UTILIZAÇÃO DE MAQUINÁRIO PESADO PARA OPERAÇÕES DE RESGATE
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UTILIZAÇÃO DE MAQUINÁRIO PESADO PARA OPERAÇÕES DE RESGATE

VALE A PENA UTILIZAR MAQUINÁRIO PESADO EM OPERAÇÕES BREC E DE SOTERRAMENTO?

LÉO FARAH
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O uso de maquinário pesado em situações de resgate e salvamentos nas operações de bombeiros sempre foi algo controverso e que gera vários questionamentos. A utilização de máquinas pesadas como retro-escavadeiras, escavadeiras, guindastes visa agilizar o atendimento de uma operação de salvamento seja de deslizamentos, estruturas colapsada, ou qualquer outro resgate que envolva uma vida em perigo.

Sob essa ótica devemos verificar acima de tudo os riscos e benefícios de uma operação como essa, uma vez que o resgate de operações de soterramento podem ser extremamente demoradas ja que retirar da terra através de técnicas de intervenção manual (escavação com pás) podem demorar varias horas, alem de serem desgastantes e haver a necessidade de empregar um grande contingente no local. Já as operações de busca e resgate em estruturas colapsadas envolvem locais extremamente pequenos, apertados, muitas vezes até  mesmo caracterizados como espaços confinados, havendo havendo a necessidade de retirar grandes estruturas de concreto armado, criar espaços para que as equipes avancem em locais inacessíveis para retirar uma vitima.

O primeiro fator a ser considerado portanto é, QUAL O TIPO DE OPERAÇÃO QUE ESTAMOS LIDANDO, Resgate x  Recuperação?

Vale lembrar que quando falamos de resgate, trata-se de uma pessoa viva que precisa  ser localizada, estabilizada e transportada para um local onde o atendimento será continuado.

Já a recuperação trata-se de uma vitima sem vida, com sinais evidentes de morte ou onde as probabilidades estatísticas nos mostram que as chances de vida sao mínimas.

Portanto, quando se trata de recuperação de corpos necessitamos também de uma base estatística de taxa de sobrevivência para cada tipo de operacao.

Em se tratando de uma operação de busca e resgate em estruturas colapsadas, a INSARAG nos seus cursos de formação de primeiros respondedores e com base em estudos internacionais, mostra que as pessoas tem grandes chances de sobreviveram nos "bolsões de ar"  , os espaços vitais isolados, um espaço mínimo necessário, um involucro que proteja a vida após um terremoto, ou uma estrutura ter sido colapsada, seja por uma bomba, seja pro um problema estrutural construtivo.

Espaço vital isolado - (figura livre wikihow) disponivel em: https://www.emergency-live.com/health-and-safety/surviving-an-earthquake-the-triangle-of-life-theory/
Espaço vital isolado - (figura livre wikihow) disponivel em: https://www.emergency-live.com/health-and-safety/surviving-an-earthquake-the-triangle-of-life-theory/

Como pode ser observado no gráfico, as chances de sobrevida de uma pessoa nas primeiras horas chega a ser maior do que 90% sendo que a partir das primeiras 24 horas essa chance cai para 81% praticamente zerando depois das 120 primeiras horas.  

TAXA DE SOBREVIVÊNCIA - Curso de primeiro interventor da INSARAG (2017)
TAXA DE SOBREVIVÊNCIA - Curso de primeiro interventor da INSARAG (2017)

Em 2005 depois de um forte terremoto uma mulher conseguiu sobreviver 63 dias entre os escombros, em um espaço vital isolado, mas isso é um ponto fora da curva. Quando tratamos de operações de soterramento a prática nos mostra que a taxa de sobrevivência é muito menor, pelo fato de que a terra ocupa os espaços vazios dos espaços vitais, principalmente em deslizamentos causados pelo excesso de precipitação pluviometrica, uma vez que a água da chuva penetre em locais de difícil acesso junto com o solo.

Os casos de sobrevivência por longos períodos acima de 24 horas soa raros. Na região serrana do RJ um pai sobreviveu com seu filho por mais de 15 horas em 2011 e há relatos de que um indiano sobreviveu por 6 dias em uma avalanche em 2016. Geralmente a morte em soterramentos é causada por asfixia mecânica pelo peso em cima do tórax da pessoa. apesar de nao estar tampando vias aéreas, a grande quantidade de terra ou solo, impede que a vitima faca a expansão toráxica.

Desta maneira tomaremos como base os estudos que mostram a possibilidade de sobrevida de até 5 dias em um espaço vital isolado, independente de uma operação de estrutura colapsada ou de uma operação de soterramento

As máquinas comumente utilizadas pesam mais de 2 toneladas, o peso deste maquinário em se tratando de um soterramento por exemplo, é transmitido de partícula em partícula do solo de acordo com a teoria da mecânica dos solos.

