Capítulo 9 - Suderj Informa
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Capítulo 9 - Suderj Informa

Os dias que sucederam a partida de Eva não foram tão duros quanto imaginava, isso porque mantivemos contato diário pela internet. Na verdade acabamos ficando ainda mais íntimos, pois ela havia voltado para a sua vida real e compartilhava comi...

BeeJM
24 min
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Os dias que sucederam a partida de Eva não foram tão duros quanto imaginava, isso porque mantivemos contato diário pela internet. Na verdade acabamos ficando ainda mais íntimos, pois ela havia voltado para a sua vida real e compartilhava comigo todos os problemas da sua separação. Legalmente, Eva ainda era uma mulher casada, mas já havia deixado a casa onde vivia com o marido há cerca de dois meses e voltado para a casa dos pais. Antes Eva me contara apenas por alto o que tinha acontecido. De volta ao Brasil, ela conseguiu ser mais clara.

"Ele estava com ciúmes há algum tempo de um rapaz que trabalhava comigo. Éramos de fato próximos. Ele também era casado e nunca tivemos absolutamente nada, nem flerte. Nada além de amizade de trabalho. As vezes almoçávamos, íamos e voltávamos juntos para economizar gasolina", me jurou ela, que morava no interior de Minas e a clínica onde trabalhava prestava serviço em outras cidades menores do entorno na região. Praticamente a cada dia da semana Eva tinha que se deslocar para outro município.

Em um desses retornos, Eva recebeu uma ligação do marido perguntando a que horas chegaria pois eles tinham um jantar com familiares. Eva disse que ele não precisava esperar por ela. Ocorreram atrasos nos atendimentos e ela iria encontrá-lo no local.

"Você vai direto para lá?", perguntou então o homem.

"Só vou deixar o Bruno na casa dele antes e vou", respondeu Eva, ouvindo na sequência uma grande explosão de crise de ciúmes do marido, me relatou. Ela contou ainda que se sentira desprezada e de certa forma humilhada com o tratamento que o marido a deu naquela noite inteira. Chegando em casa Eva falou a ele que não havia gostado nem um pouco da forma com que fora tratada na frente de outras pessoas.

"Quem se comporta como uma vagabunda, é tratada como uma vagabunda", disse então o marido. Na mesma noite Eva pegou algumas poucas roupas e rumou para a casa dos pais para nunca mais voltar a dormir no lar que havia construído.

Arrependido pelo que disse, o marido não aceitava o término do casamento. Lutava com todas as armas e chantagens emocionais que tinha para ter Eva de volta.

"Gosto dele, amo ele. Mas nunca fui chamada de vagabunda em 35 anos de vida. Se tivesse traído, vá lá, seria muito mais fácil de superar. Mas não é o caso. Esse é o tipo de coisa que nunca vou esquecer. Não dá para perdoar", me contou.

Particularmente nunca tomei partido sobre quem estava certo ou quem estava errado. O marido de Eva era um homem mais velho que ela, já estava na casa do 50 e poucos, tinha sido seu professor na faculdade e eles estavam juntos desde então. Ele é um cirurgião bem conceituado no estado. A diferença de idade por si só já é um fator que aumenta a insegurança da pessoa. Imagino a quantidade de vezes que este cara já não teve de ouvir familiares e amigos próximos falando que aquela linda jovem então recém formada queria se aproveitar da sua boa reputação profissional para alavancar a sua carreira. A verdade é que ninguém sabe, além de Eva, o que fez ela se relacionar com um homem mais velho. Ela me disse que a sua inteligência foi o que havia mais despertado interesse nela, que naquela altura estava cansada de se relacionar com homens imaturos de 20 e poucos anos. Outros dois fatores que são verdades muito vedadas pela sociedade, são que, um, sim julgamos de forma pré-conceituosa pessoas que se relacionam com outras de idade mais avançada. Particularmente, também não me lembro de ver alguém ter relação com uma pessoa mais velha e de classe social inferior. A verdade número dois é que casamento, muitas vezes ainda é visto como um fechamento de um contrato. Pessoas são inseguras por natureza e buscam proteção instintiva. Esse processo, por vezes, pode ser totalmente inconsciente. Não há mal algum em uma pessoa, independente do seu gênero, buscar evoluir na vida socialmente. Criar um falso sentimento por alguém para obter outros fins já não é mais honesto. Nem sempre a busca é por dinheiro. Existem também pessoas com boas condições financeiras que iludem outros em nome do seu próprio prazer. Falo de sexo mesmo. Externamente é impossível distinguir se a linha é a do interesse ou do sentimento. Socialmente, Eva certamente foi julgada como interesseira muitas vezes. O seu marido também não escapava de comentários maldosos com certeza. Ele pode ter ouvido muito que estava bem na fita namorando com um mulherão quase vinte anos mais jovem, mas pelas costas, certamente, fora chamado de otário, corno, e outros adjetivos para rotulá-lo como alguém que estava sendo enganado. Ninguém pode julgar ninguém. O relacionamento deles durou uns 15 anos. Eu estava me relacionando com Eva de alguma forma e essa informação me deu segurança sobre o seu caráter. O cara também não era nenhum milionário. Ela saiu de casa sem levar nada além de suas roupas. Ninguém fica tanto tempo assim com alguém por interesse e sai de mãos abanando.

