Abordagem de ensino socioconstrutivista na alfabetização X Abordagem de ensino explícito na alfabetização
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Abordagem de ensino socioconstrutivista na alfabetização X Abordagem de ensino explícito na alfabetização

Abordagem de ensino não é o mesmo que método de alfabetização.

Mariane Assis Dias
12 min
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Abordagem de ensino não é o mesmo que método de alfabetização.

Logo, socioconstrutivismo não é sinônimo de método de alfabetização, assim como ensino explícito também não é.

O que é método?

Conjuntos de práticas para chegar a um fim. Para Magda Soares em seu livro “Alfabetização: a questão dos métodos” (2021) – o método de alfabetização é como um conjunto de procedimentos que, fundamentados em teorias e princípios, orientam a aprendizagem inicial da leitura e da escrita.

O que é abordagem?

Enquanto que a abordagem compreende as perspectivas teóricas que subjazem aos métodos e práticas pedagógicas, perspectivas a respeito da natureza da linguagem, da leitura-escrita e do ensino –aprendizagem da língua escrita, bem como a maneira de se conceber a organização do ensino (Benedetti, 2020).

O que é o socioconstrutivismo?

No livro “A falácia socioconstrutivista” (2020) a autora aponta que o socioconstrutivismo como temos hoje é decorrente da aglutinação dos processos de adaptação das teorias psicológicas de Piaget e Vygotsky para a área educacional. Inicialmente as contribuições dos autores discorriam sobre o desenvolvimento humano no campo da psicologia, mas a educação se apropriou de suas conclusões. A partir do construtivismo de Piaget que se referia à perspectiva de maturação biológica e hereditária do indivíduo e do marxismo dialético de Vygotsky, que coloca a linguagem e os conhecimentos historicamente construídos no centro do processo de desenvolvimento do psiquismo humano. Vygotsky defendia que o desenvolvimento das habilidades cognitivas humanas seria resultado das relações do individuo com o meio, mediados pela linguagem. No entanto, com o avanço dos anos já se refutou a ideia de que a linguagem que engendra o psiquismo humano, mas exatamente o oposto: é a natureza do pensamento que configura a natureza da linguagem. Foi a linguagem que se desenvolveu a partir das características intrínsecas do pensamento humano e não o contrário. O socioconstrutivismo, portanto, não é um método, é uma teoria ou uma abordagem pedagógica. Piaget e Vygotsky fundamentavam as teorias do desenvolvimento cognitivo na perspectiva interacionista e consideraram a interação indivíduo-meio e a mediação desse processo como fundamentais para o desenvolvimento cognitivo (Benedetti, 2020).

Para Piaget (2017), não se pode moldar a criança de fora, a questão é encontrar o meio e os métodos convenientes para ajudar a criança a constituí-la por si mesma. A criança deveria ser autônoma no ato de aprender.

O socioconstrutivismo e a alfabetização

Especificamente na etapa da alfabetização, a concepção construtivista foi inserida a partir dos trabalhos desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky acerca da aquisição da linguagem escrita pela teoria da psicogênese.

Em 1984 as autoras levantaram a seguinte hipótese: “O sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é aquele que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito o qual espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele por um ato de benevolência. É um sujeito que aprenda basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo em que organizar seu mundo. Podemos supor que esse sujeito cognoscente está presente na aprendizagem da língua escrita? Nós achamos que a hipótese é válida” (Ferreiro & Teberosky, 1999).

Desde então as autoras partiram do pressuposto – de que apropriar-se do sistema de escrita é um processo natural, tanto quanto aprender a falar – e essa apropriação ocorreria naturalmente em um contexto de inserção da criança em situações em que haja razão e objetivo para compreender e ser compreendido por meio da escrita, ou seja, essa apropriação ocorreria naturalmente em um contexto de inserção da criança na cultura escrita -, a faceta linguística da alfabetização não demandaria ensino explícito e sistemática, conforme apontou Soares (2021).

Ferreiro equipara a aprendizagem da escrita com a fala também ao afirmar que – “não se aprende um fonema, nem uma sílaba e nem uma palavra por vez, também a aprendizagem da língua escrita não é um processo cumulativo simples, unidade por unidade, mas organização, desestruturação e reestruturação contínua (Ferreiro, 2011).

Na sua ideia central a abordagem socioconstrutivista na educação rejeita métodos de alfabetização, e propõe uma “desmetodização”. Soares (2021) elenca que “um novo paradigma opôs aos métodos sintéticos e analíticos de alfabetização, fundamentando-se em objetivos e pressupostos radicalmente diferentes, no quadro da matriz teórica do cognitivismo piagetiano, o novo paradigma afirma, ao contrário, a prevalência da aprendizagem sobre o ensino, deslocando o foco do professor para o aprendiz; esclarece que o processo de aprendizagem da língua escrita pela criança se dá por uma construção progressiva do princípio alfabético, do conceito de língua escrita como um sistema de representações dos sons da fala por sinais gráficos; propõe que se proporcione à criança oportunidades para que construa esse princípio e esse conceito por meio de interação com materiais reais de leitura e de escrita – textos de diferentes gêneros e em diferentes portadores: textos ‘para ler’, e não textos artificialmente elaborados ‘para aprender a ler’, apagando-se, assim, a distinção, que métodos sintéticos e analíticos assumem, entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas de leitura e de escrita – teoria psicogênese”.

