Como assim as letras têm sons?
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Como assim as letras têm sons?

As letras tem nomes, isso já sabemos e estão organizadas em um sistema alfabético. Mas que as letras tem sons, será você já parou para refletir sobre isso? E que esses sons referem-se aos fonemas, no nível mais abstrato, e que os sons efetiva...

Mariane Assis Dias
14 min
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As letras têm nomes, isso já sabemos e estão organizadas em um sistema alfabético. Mas que as letras têm sons, ou melhor, que as letras representam valores sonoros, você já parou para refletir sobre isso? Esses sons referem-se aos fonemas, no nível mais abstrato, e que os sons efetivamente emitidos são os fones, produzidos pelo nosso aparelho fonador. 

Na linguagem oral, ou seja, na fala, emitimos os sons das letras coarticulados em sílabas: inclusive, aprendemos a falar por sílabas, por exemplo: MAMA, DADA, PAPA. 

Por esse motivo e pesquisas também demonstram que a noção de que a linguagem falada é composta de sequências desses pequenos sons que são representados pelos sinais gráficos das letras não surge de forma natural, espontânea ou fácil em nós, seres humanos. Sem a instrução direta a percepção dos sons da fala escapa completamente a 25% dos estudantes do primeiro ano, ou sejam, a cada 100 alunos, 25 deles não terão nenhum consciência quanto a isso (Adams, 2006). Na educação a incapacidade ou a dificuldade em perceber e manipular esses sons da fala implicarão em dificuldades para a aprendizagem da leitura e escrita. Pois, sabe-se que conhecer e identificar os sons das letras significa aumentar a capacidade e a habilidade de promover a leitura bem sucedida na alfabetização.

Este conteúdo disponível exclusivamente no presente artigo não é disponibilizado na faculdade, assim como outros conhecimentos essenciais para você aprender como alfabetizar qualquer criança. Por este motivo vou ministrar aulas gratuitas sobre alfabetização e lhe apresentar tudo o que a faculdade não ensinou. Antes de seguir a leitura do artigo, garanta a sua vaga nas aulas gratuitas: CLICANDO ABAIXO 

Os sons das letras - quais são os fonemas?

Então, a grande questão é: se essa percepção não é natural, onde se encaixa o conhecimento dos sons das letras na educação de uma criança? 

Importante ressaltar que em uma linguagem oral mais rica, através de boa trocas e interações em diálogos e leitura em voz alta compreendem também indicadores de melhor desenvolvimento e desempenho em leitura. Porém só isso não basta, é preciso instruir e ensinar a criança a prestar atenção nessas unidades menores da fala. Não apenas nas sílabas ou nas palavras que falamos. Além disso, crianças que não foram expostas a um ambiente oral rico através de interações verbais de qualidade e leitura em voz alta realizadas pelos principais cuidadores se beneficiam do ensino explícito dos sons da fala. 

Morais (1995), Seabra e Capovilla (2010) defendem que o ensino das letras pode e deve ocorrer na pré-escola, ainda no ensino infantil. Aos três ou no máximo aos quatro anos de idade, a maioria das crianças está cognitivamente apta para aprender a ler e escrever e é benéfico o ensino explicito e instruído dos sons das letras. Isso não significa que iremos alfabetizar crianças a partir dos 3 anos, mas sim que começaremos a desenvolver habilidades essenciais e preditoras de sucesso para a alfabetização. 

Montessori (2017) também defendeu a instrução das crianças antes dos 6 anos, em seu livro “A descoberta da criança - pedagogia científica” a autora contextualiza o início de um trabalho estruturado na “Casa da Criança” que envolvia desde o estímulo da autonomia das crianças com atividades de vida prática até instruções sensoriais e diretas dos sons das letras, em suas palavras: 

“[…] eu também me achava enganada pelo preconceito de que somente mais tarde é que se deveria encetar o ensino da leitura e da escrita, aprendizado esse que deveria ser evitado até a idade dos seis anos. Mas, no decorrer desses poucos meses, as crianças pareciam perguntar que conclusão tirar desses exercícios que as haviam tão surpreendentemente desenvolvido.”

