Por uma linguagem que respeite todes! Em defesa do uso da linguagem neutra.
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Por uma linguagem que respeite todes! Em defesa do uso da linguagem neutra.

Olá, pessoal! Como vocês estão? Essa é a primeira newsletter de uma série por vir e eu fico muito contente de ter vocês desde o começo aqui comigo. O tema da newsletter do mês que vem já está escolhida por ser um tema com data histórica como ...

Bárbara Krauss
6 min
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Olá, pessoal! Como vocês estão? Essa é a primeira newsletter de uma série por vir e eu fico muito contente de ter vocês desde o começo aqui comigo. O tema da newsletter do mês que vem já está escolhido por ter uma data histórica como referência, mas não deixem de me dar dicas do que querem ver por aqui.

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Há um tempo, na medida em que posso, tenho tentado neutralizar a linguagem que eu uso em relação ao gênero. Não é só sobre usar elus e elxs – se voltarem ao parágrafo anterior, verão que nada ali possui uma marcação pronominal na nossa interlocução (até o "Olá, pessoal" foi pensado nesse sentido). O fato é que não é preciso abusar dos neologismos para neutralizar grande parte da nossa linguagem, a abundância do português nos permite isso.

Não é apenas na religião cristã que o início de tudo é a palavra. Criamos e nomeamos, assim como buscamos nas palavras existentes o que é necessário para compreender o mundo. Nós nos constituímos também por meio da linguagem, nós a criamos e recriamos, assim como é a partir dela que encontramos os adjetivos que nos definem. É onde buscamos nosso significado.

E o que fazer quando os pronomes presentes na nossa língua não nos representam? E se nos representam, mas não representam a todes?

Em português fazemos uso do masculino genérico, isso significa que é sempre o pronome masculino a ser usado para grupos de homens e mulheres. Não importa se são cem homens e uma mulher ou cem mulheres e um homem, o masculino será usado.

Esse uso remonta ao processo de criação da língua a partir do latim, mas a manutenção desse formato está em nossa cultura patriarcal. A língua reflete o espaço de poder masculino, serve de sua garantidora.

Quando conveniente, até mesmo os imortais da Academia Brasileira de Letras usaram isso ao seu favor. Em 1930, Amélia Beviláqua se tornou a primeira mulher a candidatar-se à Academia, foi rejeitada sob o pretexto de que “brasileiros”, como constava no estatuto, restringiria suas vagas apenas ao sexo masculino.

Com o avanço do movimento feminista foi ficando mais visível e difícil de defender qualquer argumento mantenedor desse genérico masculino, ainda que esteja em uso. Agora nos defrontamos com novos tipos de existências que confrontam o sistema binário de gênero (travestis, não-binários, gêneros fluídos para citar alguns). Como é possível então defender que essas pessoas não têm direito à representação?

Se a cultura de uma sociedade modifica seu modo de falar, não seria um espaço de luta alterar o nosso modo de falar propositivamente para mudar a nossa realidade? É pensando um pouco nisso que elenquei alguns argumentos que já ouvi para desbancar a linguagem neutra e que são facilmente refutáveis.

Gênero neutro não existe em português.

A língua portuguesa tem diversos usos correntes. Quando algo é apontado como errado na língua, a referência geralmente é sua gramática normativa. Esse argumento só teria fundamento se usado por alguém que respeita a norma culta em seu dia a dia. Gírias, abreviações e apelidos muitas vezes começam como neologismos para depois serem incorporados à nossa gramática normativa, vossa mercê não concorda? Opa, agora é você que fala, né?

Cada pessoa usa a linguagem neutra de um jeito, isso me confunde.

Sim, nesse processo de ocupação da língua não há ainda uma conformidade quanto ao modo correto de usar a linguagem neutra, mas o simples fato de utilizarmos formas mais inclusivas de nos referirmos a grupos de pessoas faz com que a lógica da língua vá se encaixando na nossa cabeça e também na das pessoas com as quais falamos.

Aqui em especial eu recomendo a leitura do "Manifesto Ile para uma comunicação radicalmente inclusiva".