Esta abordagem se baseia em acreditar que a criança é capaz de construir seu próprio conhecimento estando ela imersa em um ambiente de interações sociais e que o professor não ensina, mas é apenas um guia desse processo. Diante desse contexto a abordagem socioconstrutivista coloca o aluno na posição de próprio aprendiz a partir da sua interação com o meio e que o professor deve adotar uma atitude de intervenção ou mediação a partir das hipóteses levantadas pela criança. Assim, os métodos necessários para avançar na aprendizagem são desqualificados e as reflexões sobre a língua devem ser espontâneas e ocorrerem de maneira natural como parte do desenvolvimento cognitivo da criança. Nesse ponto que a abordagem socioconstrutivista foi incorporada ao método de alfabetização global, amplamente disseminado e defendido no Brasil. Nesse método de alfabetização considera-se a leitura como acesso direto ao significado, ou seja, utiliza-se textos e contextos para a criança aprender a ler. Na concepção socioconstrutivista na alfabetização a leitura seria algo natural, inata, decorrente do simples contato da criança com a oralidade, premissa já refutada nas últimas décadas sobre a aquisição da leitura. Uma vez que aprender a ler não é natural e todas as crianças podem se beneficiar de um ensino explícito.

A relevância da abordagem de ensino explícito na alfabetização

Diante disso, defender uma abordagem socioconstrutivista é ignorar as evidências sobre a natureza do aprendizado os achados mais recentes já solidificados pela área da ciência da leitura. E isso significa limitar a oportunidade de todas as crianças aprenderem a ler. Uma vez que crianças com melhores níveis sociais e econômicos possuem melhor desenvolvimento da linguagem oral e assim conseguem levantar um maior número de hipóteses sobre a linguagem autonomamente. No entanto, as crianças desfavorecidas socioeconomicamente se tornam ainda mais vulneráveis e com hipóteses sobre a linguagem mais limitada.

Byrne (2005) identificou que as crianças aprendizes podem se encontrar em duas categorias: i) crianças dependente-do-aprendiz (alto capital cultural letrado) e que têm níveis mais altos de conhecimentos, habilidades e experiências relacionadas à leitura, promovidas principalmente em um ambiente rico de literacia familiar e, ii) crianças dependentes-do-meio (baixo capital cultural letrado), com níveis mais baixos de desenvolvimento da linguagem oral. Sobretudo nesse segundo caso, a instrução direta e explícita sobre a língua é o caminho que deve ser percorrido para alcançar a leitura e escrita. Em um trabalho complementar, Connor e colaboradores (2004; 2009) evidenciaram a importância da adequação dos métodos de alfabetização considerando as características dos alunos, se possuem alto ou baixo capital cultural letrado. Os autores ressaltarem que a abordagem socioconstrutivista é inadequada sobretudo para crianças com baixo capital cultural letrado e que quando a abordagem explícita, com a utilização de métodos sintéticos de alfabetização é utilizada ambas categorias de alunos foram beneficiados. Partindo dessas evidências considerar que a abordagem socioconstrutivista é adequada em um país desigual como o Brasil, onde a maioria das crianças tendem a se encaixar na categoria de crianças dependentes-do-meio é um erro e tem contribuído para as dificuldades de leitura e escrita que as crianças carregam durante os anos escolares.

Métodos de alfabetização e abordagens de ensino socioconstrutivista ou ensino explícito?

A abordagem socioconstrutivista não é um método, porém o método global assume uma abordagem socioconstrutivista. Visto que no Brasil, a influência da obra de Emília Ferreiro e Ana Teberosky - Psicogênese da língua escrita (1999) é predominante e as autoras defendem que a aquisição da leitura se dá como um processo dialético no qual o aprendiz enfrente as contradições que surgem do contato com o objeto de conhecimento (leitura-escrita), sendo estimulado a elaborar hipóteses sobre o funcionamento desse objeto dada através da inserção em um ambiente letrado. No entanto as hipóteses ocorreriam sem o domínio do princípio alfabético (Benedetti, 2020). E ao didatizar a teoria da psicogênese da língua escrita vemos uma aderência forte às práticas previstas pelos métodos globais de alfabetização, que parte das maiores unidades da linguagem (textos, frases ou palavras), para as menores (Letras e seus sons e sílabas).