Conversava com Eva sempre que estávamos livres, a diferença no fuso horário atrapalhava um pouco, mas não nos impedia de conversar e namorar online. Vídeos, fotos, mensagens picantes, chamadas de vídeo durante o banho (obrigado Apple por fazer Iphone resistente à água). Era muito bom. Ficamos nessa pegada por um mês ou um pouco mais.

"Não estou sentindo falta nenhuma de sexo presencial. Você está conseguindo me dominar mesmo com a distância", me disse uma vez ela. O mesmo sentimento era do lado de cá, sem dúvidas. Eva também era ótima para mim. Tínhamos até os nossos códigos.

"Vamos para o nosso quarto", me mandava ela pelo WhatsApp quando a coisa começava a esquentar. O ex dela ficava vendo ela online direto e aquilo o irritava com medo de que ela estivesse falando com outro homem. E estava de fato. Mas já estava separada. Íamos então para o Instagram, onde o status pode ser desativado. A gente também tinha criado o nosso cantinho virtual. Era legal.

Em certa altura trocaram meu turno de trabalho no casino. Fiquei mais de um mês trabalhando de manhã, de 6h ás 14h. Tinha que acordar 3:30h para ir de ônibus. O metrô só abre às 6h. Às 8 e pouca da noite já estava indo dormir, bêbado de sono. O fuso horário é de 3h. Todo dia Eva só ia dormir quando eu mandava mensagem falando que tinha saído de casa, isso já era para lá de 1h da manhã no Brasil. Isso começou a atrapalhar a sua vida. Falei que não precisava.

"Faço porque te amo. Quero cuidar de você. Sei o quanto esse emprego é importante para você aí e sei também o quanto você é dorminhoco", me disse uma vez. 

Com o tempo foi virando uma bola de neve. Eva começara a perder a hora para pegar a estrada, o que muitas vezes acontecia antes do raiar do sol. A proibi de me esperar. O sexo ficou difícil também. Só nos meus dias de folga conseguíamos. A chama foi abaixando naturalmente. Começamos a nos desentender. Certo dia fui trabalhar virado porque Eva queria conversar até resolver alguma briga boba que tivemos a qual nem me lembro o motivo. Naquele dia vi que tinha sido bom enquanto tinha durado. Agora não mais. As conversas quentes e infinitas deram lugar a mensagens frias e simples de "bom dia", "como foi o trabalho" e "estou indo dormir". Isso durou por quase um mês. Tinha muita gratidão de ambas as partes, muita amizade e amor. Era difícil para ambos assumirmos que nossa história tinha sido apenas um caso que aconteceu do acaso.

O casino estava a mil por hora. Iria retornar para o meu turno noturno habitual. A transição era foda. Em dois dias de folga, tínhamos que virar o chip completamente de uma vida diurna para uma vida noturna. Desenvolvi uma tática. No meu último dia de trabalho de manhã não voltei para casa para dormir. Sai do casino, fui para academia, comi na rua. Aproveitei o por do sol para fotografar a cidade, meu passatempo favorito nos dias de solidão. Longas caminhadas e muito café me mantiveram acordado até às 22h.

