Matrícula 2023: O que esperar da escola do ponto de vista pedagógico?
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Matrícula 2023: O que esperar da escola do ponto de vista pedagógico?

No livro “A boa e a má educação”, Inger Enkvist aponta que há um consenso social sobre a importância da leitura para a sociedade, no entanto, “abundam os lugares-comuns fomentados pelas tendências pedagógicas construtivistas, predominantes em...

Mariane Assis Dias
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No livro “A boa e a má educação”, Inger Enkvist aponta que há um consenso social sobre a importância da leitura para a sociedade, no entanto, “abundam os lugares-comuns fomentados pelas tendências pedagógicas construtivistas, predominantes em nossos planejamentos educativos ocidentais nas últimas décadas”, conforme palavras dos especialistas em educação Jorge Martínez Lucena e Luís Seguí Pons, que escreveram o prólogo para Inger.

Para eles, “a leitura é boa e é o que nos torna mais humanos, porque desenvolve em nós elementos que nos fazem ser mais nós mesmos, porque abre nossa imaginação e porque nos leva a compreender e a ter experiências da própria vida através da vida de outros personagens, ou das perguntas de determinados pensadores. Ademais, permite-nos ter empatia pelos outros, compreender seus modos de pensar e estabelecer um diálogo com eles que nos permita chegar a soluções comuns e inteligentes, num mundo como o nosso, amplamente necessitado do uso da razão e da busca de critérios efetivos e comuns para enfrentar e superar os múltiplos problemas que nos colocam. Mas, apesar de tudo, a influência das novas tecnologias e dos novos meios num contexto de experimentos pedagógicos, como os que foram promovidos nesses últimos anos, permite que as novas gerações que chegam à universidade tenham muitas vezes dificuldades na hora de ler textos mínimos”.

Os especialistas colocam que essa dificuldade impacta negativamente na vida de qualquer pessoa. No Brasil, é possível observar isso acontecendo: falta do domínio da linguagem, fruto da leitura insuficiente e limitada capacidade de interpretação de textos, produzindo milhares de analfabetos funcionais. Segundo dados do Indicador de Analfabetismo Funcional 3 a cada 10 brasileiros são considerados analfabetos funcionais (INAF, 2018). O INAF é realizado em jovens e adultos de 15 a 64 anos e a pesquisa contempla 5 níveis , sendo 2 deles referentes aos analfabetos funcionais (1 – Analfabeto; 2 – Rudimentar) e Funcionalmente Alfabetizado (3 – Elementar; 4 – Intermediário e, 5 – Proficiente). No nível  proficiente, apenas 34% das pessoas que cursaram ou estavam cursando o ensino superior encontravam-se nesse nível. A maioria das pessoas estava no nível elementar e 4% dos analfabetos funcionais tinham  ensino superior. O que chama atenção é a baixa concentração de pessoas no nível proficiente, que se refere ao que se esperaria de qualquer pessoa, ou da maioria, após anos de escola, como a elaboração de um texto como uma mensagem, descrição, exposição ou argumentação com base em elementos de um determinado contexto e opine sobre o posicionamento ou estilo do autor e que se faça uma interpretação de tabelas e gráficos com mais de duas variáveis.

Os dados brasileiros colocam em evidência o que a autora aponta no livro citado anteriormente, a abordagem pedagógica da “nova pedagogia” forma a cada ano pessoas incapazes de dominar o uso da linguagem, compreender o que leem, expressar as suas ideias e discernir entre fatos e opiniões. Para a autora esse “feixe de propostas educativas se caracteriza por enfatizar ao máximo a liberdade do aluno e se combina com o uso demasiado de computadores, internet, trabalhos em grupo, que são elementos colocados como as grandes chaves educativas para preparar o aluno de hoje para um futuro brilhante no mercado de trabalho”. E qual o grande problema da “nova pedagogia”? A tese que a autora defende em seu livro é que o aprendizado da língua, que é a base para todo o conhecimento que vem a seguir, é muito melhor quando segue a educação conhecida como “tradicional” porque esta desenvolve a língua de um modo sistemático e contínuo. O excesso de liberdade, na educação guiada pela construção de significados, levantamentos de hipóteses e incentivo a descobertas é ainda pior para crianças que dependem demasiadamente de um ensino sistemático e bem estruturado da língua, como por exemplo, crianças com dislexia.     

