O que subir montanhas ensina sobre as adversidades?
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O que subir montanhas ensina sobre as adversidades?

Amanda Zeni Beinotti
4 min
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Tenho um amigo boliviano aqui. Vamos fingir que ele se chama João para eu conseguir explicar bem. A mãe do João tem uma amiga que mora em Madrid. Essa mãe não está aqui e pediu que seu filho fizesse alguma coisa diferente com essa tal amiga, porque acabou de chegar e estava um pouco para baixo. O João teve a decidiu levar essa amiga a fazer uma trilha numa montanha aqui perto. Ela também ia levar uma amiga. 

João para não ir sozinho, teve a brilhante ideia de me chamar para ir. Eu, que não sei falar “não” para nada, falei que sim, mas que ele tinha que escolher uma montanha fácil. 

Chegou o tal dia e eu já estava arrependida. Lembrei de quando outros amigos em Curitiba me chamaram para fazer o mesmo. Quase morri no final, no meio e no começo, sem brincadeira. 

Zero preparada, montei no carro e fomos. Chegamos no estacionamento que tem no pé da montanha, eles apontaram o pico de uma que eu pensava ser muito alta e difícil e falaram que era justamente ali que íamos. Antes de subir já queria desistir e esperá-los no café ali perto com uma cervejinha na mão. 

No começo, tudo certo. A tal amiga da mãe cresceu fazendo isso na Bolívia, então para todo mundo era o plano perfeito. Já eu, a cada passo, desde o começo me perguntava o que eu estava fazendo ali. Comecei a ver um pessoal mais velho, idoso mesmo e pensei, bom, deve ser difícil, mas consigo. 

Quando a subida começou a ficar mais íngreme, minha mente já estava pensando em agarrar o pescoço do João e fazer ele me descer de helicóptero. Repetia a mim mesma que eu não estava preparada, não tinha o condicionamento físico o suficiente para esse tipo de coisas e que não era para mim.

Até que paramos no primeiro mirador. No primeiro lugar com uma vista incrível. Víamos o mosteiro de El Escorial, um lago, as cidadezinhas por perto e Madrid lá longe. Nesse momento, pensei, caramba, estou conseguindo e vale a pena. 

Andamos mais um pouco e chegamos no topo. Mais uma sensação de alívio. Sentamos para comer nossos lanches e descansar um pouco. Parecia que o tempo tinha parado, que o mundo estava numa velocidade a mil e nós ali, apenas desfrutando do momento. Parecia que o mundo estava aos meus pés. Nesse momento, a vida, mais do que nunca, brilhava. Sentia-me viva. Vivendo exatamente aquilo e agora. Sem interferências. Você, sua mente e aqueles amigos que estão ali sentindo a mesma coisa. A mente limpa. O corpo sente. 

Muito que bem, chegou a hora de voltar. Lembra que falei que a amiga gostava dessas coisas? Pois é. Ela teve uma ideia que na cabeça dela parecia brilhante e na minha a pior decisão que eu poderia tomar. Descer pelas pedras. Agarrando nas pedras, descendo de bunda, escorregando nas palhas… novamente, a cada passo queria bater em alguém e me perguntava o que eu estava fazendo ali e não sentada num banco, num bar, onde fosse. Se minha mãe me visse, me levaria ao Brasil pelos cabelos. 

Já em solo reto, depois de descer com êxito - claro, senão não estaria escrevendo isso -, pensei e repensei o que aconteceu. 

Nunca estamos 100% preparados para os desafios da vida. Se estivermos, perdemos o timing, já é tarde. Enfrentamos cada um deles como se fosse a montanha, tentando olhar um pouco a vista e agradar os olhos, se confortando com o que vê, entender que está valendo a pena. 

Enfrentamos os desafios com as ferramentas que temos e vamos aprendendo e descobrindo outras para nos levar até o final. Quase chegando na primeira parada, elas me deram um pedaço de chocolate 70% e meia banana, e senti que me deu mais energia. 

Quando você chega ao final com êxito, sabe que aquilo não acaba. Depois de subir, é preciso descer. Depois de ter feito isso, me inscrevi com esse mesmo João a uma meia maratona em novembro. Eu corro? Não. Fiz meus primeiros 5km hoje, início de maio. Em novembro preciso estar correndo 21km. 

A vida se trata disso. Estar num constante desafio, buscando entender como seu corpo e sua mente reagem a estímulos nunca sentidos. Como seu corpo atinge o modo de sobrevivência e quais ferramentas você se surpreende quando vê que tem ou aprende com outra pessoa. Dizem que essa sensação vicia.

A evolução e a busca da nossa melhor versão não virão sempre nos momentos de sorriso. As adversidades chegarão. É preciso ter força de vontade para enfrentar cada uma delas. Reinventar-se. Reaprender. Afinal, mar calmo nunca fez bom marinheiro.

Espero que tenham gostado! 

Obrigada! Com carinho, 

Amanda Zeni.