"Já estou aqui na porta", recebi uma mensagem de Alessandro, um segurança italiano do casino que fazia dinheiro de verdade vendendo drogas para os funcionários. O esquema era pré-agendado, simples e infalível. A transferência era feita previamente virtualmente pelas contas do Monzo (tipo um Nubank muito melhorado de lá). Chegando perto da porta do casino era só mandar uma mensagem avisando que estava por ali. Seguranças também não podiam ficar com celular durante o trabalho, mas existe uma coisa chamada smartwatch. Ao passar pela porta do casino como um transeunte normal era só parar e cumprimentar os seguranças como bons amigos que se encontram. O aperto de mão com Alessandro voltava recheado com o que você quisesse. Ele tinha tudo. Comprei maconha, era única droga que ainda usava naquela altura da vida e bem raramente. Naquela noite precisava de uma diversão.

"Negócios são negócios", disse Maria, uma dealer do póker que estava saindo ao encerrar seu turno, vendo eu conversar com Alessandro. "Mas você tá dando muito na cara, João. Você trabalhou de manhã e voltou aqui agora", disse ela. Tínhamos nos encontrado enquanto eu saia e ela chegava. Alessandro me fuzilou com os olhos. Acho que ele pensara que eu estava de folga. Desconversei me despedindo indo em direção a estação de metrô da Leicester Square. Maria me acompanhou. Ascendi um cigarro que logo virou dela. Tive que enrolar outro para mim. Durante a conversa expliquei minha tática de não dormir para virar o chip e conseguir me readaptar rápido à vida noturna.

"É uma boa tática, mas você já está acabado", disse ela apontando para os meus olhos.

"Preciso de alguma distração para aguentar em casa até umas 4h, 5h da manhã. Vou ficar viajando pelo menos", respondi fazendo careta de maconheiro enquanto parávamos já na porta do metrô onde ficamos para terminar de fumar. Ela riu.

"Posso te falar? Você comprou a droga errada", disse ela então.

"Eu sei, mas não gosto muito de pó", respondi.

"Não gosta muito ou não gosta mesmo?", perguntou.

"Não gosto muito. Até gosto, mas evito. Aqui é absurdamente caro. Também vou fazer o que? Vou dar um teco e ficar quicando em casa. Não tem mais para onde ir", disse apontando para um pub do outro lado da rua que fechava as portas.

"Já ouviu falar em boate?", disse ela.

"Não é a minha praia. Gosto de beber. Não tem mais nada para fazer. Acredite, Maria", respondi.

"Você sabe que o casino em que você trabalha não é o único casino de Londres, né?", perguntou ela, apontando para trás de mim. Me virei e vi o Hippodrome. O maior e mais badalado casino da cidade e nosso maior concorrente.

Sempre fui afim da Maria, apesar de ela não fazer nenhum tipo de beleza que normalmente me atrairia. Não sabia o que era, mas havia algo nela que latejava sensualidade e aquilo aguçou a minha curiosidade. Ela é aquele tipo de mulher que impõe respeito, não dá muito papo e nem sorrisos para quem não conhece. Há muito tempo, perguntara para um amigo português qual era a dela. 

"Tás afim desta gaja? Vou desenrolar para ti", me respondeu Flavio saindo andando sem nem me dar chance de falar nada. De longe vi eles conversando e rindo. 

"Português filho da puta. Não era para fazer pombo correio, caralho", gritei fazendo gestos como quem apontava falando sobre alguma bebida. 

Em outro país você pode xingar os outros sem ser percebido. É só disfarçar a entonação e a expressão. Eu e Flavio xingávamos muitos os clientes chatos. Fiquei sem graça com o papo de Flavio e evitei passar por Maria durante algum tempo naquela noite. Até que então não teve como evitar. Um corredor longo e vazio. Eu caminhando de um lado em uma direção, ela caminhando do outro lado vindo na minha direção. Ela me olhou e deu aquele sorriso de quem cumprimenta movendo a cabeça na vertical quando nos aproximamos. 

