Notícias de última hora
0
0

Notícias de última hora

            Era um dos seus passatempos preferidos: esperar até às seis horas para ir à frente da televisão e assistir ao jornal da tarde — pois aqueles que passavam de manhã, ela não conseguia ver por causa da escola.

Lucas Recalde
0 min
0
0

            Era um dos seus passatempos preferidos: esperar até às seis horas para ir à frente da televisão e assistir ao jornal da tarde — pois aqueles que passavam de manhã, ela não conseguia ver por causa da escola.

            Seus colegas e amigos estranhavam aquela atitude, pois enquanto eles corriam para ver desenhos animados, ela não: ela sempre esperava, ansiosíssima, para ver o telejornal.

            Os pais dela, no começo, também acharam estranho, mas após assistirem a uma palestra com um famoso educador, resolveram incentivá-la e poucos minutos antes das manchetes serem anunciadas, a família inteira posicionava-se frente à televisão. “Pelo visto, ela será uma grande jornalista” pensavam os pais.

            Os anos foram passando e a mania de preferir o telejornal aos demais programas foi aumentando e, mesmo na adolescência, quando suas amigas esperavam para assistir à novela após o jornal, ela não: continuava ansiosíssima pelas notícias.

            Quando chegou à hora do Exame Nacional do Ensino Médio, sua família já “sabia” o que ela escolheria: “jornalismo”. Não deu outra: pai, mãe e filha debruçados sobre livros, apostilas e videoaulas na esperança dela conseguir uma vaga no curso tão almejado. Infelizmente, não foi de primeira, mas de segunda vez que seu nome apareceu na lista de aprovados para o curso de jornalismo em uma das universidades públicas de sua cidade. Que alegria!

            Após toda a agitação, como toda boa universitária, ela viu-se não só sem dinheiro, mas sem esperanças, pois as xeroxes eram caras, os lanches eram caros... tudo era muito caro... Porém, ela persistiu!

            Finalmente a formatura chegou e, junto a ela, um bônus: uma vaga de emprego justamente no telejornal que ela, durante toda a vida, assistiu — mesmo quando as outras pessoas a chamavam de “estranha”.

            Era real! Era verdade! Apesar de não aparecer em frente às câmeras ainda, ela tinha um lugar na primeira fileira; área vip! Para ela, era como estar no “maior espetáculo da terra”, especialmente quando chegava à sua parte preferida — a parte a qual ninguém sabia e que era, na realidade, o real motivo dela tanto gostar de assistir ao telejornal: a parte das tragédias.

            Quando criança, à primeira vez ao ver a âncora noticiar com tanta veemência e teatralidade um acidente onde uma família inteira havia falecido, fez com que seu sangue fervesse e seu coração disparasse. Ver e ouvir aquela notícia injetou em seu corpo uma onda de adrenalina que ela não havia sentido nem mesmo quando ficou de cabeça para baixo no brinquedo “Kamikaze”. Se já era assim só de assistir, imagine, então, dar a notícia.

            Por ser extremamente dedicada, logo ela assumiu, quando na ausência da âncora principal, a bancada do telejornal — e, mesmo não sentido tanta emoção quanto queria, ela esforçava-se ao máximo para parecer autêntica e profissional.

&nbsp; Foto de&nbsp;<a href="https://www.pexels.com/pt-br/@cottonbro?utm_content=attributionCopyText&amp;utm_medium=referral&amp;utm_source=pexels">cottonbro</a>&nbsp;no&nbsp;<a href="https://www.pexels.com/pt-br/foto/cidade-meio-urbano-moda-tendencia-3888217/?utm_content=attributionCopyText&amp;utm_medium=referral&amp;utm_source=pexels">Pexels</a>
  Foto de cottonbro no Pexels

            Eis, então, que a “grande praga”, uma doença terrível que logo se espalhou pelos quatro cantos do mundo, chegou à sua cidade: por dia, mortes e mais mortes passaram a acontecer — causadas, também, pelo colapso no sistema de saúde. A cereja do bolo, no entanto, ainda estava por vir: a âncora padrão faleceu por causa da doença, deixando o caminho aberto para ela. Nada podia ser mais perfeito!

            “Boa noite!” Ela anuncia após às chamadas das notícias. “Começamos nosso jornal com uma notícia triste: a nossa âncora é a mais nova vítima desta doença terrível”. Apesar de seu esforço em parecer triste, não era necessário ser um especialista em expressões faciais para perceber a alegria que ela estava a sentir a dar a notícia. O jornal segue com mais e mais notícias trágicas: para ela, finalmente seu momento havia chegado: não por assumir a bancada, mas porque o mundo estava praticamente a acabar e era ela a responsável por dar a notícia.