Capítulo 5 - Não confunda destino com coincidência
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Capítulo 5 - Não confunda destino com coincidência

A desconfiança nos faz perder o interesse de forma natural. Por mais que a curiosidade martelasse na minha cabeça, algo tinha mudado na minha admiração por Taysa. Seu amigo tinha ido embora no domingo e naquela noite não conversei muito com e...

BeeJM
10 min
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A desconfiança nos faz perder o interesse de forma natural. Por mais que a curiosidade martelasse na minha cabeça, algo tinha mudado na minha admiração por Taysa. Seu amigo tinha ido embora no domingo e naquela noite não conversei muito com ela. O fato de eu estar três horas a frente dela era uma ótima desculpa nessas horas.

"Já está tarde aqui, vou dormir. Boa noite", mandei mensagem mentindo. Não queria conversar com ela mais.

No dia seguinte acordei com mensagem de bom dia, respondi assim que vi. Essa parada de "vou demorar a responder" acho a maior babaquice. Ela foi puxando assunto, mandando áudios longos. Estava nítido que ela queria atenção. Disse que iria malhar e que falávamos mais tarde. Ela respondeu falando que também teria uma reunião, mas não sem antes perguntar o que eu gostava de escutar enquanto malhava. Disse que gostava de podcasts. Ela então mandou uma lista dos que ela gostava, ficou explicando sobre a linha editorial de cada um e o que chamava atenção nela naqueles programas. A essa altura já estava na metade do meu treino.

"A reunião já começou?", perguntei. Ela disse que sim, estava rolando, mas não precisava participar naquele momento. Era só manter a câmera aberta para marcar presença. Durante todo meu treino ela ficou mandando mensagem. Demorava um pouco a responder porque estava treinando, mas respondia sempre que via sem fazer cu doce. Disse que tinha escutado um podcast que ela tinha indicado e que tinha achado legal. Mentira. Ouvi dois minutos e não gostei. Era uma mulher falando sobre coisas feministas. Não que fosse uma merda, mas eu não era o seu público. O dia passou normal como qualquer outro na quarentena. Depois de malhar, tomei banho, almocei e não tinha mais nada para fazer durante a tarde e a noite inteira. Era foda olhar para o relógio e ver que eram 14h ainda e que não tinha mais absolutamente nada para preencher meu dia. Naquela altura já tinha tentado fazer uns três cursos online que estavam na moda. Ficar estudando na frente de um computador para quem sempre teve déficit de atenção e ansiedade não é uma tarefa fácil. Sendo bem real, não rola. Em questão de minutos a cabeça já está completamente longe. Naquele dia, quando me dei conta já era noite, e passei o dia inteiro conversando com Tay preenchendo o meu vazio. Posso até estar enganado, mas tenho quase certeza que essa foi a primeira vez que nos falamos desde o momento que acordei até a hora que fui dormir. Falávamos sobre tudo um para o outro quando engatávamos a conversa, sentia que tinha alguém ali disposta a me ouvir e que não estava sozinho durante a pandemia. Essa sensação de preenchimento que a longa conversa causou em mim foi fazendo a minha desconfiança sobre o que tinha acontecido na noite anterior se dissipar lentamente ao longo do dia. Quando a noite de segunda-feira chegou, praticamente não pensava mais nos fatos do fim de semana.