"Se eu não falar nada agora vai ficar feião para mim", pensei. 

Puxei algum assunto de que a noite estava tranquila. Quando o papo de elevador se esgotou, mandei: 

"Olha Maria, não sei ao certo o que o Flavio falou com você, mas desconsidera, por favor. A gente estava só brincando, tá?", disse. 

Ela fez uma cara de quem não estava entendendo nada. 

"What fucking are you talking about?", me questionou ela. 

Flavio não tinha falado nada a meu respeito, aquele português safado estava só botando pilha em mim. Acho que falei, tipo um: 

"Ah, esquece. Deixa isso para lá", terminando o assunto que já me constrangera naquela altura.

Aquilo foi o suficiente para Maria enxergar o meu interesse nela. A partir dali passamos a nos falar diariamente. A medida em que íamos pegando intimidade, aquela fachada de mulher durona foi se desmoronando. Descobri que Maria era uma mulher solta. Muito solta. Não tinha rótulos. Ficava com quem bem quisesse, quando bem quisesse. Nada a impedia de nada. Um dia ela me contou que tinha sido noiva, mas o rapaz não aguentou o seu estilo de vida libertino. Maria é baixa e magra. Olhos castanhos. Romena, como quase toda mulher do leste europeu, não tem muitas curvas. A princípio, uma pessoa normal. A boca e o sorriso dela são bem bonitos. Mas não era isso. Gostava da sua imposição. O modo de andar, de falar. Agora mais íntimos, o jeito como ela encarava o mundo, a vida, também passaram a me atrair. Sentia que ainda tinha algo a mais diferente a ser descoberto nela.

Voltei meus olhos para Maria e falei algo como um atacante que chuta ao gol de primeira: "Só se você entrar comigo." Nessas horas você não pode pensar, se não cria a dúvida na sua cabeça.

"Assim você não vai aguentar", respondeu Maria.

"Eu dou um jeito nisso, acredite", respondi apontando para a esquina.

"Se você conseguir o que estou pensando, aceito seu convite", deixou claro ela.

Arrumar cocaína numa sexta-feira a noite em Londres quando se está perto de um casino não é nada difícil. Os traficantes ficam, literalmente, na porta. Não na principal, sempre na lateral. No casino onde trabalhava, era essa a saída que usávamos quando íamos fumar. Perdi a conta de quantas vezes vi clientes saindo para comprar e cheirar sem disfarçar muito durante a madrugada. No Hippodrome era religiosamente a mesma coisa, só que estava tecnicamente um pouco cedo. Ainda tinha bastante movimento na rua, o que camuflava os caras. Deixei um cigarro com Maria e pedi cinco minutos. Quando virei a esquina não vi ninguém. Andei mais um pouco até que avistei dois caras dixavados encostados em uma parede já perto da Chinatown, que fica na rua de trás. Nada de dinheiro vivo, pagamento virtual. Uma baba. 80 libras em uma mutuca mirrada, que nas favelas do Rio você paga R$ 30,00. Mas a qualidade era bem melhor. Peguei duas. A noite prometia. Cerca de R$ 1.120,00 gastos em pó.

"Bora", disse para Maria quando voltei.

"Espera. Você está fedendo a maconha", disse ela. Tinha comprado bem pouco, umas 10 gramas, mas era da boa, blueberry. O cheiro estava bem forte com ela no meu bolso.

"Vem aqui", falou Maria me pegando pela mão. Viramos na mesma esquina onde tinha comprado a cocaína.

"Me dá tudo", pediu ela. "Garotos!", disse ela em tom de deboche enquanto abria o botão da sua calça e guardava duas mutucas dentro de sua calcinha. 

"Vai ter que fazer por merecer pegar de volta. E não vai ser fácil, hein", brincou ela me devolvendo uma e batendo na pele entre o seu dedão e o dedo indicador. É o gesto para preencher com pó. Joguei. Ela deu um tiro, eu também. Ela pediu mais um. 

"Está com sede hein, querida?", disse enquanto colocava. 

Ela cheirou e disse gargalhando: "You have no idea", tirando a mutuca da minha mão e ao mesmo tempo me puxando para entrarmos. 