Na “nova pedagogia” a meta principal da educação passou a ser a convivência e não a aprendizagem e os “professores passam a serem simples organizadores da jornada escolar”, conforme citado pela autora. Nesse sentido o aluno se torna o centro do processo pedagógico, Inger Enkvist relata que em vez de aprender a partir de alguém que sabe mais do que o próprio aluno, ele é estimulado “aprender a aprender” e o professor deve encontrar maneiras atraentes, criativas e lúdicas de aprendizagem, despertando a motivação dos alunos. Portanto, mantenha-se atenta ao ouvir essas palavras grifadas em um contexto que se coloque o aluno no centro da aprendizagem. Obviamente o aluno é parte importante do processo, mas o conhecimento não está dentro dele, nem os meios necessários para aprender, essa é uma defesa da teoria construtivista que afirma que “o conhecimento do ser humano consiste numa construção de ideias e estruturas no cérebro e que tudo o que sabemos está guardado no cérebro”, conforme definido por Inger. Nessa teoria defende-se que se o conhecimento já está guardado, não é necessário ensinar e tampouco alguém que ensine, o professor é um mero coadjuvante do processo. O grande problema disso é que para aprender a ler é preciso exatamente “aprender”. O cérebro não está preparado para a leitura, não é algo inato, o que acontece é que diferentes partes do nosso córtex tornaram essas regiões mais aptas para serem reconvertidas, baseado no que se sabe sobre reciclagem neuronal, que faz o novo com o velho, dada pela margem de plasticidade cerebral. 

Se a linguagem é tão importante para o desenvolvimento do ser humano então é igualmente importante que alguém ensine efetivamente como se dá esse processo desde o início. Quando o professor deixa de ensinar, supõe-se que os alunos podem se formar a si mesmos e nenhuma formação sólida decorrerá disso. Por esse motivo é preciso se manter atenta a essas frases vazias e slogans escolares que prometem promover a autonomia da criança, a sua liberdade, descoberta, criatividade, convivência, construções e que colocam o professor como mediador do conhecimento, quando na realidade a abordagem da “nova pedagogia” não fornece aos alunos conhecimentos sólidos que lhes permitirão à frente ser verdadeiramente autônomos ao ler um livro e compreender eficiente a sua mensagem. Ou seja, não lhes arma com uma visão do sistema alfabético, partindo do que é mais simples para a criança compreender ao que é mais complexo, favorecendo então em um ensino sistematizado.

Se aprender a ler é tudo menos natural, o que você como mãe ou professora deve estar atenta para a escola fornecer ao aluno ou você ser essa pessoa que verdadeiramente ensina?

Ponto 1: Se ao procurar escolas para a criança e se deparar com essas frases ou palavras que citei, o que fazer?

O importante é conferir na escola o que a coordenação pedagógica quer dizer com cada uma dessas frases e como é abordado o ensino da língua, ou seja, a aprendizagem da leitura. Isso mesmo para crianças ainda na fase da pré-alfabetização, aos 4 anos.

De fato há ou não um ensino explícito sobre a linguagem, as crianças na escola começam a aprender como a nossa língua se estrutura?

Atenção, pois podem lhe dizer que você está se preocupando demasiadamente e que não é hora de pensar nisso. Fique atenta a esse tipo de resposta, o primeiro ponto de uma escola é ela ter o ensino sistemático que conduz a um fim. No ensino da língua o fim é a aprendizagem da leitura, a alfabetização. Não se trata de alfabetizar aos 4 anos, mas estimular corretamente a aprendizagem desde a educação infantil e para isso algumas habilidades preditoras podem ser desenvolvidas. Vou citar algumas delas e isso pode lhe servir como guia para saber se a escola valoriza um ensino explícito e sistemático:

1 -  Conhecimento do princípio alfabético: reconhecer que a letra tem uma forma gráfica, um nome e principalmente, representa um som;

2 - Consciência fonológica que refere-se às habilidades metafonológicas de rimas e aliterações, frases e palavras, sílabas e fonemas.

3 - Conhecer as grafias das letras e a capacidade de escrever seu nome ou letras isoladas.

4 - Memória fonológica que refere-se também a memória auditiva de curto prazo, ou seja, a criança relembrar algo que acabou de ouvir.

Todas essas habilidades são preditoras de sucesso na alfabetização, pois terão relação com a capacidade da criança desenvolver a decodificação de palavras, bem como a facilidade maior de acesso ao dicionário léxico mental, etapa essencial para desenvolvimento da leitura e fluência leitora. 

Gansz et al (2015) apontou que uma série de estudos internacionais tem mostrado a relevância de intervenções e desenvolvimento das habilidades citadas acima no contexto escolar, principalmente quando iniciadas na educação infantil e isso reforça a relevância da implementação de programas de estimulação precoce da aprendizagem nessa fase visando o sucesso na aquisição da leitura. Sabendo que há habilidades preditoras de sucesso da alfabetização o desafio é implementá-las nessa fase, ainda que a importância delas seja negligenciada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) conforme explorado no artigo anterior.  Na educação infantil, segundo a BNCC, a criança deve, portanto, como direito: Conviver/Brincar/Participar/Explorar/Expressar/Conhecer-se e desenvolver as seguintes condições:

•         De conviver com o outro demonstrando empatia  percebendo que as pessoas são diferentes;

•         Comunicar suas ideias e sentimentos usando a comunicação oral;

•         Reconhecer diferentes culturas e modos de vida;

