Todos nós somos descendentes de opressores, Kenia
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Todos nós somos descendentes de opressores, Kenia

Kenia diz ter ficado triste ao saber que tem 30% de DNA português. Mas se tivesse 100% de DNA africano, também poderia dizer que é descendente de opressores.

Leandro Narloch06/21/2021
4 min
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Nesta edição: 

Todos nós somos descendentes de opressores, Kenia   *   O estudo politicamente incorreto da semana   *  Assinantes respondem: quem é o candidato ideal da terceira via?  * As leis fundamentais da política brasileira.


O pior governo é o mais moral. Um governo composto de cínicos é frequentemente mais tolerante e humano. Mas quando os fanáticos tomam o poder, não há limite para a opressão. 
H. L. Mencken


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Todos nós somos descendentes de opressores, Kenia

Semanas atrás, a ativista e atriz Kenia disse ao UOL ter odiado saber que tem quase 30% de DNA português. "Os opressores e estupradores estão no meu sangue", disse ela. O UOL comprou a ideia e estampou o título "A dor de saber que o opressor está no seu sangue".  

Desculpa contar, Kenia e UOL, mas vocês poderiam falar a mesma coisa se ela só tivesse DNA africano. Nesse caso, Kenia poderia dizer que é descendente de homens ainda mais opressores que colonizadores portugueses. 

Se o DNA de Kenia viesse todo do Daomé, por exemplo, ela provavelmente seria descendente de reis que mantinham haréns com milhares (sim, milhares) de mulheres capturadas em povos vizinhos. Isso até o fim do século 19.

Vejam, por exemplo, este relato. Em 1845, o escocês John Duncan visitou Abomé, a capital do reino do Daomé. Ficou impressionando com corpos mutilados apodrecendo na rua. "Me informaram que aqueles homens eram culpados por sexo adúltero com uma das mulheres do rei; em consequência disso foram condenados a morte a pauladas, e depois da morte foram mutilados. (...) A decapitação é o modo favorito de execução em Abomé", escreveu ele. "Na cidade de Abomé, é difícil não encontrar um daomeano que não descenda da realeza”, disse um antropólogo décadas depois. 

Ilustração de John Duncan sobre decapitação comum no Daomé
Ilustração de John Duncan sobre decapitação comum no Daomé

Nem todas as mulheres do Daomé deixaram descendentes, pois muitas morreram nos Costumes Anuais - rituais de sacrifício que matavam centenas de pessoas de uma vez e que duraram até o fim de século 19.

Já se os genes de Kenia viessem todos dos iorubá, também poderia dizer que é descendente de opressores. "Na sociedade iorubá, o concubinato se mantinha por milhares de escravas", diz o historiador Walter Scheidel, de Stanford. "Fazendeiros e chefes militares tinham centenas de mulheres."

E se viessem da atual Gana? No Império Asante também havia um bocado de opressão. Comprar escravas con fins sexuais era comum; o rei tinha um harém com mais de 3 mil mulheres capturadas.  

Uganda? Harém com 7 mil cativas.

Fazendas escravistas, quilombos, castigos, mercados de escravos: tudo que havia na escravidão brasileira também havia na África. 

O historiador Scheidel ("Sex and empire: a Darwinian perspective") acredita que a luta entre homens por mulheres é o que explica a existência de impérios na história do mundo.

Ou seja, Kenia: todos nós, mestiços ou não, somos frutos da relação entre sexo e poder. Há opressão no nosso sangue - e muitas delas bem mais cruéis que a do Brasil colonial. 

Mas olha: o amor também tem uma longa história. Nem todas, e talvez nem a maior parte, das relações entre portugueses e negros foram baseadas em opressão. Por isso é bastante questionável, na verdade um tanto absurda, a ideia de que toda mestiçagem é resultado de violência.


O estudo politicamente incorreto da semana: “The Psychosocial Value of Employment”, Reshmaan Hussam e colegas, 2021.

Um emprego, mesmo com salário baixo, traz mais benefícios psicológicos que transferências de renda no mesmo valor.

Economistas de Harvard e NYU realizaram testes de depressão com três grupos de refugiados rohingya em Bangladesh: um grupo de controle, um que recebia ajuda em dinheiro e um terceiro que trabalhava por um salário equivalente ao que o segundo grupo recebia como doação. Resultado: os empregados tiveram 11% menos depressão leve e 21% menos depressão grave ou moderada. E 69% dos empregados toparam trabalhar a mais de graça, provavelmente por intuir o bem que o trabalho provocava.

“Descobrimos que os indivíduos são capazes de precificar os benefícios psicológicos do emprego em suas escolhas de oferta de trabalho. Por meio de uma coleta incentivada de salários de reserva para uma semana adicional de trabalho, descobrimos que a maioria (69%) está disposta a trabalhar uma semana adicional sem pagamento.” http://www.gregoryvlane.com/pdfs/employment.pdf


Assinantes respondem: quem é o nome ideal para a terceira via? 

Muito se fala sobre um nome alternativo a Bolsonaro e Lula nas eleições de 2022. Na sua opinião, quem seria o candidato ideal para agregar o centro e entrar para o Segundo Turno? Moro, Mourão, Mandetta? Tarcísio, Eduardo Leite ou algum outro? Por quê?

Assinantes premium podem dar sua opinião para que seja publicada na próxima edição. Basta responde a esta newsletter. Peço que as respostas por texto tenham no máximo 500 toques; por vídeo, no máximo 2 minutos. 


As leis fundamentais da política brasileira 

Faça o que eu digo, não faça o que eu faço. Os políticos e brasileiros interessados em política conseguem, sem o menor constrangimento, agir no dia a dia de forma contrária a suas ideologias. 

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O PSOL carioca tentando contratar funcionários fora da CLT me lembrou um dos textos mais divertidos que li recentemente. Trata-se de um capítulo do livro "A base moral de uma sociedade atrasada", do cientista político Edward Banfield. Ele enumera leis de comportamento de uma sociedade sem nenhuma confiança. Uma delas é puro PSOL carioca:  "Não haverá conexão entre um princípio político abstrato (ideologia) e o comportamento concreto nas relações ordinárias do dia a dia".  E assim temos o socialista que ignora pobres, o defensor da CLT que contrata por PJ, o ativista contra agrotóxicos que usa inseticida elétrico em casa. 

Um abraço e bom fim de semana, 

Leandro Narloch

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