Os sons das letras estão presentes na etapa da consciência fonêmica que por sua vez, não é apenas conhecer os sons que as letras representam, mas de analisar e refletir de forma consciente sobre a estrutura da linguagem oral. É o entendimento de que todas as palavras são compostas por sequências de sons individuais, os fonemas. A consciência fonêmica é um conhecimento explícito e reflexivo de que os sons da linguagem oral podem ser separados um do outro e que é possível categorizá-los de uma maneira que permita compreender como as palavras são escritas. Então aqui já percebemos claramente a utilidade do domínio dessa habilidade, para avançar na escrita que é um outro tipo de linguagem. É permitir que um ser humano passe de uma linguagem oral, falada, para a linguagem textual, lida e tão logo, escrita. Esse é o papel utilitário da consciência fonêmica. Um papel grandioso que permitirá que um ser humano saia da condição de analfabeto para alfabetizado. Pois é através da decodifição dos sons das letras que a criança fará a leitura e posteriormente a escrita.  

A consciência fonêmica então é mais ampla do que apenas conhecer os sons das letras, é a habilidade de perceber e manipular os sons das palavras, sendo capaz de identificar por exemplo, o primeiro e o último som de uma palavra, isolar sons, segmentar sons individuais de uma palavra, assim como sintetizar ou aglutinar os sons e formar uma palavra.

Diante disso, quando podemos dizer que a consciência fonêmica está desenvolvida? Basta saber os sons das letras? Não, isso é uma parte. 

A consciência fonêmica estará desenvolvida quando a criança é capaz, por exemplo de segmentar oralmente uma palavra em seus fonemas constituintes ou formar uma palavra subtraindo o fonema inicial e adicionando um outro fonema, assim formando uma nova palavra, como na palavra Mala, ao subtrair o fonema M, o que resulta? Ala. Ainda, ao ouvir uma palavra como MEIA, a criança deve ser capaz de emitir os sons isolados das letras.

Muita confusão se faz entre consciência fonêmica e consciência fonológica, mas defendo aqui que se tratam de conceitos diferentes. A consciência fonêmica está presente em uma habilidade maior que é a consciência fonológica. Embora a consciência fonêmica seja o ponto alto da consciência fonológica durante a pré-alfabetização, ou seja, nas etapas que antecedem a alfabetização, ela não é a única habilidade a ser desenvolvida nessa fase. 

A consciência fonológica é composta por 4 habilidades: consciência de rimas e aliterações, consciência de palavras e frases, consciência de sílabas e consciência fonêmica, veja na figura abaixo. 

Figura 1: As habilidades da consciência fonológica. 
Figura 1: As habilidades da consciência fonológica. 

Nesse artigo o foco é a consciência fonêmica e mais especificamente, os sons das letras. Em oportunidade posteriores as demais habilidades serão exploradas e conceituadas. 

  • Como ensinar os sons das letras?

Depois dessa introdução que objetivo foi esclarecer a importância da consciência fonêmica para o ser humano vamos direto ao ponto: como ensinar os sons das letras?

Primeiro ponto: a apresentação dos sons das letras durante a pré-alfabetização não depende da criança já conhecer os nomes e grafias das letras. Ainda que apresentemos a grafia da letra, seu nome e o som que ela representa, esse não é o momento para se dar ênfase somente aos nomes e grafias. Pois nessa fase o objetivo é fazer a criança perceber os sons das letras na linguagem oral e não é necessário nenhum contato com a linguagem textual. O problema está na forma com que é feita comumente a apresentação das letras, a qual se dá pela memorização das formas das letras e pelos nomes delas. Nesse momento comumente não há nenhuma menção aos sons das letras e ensino explícito nesse sentido. 

Considerando esse cenário, a possibilidade é trabalhar os sons das letras em paralelo, através da apresentação de cada som e dramatizações que associem aos sons das letras e após esse trabalho o educador conduz a criança a pensar nos sons das letras do seu nome, por exemplo, ao aparecer cada letra o educador pode evidenciar os seus sons. 

Chamo aqui de dramatização de sons o seguinte: ao apresentar um som para a criança associe a algo, por exemplo, no som da letra A aberta como em Água diga peça para a criança lhe imitar tentando espirrar: AAAAtchim. Faça a abertura da boca e sustente o som da letra A. Dessa forma você estará associando o som a uma dramatização. 

Importante deixar claro que a apresentação dos sons das letras pode ocorrer conjuntamente a exposição aos sons e memorização pelas crianças a associação entre os grafemas (formas das letras) e fonemas (sons das letras). O essencial é não esquecer de apresentar a parte mais importante da letra: o valor sonoro que ela representa, os fonemas.