Já quicando na fila, exalávamos maconha. Me revistaram todo, colocaram a mão nos meus bolsos e os caralho, tipo dura de PM mesmo. Nem tocaram na Maria. Nunca tinha estado em um casino como cliente na vida até então. O Hipodromme é um casino maior do que o que trabalhávamos. Tinha até show lá dentro. A parada é sinistra. Uma Disneylândia para os desalmados. Real, me sentia como o Charlie Harper. Jogo, bebida, droga, mulher. Jogamos roleta. Maria ganhou bem apostando nas cores. Eu me lasquei, só derrota jogando nos números. Mais pó. Cada um de uma vez indo no banheiro. No sapatinho. Pedi o primeiro drink. Maria fez questão de pagar. Estava se dando bem real na jogatina. Pede o segundo. Pede o terceiro. Jogatina. Mais pó. Fomos juntos para o banheiro. Na porta rolou aquela indecisão em qual iríamos entrar. Ela falou para eu esperar ali. Ao sair, para me passar, ela me abraçou e colocou a mutuca dentro do meu bolso frontal da calça. Sua mão tocou em algo a mais. Ela lambeu meu pescoço bem levemente. 

"Língua", disse ela. 

A ficha não caiu na hora, mas era o primeiro sinal. Mais um drink. Fomos fumar em uma varanda no terceiro andar. Frio. Enquanto falávamos coisas aleatórias, rindo muito, ela começava a me abraçar. Cada vez foi ficando mais íntimo o abraço.

 "Bora dançar", disse ela. 

"Mais um antes?", sugeri. 

"Segura, tá cedo", sugeriu ela. 

Eu dancei. Coisa rara. O cabelo extremamente liso de Maria já meio bagunçado, caindo pelo seu rosto enquanto ela me olhava fazendo um biquinho com os lábios e os braços levantados com a bebida era o sinal verde que esperava. O convite para visitar seu corpo. Eu não tinha nenhum motivo para resistir. O beijo de Maria era tão sensual quanto a aquela curiosidade que me aguçara desde o início. 

"Agora sim tá na hora de mais um", disse ela. Desta vez não houve dúvidas. Entramos juntos no primeiro banheiro que vimos. Não fazíamos ideia se era feminino ou masculino. Nos trancamos na cabine. Beijos, mãos. Nariz. Coca. Beijos. 

"Passa a língua no meu ouvido", disse ela antes de dar mais um teco. Ela gemeu alto. Esse era o segundo sinal. Bum-bum-bum. Alguém batia na porta. Fudeu. Abrimos. Era um bêbado rindo. 

"Se eu não participar, vou chamar o segurança, hein?", balbuciou aquele idiota.

 A essa altura eu e ela já sabíamos que estávamos sendo observados. Lembra do que te disse mais cedo? Tudo que é feito e dito dentro de um casino é visto e escutado. Até no banheiro. Dentro da cabine, não. Mas na parte comum, sim. Certeza. Tava na hora de a gente meter o pé.

 "Vamos pra minha casa", eu disse. 

"Não, vamos para a minha. Tenho que ir trabalhar amanhã a tarde", disse ela. 

Melhor ainda. Meu quarto devia estar com a faxina atrasada. Maria morava em uma parte da cidade onde não tinha metrô. Não pense que ela morava mal não, muito pelo contrário. Essa idéia de que o metrô cobre toda cidade é meio que lenda. Alguns lugares só de trem ou um outro trenzinho elétrico que não tem maquinista. E eles não são tão afastados do centro assim. Maria morava no sul da cidade, perto do Greenwich Park. Teríamos que pegar o trem, mas naquela altura da noite a circulação já era bem difícil. 

"O próximo sai em 31 minutos", disse ela checando no CityMaps, enquanto eu olhava o relógio marcar 0:40. O trem então sairia da estação de Charing Cross a 01:11. Essa hora me fez lembrar a minha hora da sorte: 11:11. Diz o ditado popular que quando você costuma olhar muito para o relógio às 11:11 é porque o seu anjo da guarda está com você. Acreditava naquela porra. Aquela noite não tinha nada de angelical além dos lábios de Maria. Aquela noite era a do pecado. A noite do Diabo. Saquei o celular do bolso e ela perguntou o que estava fazendo. 