Em materiais como a água, que são os mesmos em praticamente todos os lugares (isotrópico)  , a intensidade da vibração diminui com a distancia  1/r2, (metade do raio ao quadrado) ou seja, o peso de um maquinário é distribuído e transmitido em todas as direções do solo, mas os solos, as estruturas colapsadas nao são isótrooicos. Diferentes tipos de solo e rocha transmitem as vibrações de forma diferente, de maneira que materiais mais coesos como a argila transmitem com maior e melhor intensidade.

A influencia de qualquer carga perto de uma escavação, perto de uma intervenção ou de um trabalho operacional de resgate pode causar o colapso. Qualquer material escavado  e ações externas que apliquem uma carga ao solo podem afetar a estabilidade do local de intervenção através da zona de influência.

Para fins de nivelamento de conhecimento a OSHA, departamento americano que regulamenta operações de segurança, recomenda que veículos pesados fiquem no mínimo ha 1 metro de distância de um local de intervenção e que estes veículos permaneçam desligados por conta das vibrações provocadas.

Distância mínima de veículos em locais de intervenção - fig (o autor)
Distância mínima de veículos em locais de intervenção - fig (o autor)

Além do fato de que as máquinas podem interferir com vibrações no terreno e provocarem acomodações de escombros bem como colapso de trincheiras, nos locais de intervenção, a utilização de retroescavadeiras podem provocar lesões na vitima como decapitação, amputação de membros durante o resgate, não restando a possibilidade de saber, por exemplo, se uma vítima totalmente soterrada estava viva ou não quando acessada.

No dia 22/01/2020 uma guarnição do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais foi atender um chamado de soterramento em uma obra onde dois funcionários estavam totalmente soterrados sem contato visual ou verbal. Os bombeiros confeccionaram uma caixa de proteção e iniciaram da intervenção mecânica com escavações manuais. Cerca de uma hora após o inicio da intervenção os militares localizaram uma das vitimas vivas. O relato do comandante da operação nos dá uma real dimensão de como é importante essa avaliação

Nesta ótica vale a pena realizar uma avaliação de risco e benefício em relação a utilização do maquinário, principalmente onde há condições de haver espaços vitais que possam criar células de sobrevivência para vítimas. Saber o histórico da ocorrência e quais estruturas foram soterradas, se casa de madeira, casa de alvenaria estrutural ou estrutura com armação de metais faz toda a diferença ao fazer a avaliação da cena. Vale ressaltar que muitas vezes o solo desprendido em soterramento pode estar suficientemente agregado colaborando para existência desse tipo de espaço.

Conforme tratado em literatura de desastres da OCHA INSARAG, vale considerar como nula a chance de vítima viva após 120 horas do momento do ocorrido. Antes de 120 horas pode-se combinar a técnica de buscas de cães de odor específico de cadáver, se o cão sinalizar ativamente e o cão de confirmação também sinalizar, pode ser avaliado como um cenário de recuperação e não de resgate.

Portanto, em caso de vítimas com possibilidade de vida, há que se avaliar muito bem antes de empregar os maquinários pesado, tendo plena consciência que a sua utilização pode acarretar um provável ferimento ao soterrado e eliminação de espaços vitais existentes.

O maquinário pesado não só representa um risco para a vítima soterrada, mas também para as pessoas que trabalham próximo da operação, uma vez que apresentam vários pontos cegos que muitas vezes impedem que o operador da máquina visualize quem está próximo do local da intervenção.  É Necessário portanto que haja uma pessoa que seja responsável por fazer a comunicação direta com o operador, que auxilie no direcionamento da intervenção a fim de evitar acidentes mais graves.

Cabe ressaltar que a decisão de utilizar o maquinário pesado é do militar mais antigo do local mas a avaliação de risco e beneficio deve ser levada em consideração para resgates, recuperações, numero de militares na cena e rapidez com que os trabalhos serão desenvolvidos com a utilização deste ferramental.


LINK COM AUDIO SOBRE A OPERAÇÃO COM UM SOTERRADO VIVO: clique aqui


Leonard de Castro Farah, Capitão do Corpo de Bombeiros                                                            Mestre em Engenharia Geotécnica de Desastres Naturais - UFOP                                            Disaster Management Specialist - JICA TOKYO JP
Especialista em Redução de Risco e Desastres pela ONU.                                                        Especialista em Gestão de Desastres pela UNESCO                                                                        Graduado em Ciências Militares com ênfase em Catástrofes - APM MG                                        Pós Graduado em Gestão de Emergência e Desastres pela UFF-RJ