O Estado de Direito e o Devido Processo Legal no Brasil
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O Estado de Direito e o Devido Processo Legal no Brasil

Muito tem se falado sobre ameaças ao "Estado de Direito", ultimamente. Mas o que esse termo significa? Um dos seus princípio basilares é o devido processo legal, ou seja, alguém só pode ser considerado culpado se a investigação e o julgamento forem f

Leandro Ruschel
5 min
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Muito tem se falado sobre ameaças ao "Estado de Direito", ultimamente. Mas o que esse termo significa? Um dos seus princípio basilares é o devido processo legal, ou seja, alguém só pode ser considerado culpado se a investigação e o julgamento forem feitos dentro do que estabelece a lei, com amplo direito de defesa. Essa é a realidade brasileira?

No caso do Inquérito das "Fake News", foram abertas investigações pelo Supremo com base numa leitura exótica, para dizer o mínimo, do Regimento Interno da corte, que fala num inquérito especial, conduzido por ministro, em caso de crime acontecendo "nas dependências do tribunal".

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O artigo foi interpretado da seguinte forma: onde está um ministro, está o tribunal. Se alguém ameaça, calunia, difama ou injuria um ministro, tal crime estaria abarcado pelo regimento interno. O presidente da corte abriu o procedimento e indicou o ministro Moraes como relator.

O ministro Celso de Mello questionou a escolha do relator sem sorteio, mas foi voto vencido. Por sua vez, o relator apontou delegados específicos da PF para trabalhar no caso. A PGR pediu arquivamento, por interpretar que se tratava de procedimento ilegal, o que foi negado, apesar de farta jurisprudência do próprio Supremo deixando claro o poder do MP para arquivar investigações.

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No Senado, os deputados Alessandro Vieira e Randolfe Rodriges chegaram a iniciar movimento pelo Impeachment dos ministros Toffoli e Moraes por conta da abertura do inquérito, justamente pelo fato dos ministros assumirem a posição de vítima, investigador, acusador e julgador.

Em abril/19, Moraes decidiu censurar matéria da Revista Crusoé que vazava depoimento de Marcelo Odebrecht, afirmando que o presidente do Supremo seria o "Amigo do amigo do meu pai" nas conversas entre executivos da Odebrecht. Sob pressão da imprensa, a censura foi levantada.

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Em agosto/19, ainda no âmbito do mesmo inquérito, Moraes suspendeu investigações da Receita Federal contra 133 autoridades, incluindo esposas de ministros.

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O clima geral na imprensa era de condenação do inquérito, até o momento que ele se transformou num instrumento de perseguição aos conservadores. Neste momento, ele passou a ser defendido pela militância de redação. Antes disso, até mesmo veículos de esquerda eram críticos.

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A partir da abertura da CPMI das Fake News, utilizada como instrumento para criminalização da direita, e palco de um conflito interno no PSL, partido do presidente, o inquérito tomou novo rumo. Nereu Crespim, uma das testemunhas da CPMI e do Inquérito, confessou a trama:

Em maio de 2020 ocorreu uma operação contra dezenas de ativistas conservadores, sob a justificativa de depoimentos de opositores do presidente e ancorados no fato que tais pessoas criticaram o Supremo, pedindo o Impeachment de ministros, e seguiam-se nas redes!

Dezenas de contas foram censuradas, e pessoas chegaram a ser presas na esteira das investigações, com a abertura de outros inquéritos. Na decisão, um dos motivos alegados foi que tais pessoas afirmavam que a corte seria uma "vergonha nacional", ou pediam impeachment de ministro.

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Com a repercussão do caso, os ministros resolveram chancelar o inquérito, mesmo com todos os questionamentos jurídicos envolvidos. Apenas o ministro Celso de Mello ficou contra. O espírito de corpo prevaleceu, acima dos preceitos constitucionais.

Ainda assim, a decisão que referendou o inquérito deixou claro que ele deveria seguir com as seguintes condições: 1) Deveria ser acompanhado pelo MP; 2) Deveria ser observada a súmula vinculante 14; 3) Limitado ao escopo; 4) não deveria avançar sobre a liberdade de expressão.

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Sem prejuízo do questionamento da legalidade de tal procedimento, claramente exótico em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, para usar um eufemismo, vamos avaliar se o desenrolar do inquérito tenha obedecido à decisão do colegiado. 

1) O Ministério Público já pediu arquivamento do caso, não sendo respeitado. Posteriormente, com a flexibilização desse entendimento pelo PGR Aras, o MP passou a ser ouvido após decisões serem tomadas, ou simplesmente não teve seus pareceres aceitos.

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2) A Súmula 14 envolve uma decisão do Supremo que garante AMPLO acesso dos advogados aos elementos de prova durante qualquer processo investigatório. Diversos advogados de investigados no inquérito afirmam que NÃO CONSEGUEM acesso aos autos integrais do processo.

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3) O escopo do inquérito seriam "ataques" ao tribunal e aos ministros, mas é bastante subjetiva tal definição. Como vimos, até mesmo afirmar que o tribunal seria uma "vergonha", ou o pedido de impeachment de ministro, algo previsto na Constituição, foi considerado "ataque".

4) O próprio ministro Moraes, durante um julgamento prévio ao inquérito, proferiu apaixonado discurso em defesa da liberdade de expressão, afirmando que "quem não quer ser criticado, fique em casa”, se referindo a autoridades. É isso que estamos observando, nesse inquérito?

Já temos mais de 3 anos (!) de inquérito aberto, com dezenas de pessoas censuradas e até presas, enquanto alguns recursos estão sendo julgados apenas AGORA pelo plenário. A maioria desses recursos envolvem o mero pedido de vistas.

No dia que o julgamento de recursos nesse inquérito começou em plenário virtual (11/08), o ministro lançou nota para "tornar pública a relação dos agravos que serão julgados", que aparentemente não eram do conhecimento nem mesmo dos advogados dos investigados. 

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Não podemos esquecer que depois de uma verdadeira DEVASSA imprópria na vida de diversos cidadãos honestos, cujo único crime foi ter uma determinada inclinação política, não foram encontradas evidências da existência de uma "organização criminosa financiada para promover discurso de ódio", pois de outra forma, elas já teriam vindo a público. Até agora, as acusações são subjetivas e em pouquíssimos casos houve a apresentação formal de denúncia pelo Ministério Público.

Enquanto tudo isso acontece, somos obrigados a ler manifestos acusando o presidente de atentar contra as leis e a democracia! As garantias fundamentais e o devido processo legal estão sendo respeitados nesses inquéritos supremos? Quem, afinal, tem atacado o Estado de Direito?