Ou seja, mesmo que a criança já tenho sido apresentada na escola ou pela família a letras, nomes e formatos, a partir de agora que você tem consciência da relevância da consciência fonêmica, então sempre que aparecer as letras você poderá ressaltar e dar ênfase aos sons. Prefira explicitar os sons das letras ao invés de chamar a letra simplesmente pelo nome. Se a criança disser o nome da letra peça sempre para ela emitir o som. Dessa forma a consciência dos sons das letras vai se expandindo.

Segundo ponto: Qual a ordem para apresentação dos sons das letras?

O mais importante é você saber que as letras não devem ser apresentadas por ordem alfabética. O alfabeto existe para ordenar o sistema alfabético e para utilização, por exemplo do dicionário. 

O melhor caminho é apresentar as letras considerando algum critério de dificuldade. Como tudo na vida precisamos partir do mais fácil ao mais difícil, tal como ocorre com os bebês, primeiro se aprende a rolar, depois a engatinhar, a andar com apoio, a andar sem apoio, correr, pular, saltar, etc. 

Mas então como definir o que é mais fácil e o que é mais difícil? 

Neste artigo proponho começar pelas vogais e seguir pelas consoantes fricativas cujos sons podem ser estendidos por mais tempo e facilitam a sua percepção, seguida das consoantes oclusivas. Explicarei os termos citados no decorrer do texto. 

  • Quais são os sons das letras?

Importante você saber também que os sons da fala resultam da ação dos nossos órgãos sobre a corrente de ar vindo dos pulmões. Então para ter som precisa de algumas condições, mas basicamente da corrente de ar vinda dos pulmões e do aparelho fonador, conhecido como órgãos da fala, como pulmões, laringe - cordas vocais, faringe, boca, língua, fossas nasais, lábios. Logo, de uma forma simplista o som é produzido da expiração desse ar pelo aparelho fonador. 

Os sons são produzidos considerando todo o aparelho fonador e são caracterizados e podem ser percebidos pelo modo de articulação, ponto de articulação, o papel das cordas vocais e o papel da cavidade bucal e nasal.

Diante disso os sons que ao serem produzidos exigem menor habilidade articulatória e são mais facilmente percebidos são as vogais. Os sons vocálicos não exigem habilidade articulatória muito grande. 

As vogais são sempre sonoras (vibram as cordas vocais) e não há obstrução na passagem do ar, as cavidades supralaríngeas estão abertas ou entreabertas à passagem do ar. Nas consoantes, por outro lado sempre há na cavidade bucal algum obstáculo. 

Na Figura 2 separei em duas colunas os sons das vogais orais e nasais e sugeri dramatizações que podem ser feitas para ajudar a criança a memorizar os sons das letras.  Note que as vogais orais dividem-se entre vogais abertas ou semi-abertas e fechadas ou semi-fechadas. Perceba que nesses casos as vogais têm variações de 7 sons (considerando que a vogal A apesar de ter as variações; aberta ou fechada, o som não se altera). Além dos sons nasais, quando as vogais, por exemplo, antecedem as letras M e N ou são acentuadas pelo til. É importante apresentar as variações pois os sons se alteram nas palavras e através desse contato prévio a criança já saberá disso. 

Figura 2: Apresentação dos sons das vogais. 
Figura 2: Apresentação dos sons das vogais. 

Nas consoantes a corrente expiatória sempre encontra alguma obstrução para a passagem do ar, quando a obstrução for total chamamos de consoantes oclusivas e parcial as consoantes constritivas. Veja na figura 3 logo abaixo o quadro que preparei com as consoantes separadas quanto ao modo e ponto de articulação, ou seja, onde o obstáculo (total ou parcial) será produzido na cavidade bucal. 

Figura 3: Apresentação das consoantes segundo modo e ponto de articulação. 
Figura 3: Apresentação das consoantes segundo modo e ponto de articulação. 

Agora vou explicar brevemente para você sobre o ponto de articulação das consoantes, que pode ser então:

  • Bilabiais: formadas pelo contato entre os lábios.
  • Labiodentais: formadas pela constrição do ar entre o lábio inferior e os dentes superiores.
  • Linguodentais: formadas pela aproximação ou contato do pré-dorso da língua a face interna dos dentes incisivos superiores. 
  • Alveolares: formadas pelo contato da ponta da língua com a raiz dos dentes incisivos superiores.
  • Palatais: formadas pelo contato do dorso da língua com o céu da boca ou palato duro.
  • Velares: formadas pelo contato da parte posterior da língua com o véu palatino. 