•         Compreender o cuidado com o corpo e o com o ambiente;

•         De equilibra-se durante realização de movimentos e gestos na exploração do espaço;

•         Buscar uma coordenação motora global de modo que consiga explorar o espaço físico com certo controle e destreza / coordenação motora fina de maneira que consiga segurar um lápis, usar uma tesoura, montar peças de encaixe;

•         Expressar-se por meio de desenhos, pinturas;

•         Expressar-se por meio da linguagem oral, escrita espontânea;

•         Recontar histórias e experiências vividas;

•         Levantar hipóteses sobre a escrita e leitura reconhecendo a sua função social (importância como forma de comunicar e interagir com o outro e com o meio- ampliando contextos sociais);

•         Reconhecer diferença simbólica e sonora entre letras e números;

•         Reconhecer, identificar  e pronunciar as letras do alfabeto;

•         Classificar objetos/imagens através de semelhanças e diferenças;

•         Relacionar números às respectivas quantidades;

No entanto, o grande problema é que a base pautada numa abordagem socioconstrutivista aponta apenas que a criança deverá “levantar hipóteses sobre a escrita e leitura”, e quanto as letras do alfabeto ser capaz de “reconhecer, identificar  e pronunciar as letras do alfabeto”, mas não aponta efetivamente quais são as habilidades preditoras e preparatórias para a alfabetização. Esse conhecimento não está evidente para todas as escolas e milhares de professoras não sabem o que uma criança precisa aprender e os benefícios de um ensino eficaz e transmissivo, de um adulto que sabe o que precisa fazer, para uma criança que precisa aprender. Pois, esse tipo de ensino é apontado como retrógrado ou tradicional. Porém é o tipo de ensino sistemático que toda criança precisa.

A educação infantil não deve se fechar apenas em desenvolver a criatividade e o pensamento crítico das crianças pequenas, mas de fato, fornecer à criança, ainda na educação infantil, as bases que ela precisa desenvolver para aprender a ler. Simplício & Haase (2020) concluem que os programas caracterizados por um componente instrucional são mais eficazes e que portanto isso deve fazer parte da base curricular de toda instituição de ensino séria e de bons programas de alfabetização, seja na escola, casa ou em atendimentos particulares.

Para os alunos que ingressarão no primeiro ano a atenção deve ser dada efetivamente à alfabetização. Para isso é importante checar, além das habilidades preditoras, como a escola conduz a alfabetização: qual método de alfabetização é utilizado, se é um método global ou analítico; ou, sintético, ainda, se não há um método único utilizado e se dispõe um pouco disso e um pouco daquilo para alfabetizar uma criança. 

Para finalizar, especificamente para as mães, procure saber os meios de acompanhar o desenvolvimento e avanços da criança, por exemplo, a PNA (2019) prevê que é possível a criança aprender a ler ainda no primeiro ano e o teste de fluência a ser implementado nesse contexto determina que um leitor hábil deve ser capaz de ler 60 palavras por minuto com precisão; a escola está interessada em seguir esse posicionamento e o acompanhamento do desenvolvimento da leitura das crianças? Essa é uma questão importante a ser colocada para a coordenação pedagógica. Não se trata de velocidade ao ler, mas crianças que leem adequadamente, com fluência, velocidade e entonação, conseguem compreender melhor. Sendo a compreensão leitora o objetivo final da alfabetização é importante avaliar como está o andamento dessa atividade. Ou, nossas crianças correm o risco de não serem devidamente acompanhadas e as dificuldades não serem detectadas precocemente. Com isso a criança carrega ao longo dos anos de formação sérias lacunas que se tivessem sido identificadas precocemente poderiam ter sido devidamente preenchidas.

Por fim, que nossas crianças não estejam expostas a ambientes escolares que não se sabe o que ensinar e pior, encontrando com pessoas incapazes de ensinar corretamente. A mudança na educação deve vir da formação dos professores e escolas e os pais têm papel central nessa mudança, de cobrar que a educação seja eficiente. Finalizo com uma reflexão de Inger Enkvist: “aos pais se lhes recordará que a educação de seus filhos não é coisa sem importância, e que esta não se dará de modo espontâneo. É necessário prestar atenção ao lento e penoso processo educacional, e acompanhá-lo suficientemente. Às famílias é dada a urgente mensagem de que não devem delegar algo tão importante para o futuro de seus filhos como sua formação e sua aprendizagem, e de que, portanto, é necessário comprometer-se com medidas concretas”.

Mariane Assis Dias

Referências

Enkvist, I. 2020. A boa e a má educação. Kírion.

Gansz, J. C. et al. 2015. Programa de estimulação cognitive “ativamente” para o ensino infantil. Rev. Psicopedagogia. 32(97).

INAF, 2018. Instituto Paulo Montenegro.

Simplicio, H.; Haaese, V. 2020. Pedagogia do fracasso. Ampla.