Tay era boa de conversa, tínhamos muitos assuntos em comum. Assim como eu, Tay também era graduada em Jornalismo. Na época da faculdade tínhamos o mesmo objetivo e sonho profissional: trabalhar com comunicação esportiva na televisão. Eu segui esse sonho por um bom tempo, mas o mercado me levou para produzir audiovisual na internet. Tay não, ela desistiu logo cedo. Movida pela sua ganância financeira, Tay escolheu rumar para a área de marketing. Não sei ao certo em qual condição financeira ela fora criada. Não julgo como errada essa desistência do seu sonho em prol de ganhar dinheiro em uma área mais abrangente. Tay saíra jovem da casa dos país no interior de Minas Gerais para fazer faculdade em Niterói, no Rio de Janeiro. A sua necessidade de se estabelecer financeiramente era mais urgente do que a minha, que tive maior conforto para insistir em um sonho. Outro fator em comum que tínhamos era o fato dela já ter morado em Londres. Tay fez mestrado em marketing na capital inglesa e morou lá por cerca de dois anos. Ela morria de saudades da cidade, mas naquela altura a sua carreira já estabelecida no Brasil a impedira de voltar para o local onde eu estava. Nunca entendi muito bem o que Tay procurava no Tinder colocando a sua localização em Londres. Nunca perguntei. Sempre tentei ser respeitoso com relação as decisões pessoais dela, fazia questão de lembrar sempre que ela não era nada minha e, por isso, não tinha nada que ficar questionando ou fazendo interrogatórios. Assim como eu, Tay também era louca por cachorros. Tinha um vira-lata, Ben. O nome fora dado em homenagem a um local que ela adorava comer cookies em Londres, o Ben's Cookies. Eu preferia outro. O Créme London é uma cópia descarada do melhor cookie que já havia comido na minha vida do Levain Bakery, em Nova Iorque. Tay nunca fora casada, mas havia rompido um noivado cerca de dois anos antes. Relacionamento este que a fez voltar de Londres para o Brasil após se tornar mestre. Ela tem cidadania portuguesa e poderia tentar carreira na Inglaterra com um diploma conceituado obtido no país, mas preferiu voltar e se casar. Após um tempo, Tay me contou que tomara a decisão de terminar seu noivado quando fez uma viagem com ele por praias paradisíacas em alguns países da América Central e, durante todo o tempo lá, o rapaz em momento algum a procurou para transar. Ela disse ter sentido que ele tinha virado somente seu amigo. Ao retornarem, Tay pôs fim na relação e o rapaz se mudou. Os três (Tay, Ben e o rapaz) viviam juntos no mesmo apartamento aonde Tay ainda morava naquele momento. Quando ela me contou que ainda estava no mesmo local, perguntei se isso não a incomodava, ela disse que não. Já havia superado e tinha, inclusive, tido um outro relacionamento breve após a separação. Achei curioso, porque, assim como ela, quando me separei também continuei vivendo no mesmo apartamento e aquilo era uma tortura diária de lembranças. Tanto que troquei alguns móveis para dar uma arejada, a cama foi a primeira.

Descobrimos outras coisas em comum que são bem improváveis. Uma vez conversando sobre a minha viagem a Nova Iorque, Tay me perguntou qual tinha sido o melhor restaurante que tinha ido. Falei que não lembrava o nome, mas que não era um local muito famoso que aparecia entre as indicações na internet quando planejava a viagem. Foi um restaurante israelita no Chelsea Market que me chamou a atenção quando estava lá por ser algo diferente dos demais. Tinha muita gente comendo uma couve-flor que parecia ser meio grelhada e aquilo ativou a minha curiosidade e era de fato divina.

"Mizon é o nome dele. Lá no finalzinho do Chelsea Market, né? O último restaurante, né? Também fui lá, mas não comi a couve-flor. Tomei cerveja e pedi o kebbab. É maravilhoso mesmo, um dos meus favoritos também", disse ela de primeira. Era impossível ela ter pesquisado aquilo no Google, não havia espaço de tempo para tanta informação. Aquela coincidência me deixou de cara. Mas teve outra pior.

O ano era 2006. Fui chamado para fazer um processo seletivo para um estágio na sede carioca da EFE, agência de notícias espanhola. Comentei esse fato com ela porque Tay fazia aula de espanhol e quis contar essa história engraçada da minha vida. A vaga exigia espanhol fluente e eu não falava nada além de portunhol, mas fui mesmo assim, o salário era bem bom. O processo seletivo era um teste. Tínhamos que traduzir notícias escritas em espanhol para o português. Mas antes, todos os candidatos ficaram em uma sala para nos apresentarmos, aquela coisa comum em processos seletivos. A diferença é que nessa apresentação teríamos que falar em espanhol. Conversando antes com a galera que estava lá, vi que geral falava espanhol mesmo, tinha alguns que haviam morado na Espanha inclusive. Eu era o único mentiroso ali. Mas eu sou cara de pau, me apresentei em portunhol mesmo. Na hora da prova escrita eu desisti antes de começar, só estava perdendo o meu sábado de sol naquela altura. Entreguei para o editor a folha em branco.