Linguagem neutra e banheiro unissex não são pautas a serem debatidas enquanto a comunidade LGBTQUIA+ é assassinada e agredida no país.

Lutar por diferentes pautas ou em diferentes frentes da mesma pauta política não são coisas excludentes. A própria interseccionalidade de marcadores sociais em militantes fez delus referências ainda maiores. Vocês conhecem Angela Davis, feminista negra, vegana, LGBTQIA+, abolista penal, ecossocialista e internacionalista? Então.

A luta por um espaço na língua serve para incluir pessoas no imaginário social. Se nós buscamos palavras para designar o que vemos na sociedade, como é possível respeitar social e juridicamente a existência de alguém que não sabemos como chamar? Essas lutas ganham muito quando feitas em paralelo, caso contrário chegamos sempre um pouco tarde no debate que estamos propondo.

É capacitista usar o X e o @, programas de leitura para pessoas com deficiência não conseguem fazer a leitura.

Sim, e por isso as pessoas que hoje pensam e defendem a linguagem neutra aboliram o uso desses símbolos. Quando falamos de linguagem inclusiva isso não se restringe às LGBTQIA+. É claro que há pessoas bem intencionadas, mas que não participam ativamente dessa construção e seguem fazendo o uso desses símbolos, mas lutas em andamento exigem tempo e afinco para que a proposta se homogeneíze.

Eu até acho uma ideia legal, mas acho muito ruim ter que escrever "todos, todas e todes".

Sempre que vejo esse tipo de uso penso que conversamos pouco sobre esse pleonasmo. Todes não se refere apenas a pessoas que têm suas identidades externas a binariedade do homem/mulher. TODES É TODES. O uso do E encurta a frase na medida em que acaba com a necessidade de enumerar essas pessoas para que se sintam incluídas. Esse uso incomoda algumas pessoas exatamente por nivelar, por tirar sua superioridade. Aqui temos que escolher: fazer uma concessão e enumerar pronominalmente cada um, e isso significaria respeitar a binariedade que orienta opressões na nossa sociedade, ou confrontar o desejo da minoria por um espaço de igualdade.

Mas não para por aí...
Claro que há ainda outras argumentações contra o uso da linguagem neutra. Caso tenha alguma que faça sua cabeça bugar quando pensa a respeito, manda pra mim. Se tiver o suficiente eu faço uma parte dois!

Acredito do fundo do meu coração que não existe argumento que se sobreponha ao acolhimento de todes na nossa língua e sociedade <3

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TUDO OU NADA

Essa é uma série batidinha de indicações minhas que podem ter tudo ou nada a ver com o tema do mês.

  • Filme | Tengo miedo, torero: baseado em uma novela de Pedro Lemebel, conta a história de uma travesti que se relaciona com um guerrilheiro treinado em Cuba e que planeja um atentado à Pinochet. Disponível no Prime Vídeo.
  • Série | The good place: com quatro temporadas que se concluem bonitinhas, sem cancelamentos abruptos, a série trata de ética, de quem merece ou não ir para o céu e como o capitalismo nos afasta da bondade. Disponível na Netflix.
  • Livro | As aventuras da China Iron, de Gabriela Cabezón Camara: finalista do International Booker Prize, conta a história da esposa de Martin Fierro, ela vive a busca por uma utopia que decoloniza a relação com o estrangeiro, a binariedade de gênero e a monogamia.
  • Música | Me curar de mim, de Flaira Ferro: têm estado no meu repeat, talvez por causa de toda introspecção que tem sido estar em casa há tanto tempo.
  • Perfil para acompanhar | Orelha do livro, no instagram: Lisley cria playlists baseadas em suas leituras, o repertório dela é gigantesco e curtir as plays durante a leitura da outro sabor.
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Bom pessoal, eu fico por aqui. Desejo a todes uma semana melhor que a anterior e vacinem-se, postem fotos, imunizem-se pra gente poder voltar ao normal o mais rápido possível, com muitos abraços e mesa de bar e cerveja litrão pra comemorar.

Beijo grande, B.