Os desafios de uma Olimpíada "Unissex"
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Os desafios de uma Olimpíada "Unissex"

Nunca me esquecerei daquela imagem que surgia, ao vivo e in loco, diante dos meus olhos: Oscar Pistorius, atleta dos 400m com barreiras, correndo na pista do Estádio Olímpico de Londres com próteses nas duas pernas, em formato de ponto de int...

Maurício Barros
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Tudo junto e misturado: a sociedade anda – e o esporte deve ir atrás
Tudo junto e misturado: a sociedade anda – e o esporte deve ir atrás

Nunca me esquecerei daquela imagem que surgia, ao vivo e in loco, diante dos meus olhos: Oscar Pistorius, atleta dos 400m com barreiras, correndo na pista do Estádio Olímpico de Londres com próteses nas duas pernas, em formato de ponto de interrogação invertido. Ao seu lado, rivais com pernas naturais. Talvez você se lembre, mas eu reforço: não era mais uma prova paralímpica do sul-africano, e, sim, uma competição da Olimpíada de Londres – o revezamento 4 x 400m com barreiras.

Foi um momento sublime da história do Esporte. O primeiro atleta paralímpico a disputar uma prova olímpica! A humanidade derrubava ali uma barreira muito mais complexa do que aquelas enfileiradas na pista. Havia uma comoção nas arquibancadas e tribunas de imprensa. Atletas com e sem deficiência competindo lado a lado. Esse momento, entretanto, perderia suas cores com o que faria Pistorius no ano seguinte: matou a tiros sua namorada, a modelo Reeva Steenkamp. Condenado, Pistorius segue preso em Pretoria.

Os esportes – uns mais, outros menos – acompanham as transformações que acontecem nas sociedades. Invenções tecnológicas, aprimoramentos de materiais esportivos, novas técnicas de preparação física e suplementação nutricional... Tudo isso vai expandindo os limites da performance. A cada quatro anos (cinco, neste caso de Tóquio), a humanidade levanta mais um pouquinho seu sarrafo. Corre mais rápido,  salta mais alto, nada mais veloz, levanta mais peso etc.

Daquela prova de Londres para cá, novos debates brotaram de pistas, quadras e campos. Gênero, por exemplo. No vôlei brasileiro, temos o caso de Tifanny Abreu, mulher trans que atua no Bauru, uma das potências do vôlei feminino. Anos antes da cirurgia de redesignação, Tifanny jogou vôlei entre os homens como Rodrigo Abreu. 

O debate sobre transexualidade no Esporte teve seu marco emblemático em 2015, quando o COI (Comitê Olímpico Internacional) abriu a possibilidade de transsexuais competirem, desde que observassem certas condições, com destaque para os níveis de testosterona (Tifanny esteve, desde o início, de acordo com tais exigências).

Até pouco tempo, apenas hipismo e vela eram esportes onde se permitia homens e mulheres competindo entre si na Olimpíada. Em 2012, o tênis estreou as duplas mistas. Para os Jogos de Tóquio, foram criadas categorias mistas também na natação, triatlo, judô, tiro com arco e tênis de mesa. Vale lembrar que há uma grande diferença entre um jogo de duplas mistas de tênis de quadra ou tênis de mesa, onde há sempre um homem e uma mulher de cada lado, em relação a uma hipotética categoria "unissex" (pra usar um termo que combina com meus cabelos brancos) onde um homem enfrentaria uma mulher, individualmente. O que temos são equipes mistas.

Interessante pensar em como podem ser os Jogos daqui a 20 anos com a evolução desses debates. Quais modalidades trarão homens e mulheres competindo frente a frente, e não separados em dois mundos? Em que medida isso é possível? Em quais modalidades? A um primeiro olhar, alguns esportes me parecem mais aderentes a uma unificação: surfe, por exemplo, que estreia em Tóquio. O que impede uma surfista de fazer manobras tão ou mais radicais que Gabriel Medina e ter uma performance melhor em uma onda? Nada, tendo a achar. Mas é só um chute. Para virar opinião mais sólida, precisamos da Ciência.

Mais desafiadores parecem ser os esportes de contato físico: as lutas em geral, o levantamento de peso, algumas provas de atletismo, a natação (não por equipes, mas "unissex").  E os coletivos, como futebol, basquete e vôlei? Dá pra ter equipes mistas? Não sei, mas é muito interessante pensar sobre isso. Creio que maior desafio seja fazer essa reflexão sem se contaminar com preconceitos. As próteses de Pistorius lhe davam um impulso maior para correr que músculos naturais não conseguem alcançar, como chegou a ser dito por muita gente? Não sei, precisamos da Ciência. Tiffany leva vantagem no vôlei feminino, em termos de potência e impulsão, por ter se formado atleta de vôlei masculino? Não sei, precisamos da Ciência.

Da mesma forma, permitir a uma mulher lutar boxe contra um homem em equilíbrio competitivo será possível um dia? Não sei, precisamos da Ciência. E uma corredora disputar os 100 metros rasos, lado a lado, contra homens? Não sei, precisamos da Ciência. 

Os ventos da mudança vão continuar jogando essas questões na nossa cara. E aí, vamos encarar?