"Ué, não vai fazer?", me perguntou ele.

"A quem estou negando aqui? Não falo uma palavra de espanhol. Você viu isso lá dentro", respondi. Ele riu concordando com a cabeça.

Quando contei essa história, Tay ficou em silêncio. A essa altura já não falávamos mais por mensagem. Eram ligações diárias que duravam três, quatro horas, cinco horas, principalmente a noite. Achei estranha aquela reação. É uma história que tem algum teor de graça. Perguntei o que tinha acontecido.

"Não acredito nisso. Eu também estava nesse processo seletivo. Você não lembra que lá na sala o pessoal ficou fazendo piada com uma garota por causa do sotaque? Era eu."disse ela.

Não lembrava dessa parte, não lembro até hoje. Falei que deveria ter sido em algum outro dia. Ela disse que não, era sábado de manhã também. Ela lembrava até a hora, às 9h. Os detalhes da roupa que ela contou do editor que gerenciava o processo e de outros jovens do processo batiam com a minha lembrança. Tay disse que também não lembrava de ninguém mandando muito mal no espanhol na apresentação, fiquei até orgulhoso. Ela contou que ficou super abalada com as brincadeiras e não conseguiu fazer a prova. Foi embora chorando. O editor percebeu o que havia acontecido e ela acabou sendo convidada para voltar outro dia para fazer o teste, mas não quis. Quais são as chances de você ter estado junto com a pessoa que você está se relacionando agora 14 anos antes sendo que nossas vidas tomaram rumos completamente opostos?

"Será que era essas coisas de destino já unindo a gente lá?", me perguntou ela. Filha da puta. Maldita hora que ela falou essa merda de frase. Sou um idiota romântico que acredita nessas porras. Sei lá se ela falou brincando ou não. Sei que acreditei naquele papo de "destino".

Voltando para aquela segunda-feira lá de cima, não me lembro o porquê, a noite começamos a conversar mais intensamente sobre sexo. Tay me confessara que já havia se masturbado uma fez pensando em mim.

"Tinha sonhado com você sentado na minha cadeira aqui de trabalho. A gente se beijava. Você tirou a minha roupa. Fiquei só de lingerie sentada no seu colo", me contou como tinha sido seu sonho. Ouvir aquele áudio me excitou muito e não fiz nenhuma questão de esconder isso.

"Tay, você conseguiu me deixar excitado agora. Já ouvi esse áudio umas 10 vezes. Tá muito aqui viu. Vou tomar até uma água", confessei. Ela respondeu falando que também estava. Falei que queria fazer amor com ela agora. Ela, novamente, disse: "Eu também." Naquele momento vi que estava na hora de avançar o sinal. "Vou me tocar agora pensando em você, Tay", mandei escrito. "Eu também", respondeu ela mais uma vez por escrito. Senti que precisava voltar para áudio, queria ouvi-la. "Pensa em mim tirando sua lingerie, beijando seu pescoço com você encima de mim na cadeira", disse eu por voz. "Pode deixar...", me respondeu ela já com a voz trêmula de quem está muito excitada. Voltamos a nos falar minutos depois. Algo havia mudado entre nós, logicamente.

Pronto. A essa altura rompíamos a barreira e formalidades da paquera pré-sexo e eu ainda tinha acreditado nas nossas coisas em comum e naquele papo de destino. A essa altura você já deve ter percebido, mas vou deixar bem claro. Eu sou um trouxa que acredita no amor. Estava apaixonado por ela.