Nesse ponto se encontram a abordagem socioconstrutivista e o método de alfabetização global, implementado massivamente no Brasil a partir da teoria da psicogênese da língua escrita, a partir de uma concepção de que a aprendizagem da leitura e da escrita é um desenvolvimento cognitivo natural do indíviduo. Assume-se que a aquisição da leitura é, em grande parte um processo no qual as crianças aprendem a usar várias pistas de identificação de palavras no texto, através de pistas textuais e contextuais e que são usadas para gerar hipóteses sobre o que está por vir e pistas grafofonêmicas são usadas para confirmação e autocorreção. O problema está em não reconhecer as habilidades estratégicas que envolvem a informação de natureza fonológica, que são de importância primordial no início da aprendizagem da linguagem escrita (Maluf & Cardoso-Martins, 2013).

E ao contrário do que afirmam os socioconstrutivistas, estudos cognitivos experimentais têm evidenciado, cada vez mais, que as dificuldades de leitura e escrita são minimizados pela intervenção fônica e que esses efeitos positivos são permanentes (Capovilla & Capovilla, 200). Assim como as evidências apontam que a utilização das relações letra-som para identificar palavras desconhecidas é o mecanismo básico para a aquisição de representações ortográficas das palavras e que é esse processo que fornece a base para a construção de representações ortográficas minuciosas e que são necessárias para o reconhecimento automático da leitura (EHRI, 2005).

Nesse ponto convém ressaltar que a abordagem socioconstrutivista ao se opor a um método, mesmo que esse método seja comprovadamente associado ao sucesso de aquisição da leitura-escrita e substitui a instrução explícita e sistemática, do mais simples ao mais complexo por práticas pedagógicas isoladas, estratégias didáticas desconectadas que não fornecem para a criança um caminho seguro para avançar na alfabetização. A abordagem socioconstrutivista é crítica ao método justificando-se no fato de que o processo intrínseco de desenvolvimento cognitivo da criança não deve ser acelerado ou condicionado por nenhum tipo de intervenção externa como a oferecida pelos métodos e que anulam o papel ativo do aprendiz na construção do seu próprio conhecimento. Benedetti (2020) cita que o presidente do instituto Alfa e Beto evidenciou que a insistência em se manter métodos globais de alfabetização é fruto da hegemonia socioconstrutivista na área pedagógica. O método fônico destacado anteriormente, não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para se chegar a alfabetização. Uma vez que evidências já apontaram que todas as crianças precisam aprender a mesma coisa (Dehaene, 2011; Seidenberg, 2017) e que decodificação fonológica das palavras é a etapa chave da leitura (Seabra e Capovilla, 2011), não há motivo para não se ensinar e esperar que a criança alcance, ou nunca alcance, essa conclusão sozinha.

Nisso tudo, vemos que a ciência da leitura é completamente ignorada, porque ela já refutou todas as premissas sobre a aquisição da leitura-escrita e adota-se majoritariamente uma abordagem socioconstrutivista, que coloca a conquista da leitura-escrita como um resultado da interação entre o meio e o indivíduo.

O socioconstruvismo não deu no certo?

E engana-se quem afirma que a abordagem socioconstrutivista ou a teoria da psicogênese não dá certo no Brasil porque ela foi mal interpretada ou mal implementada, na verdade é ao contrário, por ser tão bem e amplamente implementada que a alfabetização não dá certo por aqui, visto que, conforme apontou Simplício e Haase (2020), “boa parte da formação educacional brasileira defende que a aprendizagem é uma atividade que deve ser construída pelo aluno”, o professor adotando assim, uma função de mediação na aprendizagem, como um guia, mas não como um detentor do conhecimento que deve ser transmitido de maneira explícita de uma pessoa para outra, no caso a criança, que ainda não sabe.

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Referências

Benedetti, K. S. A falácia socioconstrutitivista – Kirion, 2020.

Byrne, B. Theories of learning to read. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Ed.) The science of reading: a handbook. Oxford: Blackwell, p. 104-119, 2005.

Capovilla, F. C.; Seabra, A. Efeitos do treino de consciência fonológica em crianças com baixo nível sócio-econômico. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2000, vol.13, n.1, pp.07-24. ISSN 1678-7153.  2000.

Dehaene, S. Os neurônios da leitura. 2011.

Ferreiro; E; Teberosky, A. 1999. Psicogênese da língua escrita. Penso.

Ferreiro, E. Com todas as letras. – 17º ed. – São Paulo: Cortez, 2011.

Piaget, J. Psicologia e Pedagogia. Tradução Dircey Accioly Lindoso e Rosa Maria Ribeiro da Silva – 10 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017.

Seabra, A.; Capovilla, F. 2011. Problemas de leitura e escrita. Memnom.

Simplício, H.; Haase, V. Pedagogia do fracasso – 1º ed. – Belo Horizonte: Editora Ampla, 2020.

Seidenberg, M. Language at the Speed of Sight: How We Read, Why So Many Can't, and What Can Be Done About It. Basic Books; Reprint edição (6 março 2018). 2017.

Soares. M. Alfabetização: a questão dos métodos. – 1. ed. 5º reimpressão – São Paulo: Contexto, 2021.