A plateia e o palco
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A plateia e o palco

Domingo, 21h30, um frio lá fora e o aquecedor que esquenta aqui dentro. Não sei o que jantar. Não fui ao mercado, não fiz a comida da semana e não tenho nada organizado. Abro o app do Glovo, como se fosse o nosso iFood, e recorro ao meu antig...

Amanda Zeni Beinotti
4 min
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Domingo, 21h30, um frio lá fora e o aquecedor que esquenta aqui dentro. Não sei o que jantar. Não fui ao mercado, não fiz a comida da semana e não tenho nada organizado. Abro o app do Glovo, como se fosse o nosso iFood, e recorro ao meu antigo hábito de utilizá-lo para amenizar a sensação de domingo e para agradar o meu eu, terminando com um “eu mereço”. Deveria ter feito várias coisas, mas o único que conseguir foi descansar.

Peço uma pizza, com intenção de fechar o final de semana comendo e bebendo, para amanhã voltar ao normal. Tento desenrolar meu último trabalho desse módulo do mestrado, mas não consigo ler a frase que li umas 5 vezes. Não consigo começar a escrever o que eu preciso explicar. Busco maneira, mas o cérebro demora 5 minutos para processar.

Começo a pensar. Por que está sendo difícil escrever? Sigo pesando. As conclusões começam a chegar. Tenho medo de falhar. Imagina só escrever alguma coisa ou apresentar um projeto e não ir bem. Meu Deus. Como isso pode acontecer comigo? Eu? Fazer alguma coisa que os outros não aprovem? Como assim? Vou decepcionar? Decepcionar os professores que atualmente são muito mais que isso. Como seria possível?

Esses pensamentos invadem de uma forma estrondosa, que o único barulho que consigo ouvir são eles, desfocando do que realmente importa: terminar o trabalho.

Terminar o trabalho parece uma coisa impossível nesse momento. Volto e penso nessa busca incessante por aprovação. Por que o foco é a aprovação? Por que o foco não é terminar o projeto bem?

Tento não supor outros cenários para o que realmente aconteceu, mas a minha veia da escrita não me permite. O que seria de nós sem um pouco de imaginação?

Quem já fez teatro, sabe que, durante o espetáculo, dificilmente quem está no palco consegue enxergar quem está na plateia. Os holofotes são tão fortes que todas as caras se misturam e a luz é o único que se vê definido. Ao final de tudo, mudam-se as luzes, o mar de gente já é reconhecível e os atores conseguem enxergar os seus amados, ver a reação das pessoas, conferir se as palmas condizem com os sorrisos e realmente enxergar quem estava lhe observando.

Como seria se o jogo de luz não fosse dessa forma e, em Romeu e Julieta, Romeu pudesse ver nitidamente a todos na plateia? Será que ele notaria cada detalhe que se apaixonou em Julieta? Será que ele ficaria sabendo da suposta morte de Julieta? Será que o fim seria o mesmo se ele ficasse atento às caras e bocas da plateia e não se entregasse à peça ao máximo?

Como num campo de futebol, quando os atores são substituídos por jogadores aquilo vira o palco. Quem está jogando, sente a energia da arquibancada, mas dificilmente durante os 90 minutos de jogo, se falamos em futebol, consegue parar e olhar no detalhe quem está na arquibancada. Se fosse assim, a bola passaria reto, impossibilitando o gol ou o passe.

Ao focar tanto nas expressões e opiniões de quem está na arquibancada ou na plateia faz com que a diversão do momento e a importância que é preciso dar à ação, se esfarelem. É pedir para não viver na merecida intensidade.

A autoexigência por aprovação alheia é necessária quando quem precisa sorrir é quem vai te permitir dar o próximo passo. O holofote dessa autocobrança deve ser apontado à ação e aos objetivos, não à aprovação – ou não – do outro.

As vezes essa busca pelo olhar aprovador entra sem perceber e quando você vê, inundou a casa toda.

O valor de cada um é demonstrado na ação, na entrega e no respeito que se tem pelo que se admira e se dedica. Também é provado com cada tijolo que é construída a dedicação. O valor não se demonstra por palavras, mas pelo movimento.

Talvez hoje esse texto seja muito mais para mim do que para qualquer um de vocês. Escrevo para guardar, para entender e tentar internalizar.

Não falamos em ignorar a opinião alheia e fingir que não nos importa o que cada um disse. Falamos, hoje, em medir e racionalizar cada uma das cobranças que colocamos nas nossas cabeças. Elas são reais? Têm sentido? Ou sou eu criando uma história na minha cabeça, querendo adivinhar o que se passa pela cabeça de cada um? Tanto as opiniões alheias quanto com qualquer outra preocupação que pensamos ser um monstro, mas quando pensamos de forma clara ou exteriorizamos, nos damos conta que era só uma formiga.

Desejo uma ótima semana a todos!

Estou a ouvidos, pelo Instagram e Whatsapp, para críticas e comentários sobre a edição de hoje - @mandazeni.