Uma sátira assertiva, Don’t Look Up opta por não ser mais nada.
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Uma sátira assertiva, Don’t Look Up opta por não ser mais nada.

Crítica do filme "Não Olhe para Cima"

João Pedro Teixeira Barthem
5 min
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Durante um segundo ano pandêmico, em meio à grande polarização política em que se encontra os Estados Unidos da América(EUA), um filme que satirizasse tanto a classe administrativa quanto o próprio país, empurrados por um elenco de peso, teria a capacidade de fazer um estrondoso eco. E fez. Não à toa “Don’t look up”, de Adam Mckay, está na primeira colocação dos filmes da Netflix na terra do Tio Sam no dia da escrita deste texto. A história que tanto atrai os norte-americanos da atualidade se baseia em uma premissa simples: a corrida contra o tempo para salvar o planeta de uma destruição catastrófica, que provocaria a extinção da raça humana. Apesar dessa breve descrição se assemelhar com os incontáveis filmes de super-heróis feitos nos últimos anos, “Don’t Look Up” troca as armaduras e armas intergalácticas por jalecos, colocando os cientistas Randall Mindy( Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky( Jennifer Lawrence) para descobrirem que um cometa gigantesco se chocará com a terra, causando sua completa destruição.

Contextualizado o longa, é importante entender como já trabalhou o diretor do filme. Mckay, nos últimos anos, escreveu dois filmes que caçoavam dos dois maiores alicerces dos EUA, sobre a economia em 2015, com o lançamento de “A Grande Aposta” e em relação ao campo político, com o filme “VICE”, em 2018.  Em ambos os longas, o diretor traz uma comédia que faz o espectador rir de várias situações que acontecem durante os filmes, porém nunca deixando de lado a veracidade, seriedade e complexidade de suas produções. No caso de seu novo filme, Mckay utiliza do absurdo, um cometa que explodirá a terra, para explicar o absurdo: que as redes sociais ditam a política do país mais rico do mundo, a falta do diálogo e, principalmente, os interesses individuais de um capitalismo selvagem.

Como sátira, o filme funciona, já que a intenção dela é a de ridicularizar um determinado tema. No caso, as consequências do descaso do homem com o meio ambiente. Nesse sentido, a atuação de Jonah Hill e Meryl Streep são de bater palmas, já que foram colocados pelo autor do filme como as mais sinceras “homenagens” ao ex-presidente Donald Trump. O recluso cientista de DiCaprio e a descolada personagem de Lawrence também se tornam adequados para o gênero, tendo como intenção mostrar o lado dos cientistas em sua rivalidade com o negacionismo.

Entretanto, na tentativa de fazer sua crítica às mudanças climáticas, ao negacionismo científico e ao capitalismo, o cinema progressista hollywoodiano entrega para as telas da Netflix um filme cuja principal característica é a de zombar. Seja da ordinária política e presidente dos EUA Janie Orlean(Meryl Streep)  ou de seus renomados cientistas, previamente entendidos como a solução dos problemas, os personagens culminam em um debate político que nada faz além de barulho. A megalomania de Mckay em explicar os últimos dois anos de seu país em pouco mais de duas horas termina da forma esperada para quem assiste o filme até seus primeiros quarenta minutos. No entanto, o longa não entrega uma solução ou mensagem de que se pode lutar contra as grandes corporações e os interesses políticos. Aquilo que fica é que Mckay simplesmente joga a toalha de Hollywood no chão, apelando para uma crítica rasa e desenvernizada, de modo a renunciar àquilo que já escreveu, apresentando em tela algo não muito diferente do que “South Park”, “House of Cards”, “O Dilema das Redes” e seu próprio “VICE” já fizeram no passado.

De maneira a dar ênfase em uma abordagem de público extensa,  o filme perde as chances de se tornar complexo e não somente alertar, mas estimular a população a buscar soluções para os possíveis eventos que a obra aborda. O documentário “Seremos História”, o qual o protagonista de “Don’t look up” e mensageiro de paz  da ONU, Leonardo DiCaprio, estrela traz uma abordagem muito mais significativa, pois o problema é tratado em sua raiz. Quanto à “Don’t look up”, a simples explicação da ameaça vinda do espaço, para dar ênfase ao comportamento das pessoas, acaba por se desviar do problema central, que é a lenta morte do planeta Terra, provocada pelos agressivos hábitos de consumo do ser humano e as consequências dessas ações. Portanto, o impacto causado pelo longa será de como a sociedade está louca na era da informação, não sobre o problema e o que se pode fazer para atenuá-lo e, possivelmente, resolvê-lo.

Em conclusão, mesmo entregando atuações convincentes, um elenco de peso, um diretor com histórico recente extremamente positivo e uma intenção absolutamente positiva, “Don’t Look Up” acerta outro que não seu principal alvo, tornando-se um filme político, que zomba de seus opositores, de maneira a não dar voz aos cientistas, mas sim a uma esfera da política estadunidense. De modo a ser apenas uma sátira na qual o cinema progressista de Hollywood, bem ou mal,  conquista certo alívio, o filme de Mckay se entrega para a política e perde a chance de ser um marco inicial para uma luta que o ser humano, em sua maioria, se recusa a travar.