Na figura 3 as consoantes comumente divididas em pares podem apresentar confusão na emissão ou identificação do som pela criança, nesse caso uma maneira eficiente e que ajuda a desfazer confusão de som é orientar a criança a observar a vibração das cordas vocais. Veja por exemplo as letras F e V, ambas são constritivas do tipo fricativas e têm também o mesmo ponto de articulação, labiodental, porém elas se diferenciam quanto ao papel das cordas vocais, na letra F as cordas vocais não vibram e são chamadas de surdas ou menos sonoras enquanto que na letra V elas vibram, ou seja, são mais sonoras. Peça para a criança colocar a mão na garganta e sentir a vibração. 

Ressalto também que o importante na apresentação das consoantes é fazer a criança prestar atenção nos sons emitidos e esse conhecimento sistematizado sobre o modo e ponto de articulação não precisa ser apresentado a todas elas. Chame a atenção para o som através de atividades orais, como leitura em voz alta de textos que evidenciam as letras trabalhadas ou trava-línguas. Procure também sustentar os sons das consoantes constritivas por mais tempo e oriente a criança a fazer o mesmo, isso ajuda ela a perceber o som mais facilmente. Nas consoantes oclusivas que não é possível a sustentação do som explique a criança que o ar sai da boca como se fosse uma explosão, como se saísse um arzinho também. Se ainda assim a confusão persistir você pode chamar a atenção da criança para as articulações que produzem o som, usando de um recurso visual e articulatório. 

O educador quando domina as características das consoantes conforme descrevi nas linhas acima consegue conduzir melhor o ensino dos sons das letras e ajudar a desfazer confusões simples. Para casos mais sérios é necessário sempre o acompanhamento de um profissional, como fonoaudiólogo. Visto que há crianças com dificuldades de emissão dos sons por diferentes razões, inclusive por conta de algum limite articulatório dos órgãos da cavidade bucal. 

  • Como explicar os sons das letras?

As sugestões de dramatizações dos sons das consoantes segue abaixo: 

Tabela 1: Sugestão de dramatização dos sons das consoantes. 
Tabela 1: Sugestão de dramatização dos sons das consoantes. 

Importante ressaltar que os sons das letras exigem treino constante até isso se tornar natural para você e principalmente para as crianças. No começo pode soar estranho emitir os sons isolados e ensinar também, mas como tudo, com a prática vai ficando mais simples e fácil. O caminho até dominar o método é longo mas eficiente. 

Por fim, volto ao segundo ponto que comentei anteriormente e compartilho uma sugestão de ordem de apresentação dos sons das letras, confira na figura 4. Perceba que nessa sugestão o ensino começa pelas vogais, depois para as consoantes constritivas (F, V, S, Z, X, J, L, R), para as consoantes oclusivas nasais (M e N) e por fim, as orais (P, B, T, D, C, G). 

Figura 4: Sugestão de ordem de apresentação dos sons das letras. 
Figura 4: Sugestão de ordem de apresentação dos sons das letras. 

Encerro por aqui esse conteúdo, espero que tenha sido útil.

E se você chegou até aqui ou até chegou a imprimir esse documento, quero lhe dizer que somos parecidas (os), quando comecei a estudar há alguns bons anos atrás eu andava pra cima e pra baixo com folhas e folhas, estudando sempre que dava e quando dava. Eu pessoalmente gosto muito de ter um papel bem sólido na minha frente, isso me ajuda a memorizar e estudar melhor. Se eu tivesse algo parecido com o que estou oferecendo aqui, naquela época teria me poupado muitas buscas, alguma frustradas outras de sucesso, que me fizeram chegar aqui e compartilhar isso com você. 

E para contribuir ainda mais com o seu conhecimento sobre tudo que envolve a alfabetização, além do conhecimento das letras e os seus sons, vou ministrar aulas gratuitas. Inscreva-se logo abaixo para participar das aulas gratuitas sobre alfabetização:

Grande abraço, com carinho

Mariane.

Referências 

Seabra, A.; Capovilla, F. 2010. Alfabetização: método fônico. São Paulo, SP: Editora Memnom. 

Adams, M. 2006. Consciência fonológica em crianças pequenas. Porto Alegre, RS: Editora Artmed. 

Montessori, M. 2017. A descoberta da criança - pedagogia científica. Campinas, SP: Editora Kirion. 

Morais, J. 1969. A arte de ler. São Paulo, SP: Editora Unesp. 

Seabra, A.; Capovilla, F. 2010. Alfabetização: método fônico. São Paulo, SP: Editora Memnom.