Os dois lados da festa olímpica
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Os dois lados da festa olímpica

Principal atleta brasileiro do levantamento de peso, Fernando Saraiva foi suspenso por doping e está fora da Olimpíada de Tóquio. Foi detectada uma dose de hormônio de crescimento (GH) muito acima do esperado para sua idade (31 anos). Saraiva...

Maurício Barros
3 min
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Principal atleta brasileiro do levantamento de peso, Fernando Saraiva foi suspenso por doping e está fora da Olimpíada de Tóquio. Foi detectada uma dose de hormônio de crescimento (GH) muito acima do esperado para sua idade (31 anos). Saraiva tinha chances de medalha. Esse é o quarto caso de doping de destaques dessa modalidade no Brasil nos últimos seis anos. 

O levantamento de peso brasileiro perdeu sua melhor chance de medalha. O motivo? Doping
O levantamento de peso brasileiro perdeu sua melhor chance de medalha. O motivo? Doping

Corta pra blogosfera: ouvi a ótima entrevista da saltadora Núbia Soares, brasileira que acaba de fazer o índice no salto triplo e estará em Tóquio, para o podcast Rumo ao Pódio, do Globoesporte.com. Entre outras coisas, ela contou que convive com dores crônicas no tendão de Aquiles. Os incômodos vêm e vão sem aviso, mas não a impedem de treinar e competir. "Esporte de competição não é sinônimo de Saúde", ela diz, em determinada altura.

A acusação de trapaça de Saraiva e a frase cortante de Núbia são faces paralelas de uma realidade que terá seu ápice a partir do próximo dia 23, data da Abertura dos Jogos (aliás, você poderá me ver todos os dias, depois do almoço, no Maratona, do Bandsports, que conduzirei ao lado de Kalinka Schutel).

A Olimpíada é uma festa maravilhosa da humanidade, uma fábrica de heróis, onde os limites do corpo humano são esticados a cada quatro anos. Este é um jeito de olhar o evento. Outra maneira de enxergar os Jogos é menos nobre. Há um submundo de trapaças no Esporte que nada tem a ver com disciplina, dedicação, talento. É pura ganância, busca da vitória a qualquer custo, mesmo que com métodos nefastos. O doping é uma indústria sofisticada e está sempre um passo à frente das autoridades reguladoras. Saraiva é peixe pequeno (ok, nem tão pequeno assim, um dourado, talvez...). Ben Johnson, Marion Jones, Lance Armstrong, esses sim, são pirarucus, lendas que caíram em desgraça após suas estratégias serem desmascaradas. E tem muito mais.

E há também, nessa visão, digamos, menos cor-de-rosa dos Jogos, a que tem a ver com a frase de Núbia. O esporte de alto rendimento não é uma atividade saudável. Castiga-se o corpo de um modo cruel em treinos diários e de altíssima exigência. Um atleta profissional convive com dores que não conseguimos imaginar. Não me esqueço de como Andre Agassi, um dos maiores tenistas da história, descreve em sua biografia o calvário que passava após cada partida em seus últimos anos de carreira. Em suas palavras, você até sente as pontadas. Foi marcante também o depoimento de Gustavo Kuerten, outro tenista top, em sua despedida das quadras, quando, em lágrimas, pedia desculpas aos torcedores pela aposentadoria antecipada, fruto do esfacelamento de seu quadril: "Eu não consigo mais", disse. 

Conversei sobre o tema com Fernando Meligeni, um dos maiores nomes da história do tênis brasileiro, semifinalista de Roland Garros e 25º mundo. Fininho, como é conhecido, conta que gerenciou dois problemas físicos durante sua carreira: no ombro e no joelho, ambos esquerdos. "É humanamente impossível, para um atleta profissional, atuar sem dor", diz. "Ainda hoje, com 50 anos, administro essas dores. Preciso fazer musculação, fortalecer essas estruturas, para desempenhar bem minhas atividades, pois minha semana prevê bastante tempo na quadra em meus projetos de clínicas e eventos", diz. "Mas eu sempre fui leve, carregando pouco peso, e muito flexível", afirma Fininho, que pesa, hoje, cerca de 4 quilos a mais que na época de atleta. Essa condição, segundo ele, o ajudou a prevenir muitos outros problemas.

Em meu livro "Descubra o Craque que há em Você", da Editora Buzz, lançado ano passado em parceria com meu amigo César Souza (e disponível nas principais livrarias físicas e virtuais), apresento casos do Esporte que servem de exemplo para nosso aprimoramento pessoal e profissional. O Esporte é um universo privilegiado de autoconhecimento e aprendizado. Mas é preciso estar atento a seus desvios. 

Atividades esportivas que proporcionam uma vida saudável, arejada, alegre e coletiva para nós, pessoas comuns, nada têm a ver com as premissas do alto rendimento. Há limites bem claros que não devem ser ultrapassados, tanto em termos de exageros de carga, frequência e performance, quanto de exigências por resultados que afetem, também, o equilíbrio psicológico. Um organismo saudável se constrói com doses ajustadas de estímulos, alimentação, recuperação, descanso.

Portanto, quando começarem os Jogos, é bom termos isso em mente: aquilo tudo é uma festa incrível, uma celebração das mais fantásticas modalidades lúdicas que os seres humanos foram capazes de inventar. Vamos curtir essa festa. E usar ídolos, recordes e conquistas para atrair o interesse de todos, principalmente das crianças, pela prática esportiva. É importante oferecer um leque de opções para que cada indivíduo encontre uma modalidade para chamar de sua e praticá-la. Esportistas de alto rendimento são uma elite de profissionais que têm seus próprios códigos e valores. É outro mundo, gente!