Capítulo 8 - Máscaras e espelhos
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Capítulo 8 - Máscaras e espelhos

"Bom dia babe, já acordou?", essa mensagem me despertou no dia seguinte e foi assim durante os próximos meses. Após quebrarmos a barreira da tensão sexual, Tay e eu praticamente levamos vida de namorados mesmo sem nunca termos nos visto e mor...

BeeJM
9 min
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"Bom dia babe, já acordou?", essa mensagem me despertou no dia seguinte e foi assim durante os próximos meses. Após quebrarmos a barreira da tensão sexual, Tay e eu praticamente levamos vida de namorados mesmo sem nunca termos nos visto e morando em continentes diferentes. Perguntas como "está aonde?", avisos de "estou saindo daqui" e "já cheguei" viraram parte nossa. A coisa ficou ainda mais séria em menos de 24h. O assunto do dia era como nos sentimos bem com o que havíamos feito na noite anterior. A minha curiosidade sexual já havia despertado sobre ela há muito tempo, mas naquela altura estava insuportável. Aquela voz trêmula de tesão me tirou a concentração durante todo o dia. Queria descobrir mais sobre ela.

"Vamos dar mais um passo hoje, Tay? Quero você. Estou com muita sede de você. Quero te ouvir hoje a noite", convidei ela para repetimos, só que desta vez ao telefone.

"João, gosto muito de sexo", me confessou ela.

"Quem não gosta?", respondi questionando.

"Não, gosto mais que as outras pessoas. Minhas amigas falam que não é normal", disse ela.

Naquele momento senti que uma porta se abria e que demoraria a ser fechada. Então falei o único pedido que fiz a Taysa durante todo o tempo em que mantivemos contato.

"Tay, a única coisa que te peço é: sem mentiras. Ok?", disse sem explicar ainda os meus motivos para isso.

"Sem mentiras, por favor", me respondeu ela de bate-pronto como quem também não aguentava mais ser enganada. Senti uma troca de confiança foi imediata. Não houve uma confirmação sobre o que faríamos mais tarde, mas não precisava. Quando a noite chegou nos falávamos por ligação que já durava mais de duas horas. Os assuntos foram se encerrando até que, por um segundo, ficamos em silêncio.

"Humm", disse ela como quem esperava por algo. Fiquei um pouco tímido, mas entendi que precisava me mexer.

"Pessoalmente esses silêncios são a hora perfeita para agir, beijar", disse eu. Ela concordou, dando o sinal verde. "Beijar sua boca, seu pescoço. Ir descendo com a minha língua pelo seu corpo enquanto tiro sua roupa", continuei. Seu gemido leve do outro lado da linha indicava para eu não parar. Quando dei por mim já estava excitado, ela também estava. Contiuamos e fomos até o final. E o final foi surpreendente. Devido a nossa situação, era a voz de Tay que mexia com o meu imaginário. A sua risada extravagante sempre foi a parte mais feliz. "A risada mais gostosa do mundo", era como eu a definira. A sua entrega durante o sexo por telefone era igualmente extravagante. Aquilo me deixou mais excitado ainda. Segurei ao máximo. Queria gozar junto com ela. Ela me deu o aviso de que estava chegando lá. Sua respiração estava acelerada em um nível que jamais havia visto. Quando se faz sexo por telefone, os pequenos detalhes na outra pessoa é tudo que você tem para observar e esses mínimos acontecimentos as vezes passam despercebidos quando estamos juntos fisicamente por que outras informações captam mais a nossa atenção de forma natural. Tay então explodiu. Era impossível segurar qualquer coisa naquele momento. Aquela mulher incrível havia aberto a sua intimidade ao nível máximo para mim. Tay não gostava de transar. Para ela não existia aquela coisa de mulher fingir orgasmo ou se satisfazer apenas com o prazer do parceiro. Tay gostava mesmo é de gozar e fazia questão disso. Dai para passarmos para sexo por vídeo foi um passo fácil de ser dado. Porém, Tay fazia questão de deixar o ambiente sempre escuro. Nunca consegui ver seu corpo com muita definição. O movimento corporal acelerado segurando o celular também era outro impeditivo para definição das imagens. Do outro lado ela sempre pedia para me ver bem. "Calma, devagar. Assim não consigo ver nada", dizia ela sempre. Estranhava um pouco aquela diferença entre o que se pede e o que se entrega. Mas entendia que podia ser algum nível de insegurança feminino em se expor, algum temor de aquele vídeo ir parar onde não deveria. Achava normal e aceitável aquilo, então não questionava. Mas assim que eram as coisas e isso define bem a nossa diferença. Enquanto eu me entreguei e me expus por inteiro, Tay se manteve escondida pelas sombras. Sexo praticamente todo dia. Sensação de acolhimento durante a solidão pandêmica. Tudo estava bem entre nós. Até que o dia 20 de maio chegou e Tay não coube mais na sua escuridão.