"Chamando um Uber", disse. 

Ela tentou me fazer mudar de ideia falando que iria ficar caro e que eu já tinha gasto muito.

 "Maria, acredite, tem algo me falando para a gente não ir de trem", disse a ela com toda a convicção de quem não quer misturar anjos com diabos. Eu tava muito doido mesmo. No Uber a pegação continuo séria. 

"Do you mind brow?", perguntei ao motorista. 

"Mi casa, su casa hermano", respondeu ele me olhando pelo retrovisor central. Era latino.

 "Tamo junto", respondi em português. 

Era a confiança que precisava para resgatar a minha maconha. Mão na barriga, descendo. 

"Acho que já mereço recuperar o que é meu", disse imitando com dois dedos alguém que andava em torno do seu umbigo. Maria fez que sim com a cabeça. A essa altura o seu olhar já não era mais o mesmo. Transbordava tesão. 

"Mas você não vai pegar com a mão", disse ela botando a língua para fora levemente e mordendo os lábios na sequência. Esse foi o sinal número três. Irmão, juro que ia chupar ela ali mesmo. Inclinei meu tronco para baixo e abri o botão da calça. 

"Calma. Aqui não", disse ela me puxando para cima. 

Não tomamos nenhum cuidado em não fazer barulho desde que entramos em casa. Maria morava com outras duas meninas. Precisava de um banho. O último tinha sido depois da academia. Ela não quis ir e não me deixou ir. Não de primeira. 

"Antes você vai resgatar o que é seu", disse ela se deitando na cama. 

Ali entendi os sinais de toda a noite. Maria estava doida para ser chupada desde o começo. Eu, particularmente, sempre amei fazer sexo oral. Não tem graça sem. Sexo bem feito é como você apreciar uma bela refeição em um local especial. É tipo, sei lá, você entrar em um restaurante e já sentar com o prato principal te esperando na mesa. Você perde mais da metade da experiência. Calma. Tem muita coisa para acontecer antes e depois. E se você souber saborear e se entregar a cada etapa no seu tempo, tenha certeza que você vai jantar ali de novo. A noite toda foi ótima, o sexo no geral foi incrível. Selvagem. Mas a lembrança que mais ficou daquela noite foi quando Maria teve o primeiro orgasmo enquanto eu a chupava. Lembra daquele gemido no banheiro do casino? Então, multiplica ele por 100, por 1000. Poucas vezes vi uma mulher gozar com tanta intensidade e se entregando tanto ao prazer. Não acho de verdade que tenha sido uma exclusividade minha fazer ela gozar daquele jeito. Não estou aqui pagando de fodão. Naquele momento tinha descoberto qual era a real sensualidade de Maria. Ela amava gozar e não fazia a mínima questão de inibir isso enquanto o fazia.

"Acorda, preciso sair. Estou mega atrasada", me disse Maria. 

Já eram 12:45h. Maria entrava no Casino às 14h. 

"Liga doente, Maria. Toma o café da manhã dos campeões comigo", disse enquanto tentava puxá-la de volta para cama. 

"Adoraria, mas não. Bora", disse ela me beijando e jogando minhas roupas em cima de mim, enquanto ia para o banho. 

Na saída encontrei com Claudine na sala. Ela também trabalhava no casino. Claudine era uma das housemates de Maria. Ela é muito amiga de Agnieszka, uma gerente polonesa do casino com quem tinha ficado há alguns meses. No trem perguntei a Maria se ela sabia que eu já tinha ficado com Aga. 

"Com direito a todos os detalhes", disse ela bem ao pé do meu ouvido, passando a língua no final. 

Eu sou lerdo, eu sei. Precisei de vários sinais para entender que estava com uma boa fama entre as mulheres do meu trabalho. Maria me contou que muitos homens europeus não gostam de fazer sexo oral e quando fazem, fazem meia boca, por isso ela também pegava meninas. Latinos e africanos tem boa fama nisso. 

