CR7, eu e você: até onde vai nosso ativismo?
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CR7, eu e você: até onde vai nosso ativismo?

Refrigerante não é uma bebida saudável. Tem uma quantidade enorme de açúcar. A gente come e bebe muita coisa com valor nutricional nulo ou negativo simplesmente porque é gostoso, tem sabor agradável, dá prazer. Há milênios que alimentação é t...

Maurício Barros
3 min
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Cristiano Ronaldo tirou o refrigerante da sua frente na coletiva. A Uefa, claro, não gostou.
Cristiano Ronaldo tirou o refrigerante da sua frente na coletiva. A Uefa, claro, não gostou.

Refrigerante não é uma bebida saudável. Tem uma quantidade enorme de açúcar. A gente come e bebe muita coisa com valor nutricional nulo ou negativo simplesmente porque é gostoso, tem sabor agradável, dá prazer. Há milênios que alimentação é também cultura, e não apenas sobrevivência. E também satisfação de sentidos, e não apenas obtenção de energia. 

Eu não consigo mais tomar refrigerante como fiz por anos na minha vida. Um simples gole já não me agrada mais, por ser muito doce. E tem o peso de eu saber que aquilo não me faz bem. Açúcar demais, sódio demais... Assim também acontece com outras comidas saborosas. Ainda não me livrei da água tônica, mas tenho procurado restringi-la aos drinques de sábado e domingo. Faz parte das minhas indulgências (há outras), as quais compenso durante a semana com refeições mais espartanas e exercício físico.

O mais emblemático refrigerante já inventado, a Coca-Cola, uma das maiores empresas do mundo, ganhou as manchetes neste meio de Junho porque uma queda de suas ações foi relacionada com o gesto do craque Cristiano Ronaldo, que disputa com Portugal a Eurocopa: em uma coletiva de imprensa, ele afastou duas garrafinhas do refri que estavam à sua frente e apontou sua preferência por tomar água. Superatleta conhecido pela obsessão por saúde e forma física, CR7 já revelou que está sempre chamando a atenção de seu filho para os males do consumo de refrigerantes. 

A queda das ações da Coca, depois ficou demonstrado, se deveu a outros fatores que compõem o movimento normal do mercado de ações, e não ao gesto de Cristiano. Foi uma coincidência. Mas, claro, o bafafá que se criou nas redes com o vídeo do craque foi enorme e muitos ainda associam os dois fatos como causa e efeito. 

Creio que não seja difícil encontrar uma maneira de demostrar que algum dinheiro da Coca-Cola já foi parar na conta do Cristiano Ronaldo. A empresa é, tradicionalmente, um dos maiores patrocinadores do futebol.  A Coca, aliás, produz várias outras bebidas, inclusive a água engarrafada que CR7 mostrou preferir beber naquele dia. Uma rápida pesquisa na internet permite ver o craque, em momentos diferentes da carreira, fazendo propagandas de fast food e cerveja, além de uma peça para o mesmo refrigerante veiculada no mercado asiático. Seria, então, hipocrisia do craque? Aceitou o dinheiro,  mas agora vai renegar os produtos?

E nós com isso? Bem, se você é um trabalhador, vende sua mão-de-obra para alguma empresa. E tem que estar muito confiante ou ser muito alienado para poder bater no peito e dizer: "Trabalho para uma empresa que só traz benefícios para a humanidade. Não há nada que a desabone, nem uma telha de vidro sequer". 

Danos ambientais, exploração de trabalhadores, práticas monopolistas de mercado, sufocamento de pequenos concorrentes, lobbies, financiamento de políticos, sonegação de impostos... É vasto o leque de encrencas que podem ser associadas às companhias na economia de livre mercado. Evidentemente, existem aquelas mais comprometidas em atenderem a boas práticas e às novas demandas de um público consumidor cada vez mais sofisticado e preocupado com as questões de seu tempo. Essas empresas devem ser reconhecidas e estimuladas. 

Mas volto ao meu ponto: todas as atividades no livre mercado têm seus problemas – alguns mais graves, outros menos. Se você fuçar, certamente vai achar alguma questão que pode ir contra seus princípios. Mas, nem por isso, você, necessariamente, vai pedir demissão ou deixar de prestar serviço para aquela empresa, porque, afinal, precisa sobreviver. Se levar essa postura ao limite, pode não ter mais onde trabalhar. Vai de cada um o quanto aquela questão lhe afronta ou violenta e o quanto você pode prescindir de um trabalho específico.

Mas você nem eu somos Cristiano Ronaldo. Ele, sim, pode hoje abrir mão de muita coisa por princípios. Se quiser virar um ativista pela alimentação saudável e ir para o confronto com as indústrias de alimentos ultraprocessados, dando rosto e voz a uma causa nobre, pode fazê-lo sem prejuízo de sua vida confortável e milionária. Seria incrível, inclusive, se o fizesse, dada sua relevância global. Desconfio que não o fará.