Algumas expressões de bondade são pregadas nas redes sociais em um nível exaustante e, muitas vezes, pouco condizentes com a realidade. "Gratidão" e "empatia" estavam na moda. Era engraçado ver que muito desse movimento vinha das redes sociais mais superficiais que existem: Instagram e Linkedin. Tay é uma mulher muito focada na sua carreira e crescimento profissional. Ela pregava essas expressões. Acreditei. Como uma boa profissional de marketing, ela, a emissora, embasava bem o seu discurso para fazer o receptor, no caso eu, comprar aquela verdade. Mas a verdade mesmo estava em um processo de autoafirmação dentro de um cenário de insegurança. Dia 20. A primeira vez. A primeira desavença. Não lembro real o motivo. Deve ter sido algo muito superficial. Mas dali em diante, uma vez por mês, pelo menos, sempre perto do dia 20, algo acontecia e o final era sempre o mesmo.

"Acabou. Não quero mais falar com você", me disse ela naquele dia. Sem saber que aquele na verdade era um movimento robótico dentro de um ciclo pessoal para chamar a atenção, simplesmente aceitei. Me senti mal, sozinho. Quando desliguei o telefone, olhei em volta daquele quarto e me vi completamente só. Mas eu já estava só. A cabeça da gente é capaz de criar ilusões quando não queremos enxergar certas coisas. Meu corpo e minha alma não cabiam ali, precisava sair para respirar, me reconectar. A pandemia me impedia. O medo de ser infectado era maior. Me segurei. Fiquei em casa muito para baixo. A única coisa que pensava era como uma pessoa que estava tão longe fez me sentir tão acolhido em cerca de um mês. Nunca havia antes me conectado tão rápido a alguém. Estava completamente apaixonado por Tay. O baque foi grande. Chorei. "Foda-se o Coronavirus. Vou me matar se ficar aqui", pensei. Algumas horas haviam passado entre a última mensagem de Tay e eu entrar no Downhills Park. Há logo na entrada uma árvore. Grande e imponente, o fato de seus galhos e folhas começarem ainda bem baixos me chamava a atenção. Era preciso até agachar se quisesse sentar no tronco e aproveitar a sua sombra. Aquela árvore naquele parque se tornou meu refúgio por várias e várias vezes ao longo dos próximos meses. Estava de frente para ela e pensei em sentar ali um pouco, escutar um som ou qualquer outra coisa, quando meu celular vibrou no bolso. Rezei para ser a Tay. Era ela.

"O que você está fazendo?", me perguntou. Falei que estava no parque, precisava refletir. Ela então fez o movimento de preocupação com o fato de eu estar na rua, pediu para eu voltar para casa. Era do lado do parque. Disse que não, queria respirar. "Volta para casa que a gente conversa", me disse ela. Voltei. Naquela altura, Tay já sabia de alguns problemas que tinham acontecido na minha vida. Dentre eles, a história do Gabriel. Realmente não consigo lembrar o que fez a gente se desentender daquela vez. Mas lembro do sentimento que tive quando conversamos. Senti que eu havia errado. Pode ser que sim, pode ser que não. Esse sentimento me acompanhava sempre durante nossos desentendimentos, até nos quais tinha certeza de que não estava errado. Tay tinha uma habilidade incomum em reverter as situações a seu favor. Ela sabia que eu não questionaria por medo de repetir traumas.

A insegurança das minhas parceiras sempre me afetou. Detecto a fragilidade em alguém facilmente, porque não escondo as minhas. Durante a faculdade tive uma namorada que era extremamente insegura. Ciúmes e criação de histórias absurdas em um nível de dar inveja a qualquer autor de novela mexicana. Herdeira de uma grande fortuna, Mariana sempre quis se mostrar uma mulher forte e decidida nas suas opniões para o mundo externo, mas eu conhecia a sua alma quebrada por viver de aparências financeiras e abdicações. Aquela fachada, na verdade, era somente o esconderijo de uma mulher insegura e machucada. Tinha pena real dela. Mas eu gostava dela, sei lá, queria ajudar de alguma forma a ela se reerguer. Durante os três anos que ficamos juntos, minha vida, na maior parte do tempo, estava bem. A bomba do restaurante ainda não havia estourado totalmente. Tinha um bom estágio e estava bem na faculdade. Cansado daquele termina, volta, termina e volta coloquei um ponto final em 2013 quando entendi que não há como você ajudar alguém que quer ser ajudado, mas não admite a sua fraqueza em nome de uma falsa afirmação social proporcionada pelo dinheiro.

Taysa sempre teve muita coisa em comum com outras mulheres que passaram pela minha vida, nos defeitos principalmente. Mas havia muitos pontos positivos nela, lógico. Alguns deles eram inéditos para mim e me encantaram. Outros remetiam a experiencias anteriores. Quando estamos envolvidos emocionalmente é mais difícil de traçar esses paralelos, principalmente nos comportamentos que nos incomodam. Só consegui enxergar os erros de Tay muitos meses após terminarmos. É comum, pelo menos para mim, se enganar com o pensamento de que fulana é única ou que ela é a melhor de todas com quem já estive. A gente quer elevar aquela pessoa a um patamar alto e subir junto com ela. É um grande faz de conta necessário para satisfazer o ego do outro e o nosso também. É normal. Mas o tempo passa. E não há esconderijos de outros ou os nossos próprios que perdurem pela eternidade. Se tem uma coisa que aprendi ainda jovem é que as máscaras sempre caem. Não adianta. É só questão de tempo. As vezes as máscaras são colocadas por outras pessoas para te enganar. As vezes a gente é quem coloca as máscaras no outro para nos enganarmos. É foda. Minha relação com Tay era muito baseada em sexo e, nesse quesito, Tay me lembrava Maria.