"Os africanos acabam ganhando mais vantagem na preferência por questões, digamos, anatomicamente avançadas", disse ela. Perguntei se aquilo tinha sido uma crítica indireta. 

Ela riu, apertou meu pau e respondeu: "Se você acha isso é porque não lembra de nada que aconteceu ontem", falou.

Descemos em Charing Cross. Maria já saiu de casa uniformizada para não perder tempo. O relógio da estação marcava 13:53. Ela estava com muita pressa, mas aquilo não a impedira de perder alguns minutos para me dizer algo importante, que hoje entendo que na real ela estava era poupando o seu tempo futuro. 

"João, foi ótima a noite. A gente vai repetir um dia, não tenha dúvidas disso. Eu quero e sei que você também quer. Agora eu preciso que você entenda uma coisa. Eu não posso e nem quero te dar mais do que isso. É só sexo e diversão. Sem data, sem compromisso", disse ela direta e reta.

 Concordei. Acho que ela não teve tempo para perceber que eu estava disfarçando. Maria me beijou e foi embora. Na hora fiquei meio pah, meio puto na real. Queria mais, queria naquele dia, queria ali na estação de trem. Foda-se. O que eu queria mesmo era ver e ouvir aquela mulher gozando todos os dias pelo resto da minha vida. Foi uma das cenas mais lindas que meus olhos já tinham vistos e um dos sons mais sinceros que meus ouvidos já haviam escutado. Mas liberdade era pouco para Maria, não havia nem nome para o que ela buscava.

Quando peguei o celular tinha uma mensagem de Eva. Putz. Precisava resolver aquilo da melhor forma possível. Mas não deu. Embora nunca tenha sido nenhum santo (muito pelo contrário), não consigo gostar de duas ao mesmo tempo. Não vou ser hipócrita de falar que nunca traí, traí, bastante até. Mas trair uma noite é bem diferente de trair mantendo duas relações paralelas. Embora ambas, na real, fossem só contatinhos, gostava delas de alguma maneira de verdade, mas no meu peito só tem lugar para uma. Sempre. Uma substituição tinha acontecido no campo do meu coração naquela noite. Entrou Maria, saiu Eva. Ela sabia que eu estava de folga. Era sábado. Ela também estava de folga. A gente já estava forçando a barra. Respondi de boa, educadamente e rumei para o metrô. Peguei um jornal gratuito na estação. Era começo de março de 2020. Naquela altura o Coronavirus já havia chegado na Europa. A Itália estava um caos. Li uma coluna onde um jornalista dizia que a questão não era mais quando a doença chegaria na Inglaterra e sim quando o governo admitiria que ela já havia chegado. Devido ao grande fluxo diário londrino de entrada e saída de pessoas vindas de toda parte do mundo, era impossível que o vírus já rolasse no interior da Itália e não estivesse na capital britânica. Aquilo me chamou a atenção porque fazia muito sentido. Lembrei daquela semana com Eva quando minha supervisora e o médico disseram que muita gente estava ficando doente. O discurso do governo era totalmente negacionista naquela altura. Quando sai do metrô tinha uma ligação perdida de Eva. Liguei de volta. Ela me perguntou se estava em casa. Menti dizendo que tinha ido ao mercado. Sempre fazia compras no meu primeiro dia de folga. Comentei com Eva o que tinha lido no jornal e como aquilo tinha me amedrontado de certa forma. Nunca tínhamos conversado muito sobre política, ela não ligava muito. Naquele momento, Eva então deu o último tiro matando qualquer sentimento que tinha por ela.

"Essa imprensa faz isso mesmo para gerar medo. Não liga para isso não. Esse negócio de coronavirus não é nada além de uma forte gripe. Só morre velho", disse ela. 

Por mais que naquele momento as informações fossem bastante escassas ainda, senti que tinha que perguntar uma coisa.

"Eva, você votou em quem para presidente?", questionei.

"Aqui a gente é Bolsonaro. A família toda", respondeu.

"Ah ta", disse descrente. "Tô chegando em casa aqui, as compras estão meio pesadas. Depois te ligo, tá honey? Beijo". Sim, fui covarde e menti ao dizer adeus a ela.