emprego era em um casino. Cheio de gente jovem de todas as partes do mundo trabalhando ali. Aquele foi, sem dúvidas, o trabalho mais divertido que já tive na vida. Era bom pra caralho. Zero preocupação externa. Boa grana. Muita mulher bonita. Lá no casino a segregação entre os funcionários não existe real. 99% de quem trabalha lá não é britânico, a história de vida das pessoas se confundem lá. Cada um pela sua razão, a maioria se mudou para lá sozinha atrás de grana e de uma vida melhor. Era um paraíso. Búlgaras, italianas, romenas, portuguesas, polonesas (!!!!!), sérvias (s2). As experiências que buscava chegaram. Aprendi muita coisa nessa era. Você sabia que na Moldávia as pessoas não fazem sexo oral? Isso tem mudado recentemente e as mulheres estão começando a fazer. Lá existe até curso de boquete, acredite. Os homens ainda são mais resistentes a fazer sexo oral em mulher. Amigo e amiga, se você quer marcar a vida de alguém, faça sexo oral em uma mulher da Moldávia. Fica a dica. Estava tudo muito bom, acredite, estava. Mas a casa da gente é a casa da gente. |
Uma noite estava lá trabalhando no bar quando escuto uma voz feminina me chamar pelo nome com sotaque brasileiro. Mineiro, sendo bem específico. Todo funcionário usa uma identificação com o nome e a bandeira das línguas que ele fala. Quando olhei era uma mulher linda. Olhos verdes, cabelos escuros longos e lisos cobrindo parte do rosto. Uma boca, mas uma boca... Sabe quando lábio superior é menor que o lábio inferior e quando a pessoa sorri forma aquele sorriso perfeito? Então, acrescente isso a lábios carnudos. Foi paixão a primeira vista. Ela me pediu ajuda porque não falava bem inglês e estava sozinha. Queria beber algum drink forte. Ela disse que foi Deus quem me colocou ali para ajudá-la porque desde quando tinha saído do hotel estava pensando insegura em como iria pedir uma bebida. A noite não estava muito movimentada. Era terça-feira, a partir de quarta que a coisa começava a ficar mais agitada. Começamos a conversar. Eva disse que estava de passagem em Londres. Viajou sozinha para tentar se encontrar depois de sofrer um grande baque na vida. Minha antena de macho já estava ligada há muito tempo, mas quando vi a vulnerabilidade dela, a antena passou a gritar. Mas, não sei, vi algo diferente ali. Ela tinha um olhar meio triste as vezes, sabe aquela coisa meio vaga de quem está olhando para dentro, para as dores e lembranças? Então, aquilo me fez acalmar os meus hormônios. Sei reconhecer facilmente quem está sofrendo. É como me olhar no espelho. Eva foi ficando lá no bar, tomou um drink, dois, três... quando vi ela já deveria estar ali há umas duas horas e o papo fluindo sem precisar forçar nada. Já mais solta ela confessou a sua dor. Eva tinha se divorciado há pouco tempo e estava se sentindo sem rumo na vida. Foi aí que contei a ela que também havia me divorciado, só que há um pouco mais de tempo que ela, e que o motivo de eu estar morando ali agora era muito parecido com o que a levou para essa viagem. Se reconectar. |
"Eva, está na hora do meu break. Preciso sair agora. Você quer ir conversar lá fora?", perguntei. Ela disse que sim, então indiquei o caminho e falei para ela me esperar na porta lateral do casino. Precisava ir pegar meu casaco, celular e outras coisas antes de sair e, acima de tudo isso, não queria ser visto andando com ela. Conversas próximas entre funcionários e clientes não são muito bem vindas dentro de um casino. Naquela altura a segurança do local já tinha visto que estávamos conversando há muito tempo. Casino é foda. Tudo, absolutamente, tudo que é feito é visto e tudo que é falado é escutado. Foi eu sair do bar que minha supervisora perguntou quem era aquela mulher e o que estava acontecendo. Expliquei tudo e para acabar com qualquer desconfiança falei: "Ela nem jogou. Está aqui só para beber". |
"Go run for your sex Joao", disse ela. Barra limpa. Assim que abri a porta da saída, dei de cara com ela. De casaco e cachecol ela ficava ainda mais linda. Mais alta do que eu poderia imaginar. Foi aí que ela abriu aquele sorriso maravilhoso. Passava da meia-noite então já era 15 de janeiro de 2020. Naquele momento me apaixonei pela primeira vez desde o meu divórcio. "Vou beijar essa mina agora", pensei. Dane-se que o segurança está vendo, dane-se que tem mais gente que trabalha comigo fumando aqui e vai ver. Me manda embora. Foda-se. Mas quando já estava bem perto sentindo a respiração dela veio aquele quebra coco. Estava com uma mão no bolso. |
"Você vai tirar um cigarro daí?", perguntou ela. Eu disse que sim. Aquele era o local onde a gente tirava nossos cig-breaks. |
"Que pena", disse ela dando dois passos para trás e me empurrando levemente com a mão na minha barriga. "A gente estava se dando tão bem. Você já sabe que sou dentista, né?", disse ela fazendo charme. Quando foi que brasileiro ficou tão chato com relação a cigarro? Enfim. Eu perguntei tipo, "E daí?", ela veio com aqueles papinhos que cigarro destrói a saúde, os dentes e blá-blá-blá. |
"Tá bom. Parei de fumar", disse. |
"Juuuura?!", perguntou ela sorrindo em tom irônico. |
"Enquanto você estiver aqui, sim", mandei suplicando à Deus para que ela achasse alguma graça. Ela então riu. A velha tática do Gabriel é infalível. Eva subitamente pegou meu celular que estava na minha mão. |
"Desbloqueia", disse ela cheia de atitude. "Arruma uma folga nos próximos cinco dias. Me chama no WhatsApp", disse ela após salvar seu número já virando as costas. |
"Tô de folga amanhã!", menti gritando. |
"Ok! Me chama", respondeu ela sem virar o rosto. |
"Eva, espera. Você sabe ir embora?", já era madrugada, metrô fechado. |
"Eu me viro", falou. E lá se foi ela. |
Alguns podem achar que foi a bebida, mas eu prefiro acreditar que foi a paixão quem transformou aquela mulher triste em um poço de autoconfiança para sair andando sozinha pela madrugada de uma cidade que ela não conhecia e nem falava a língua. O amor é foda, move quem respeita ele. |