Ressacão Olímpico
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Ressacão Olímpico

Maurício Barros
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O Brasil deixa Tóquio-2020 com sua melhor campanha olímpica de todos os tempos: 21 medalhas – 7 de ouro, 6 de prata e 8 de bronze. Mesmo que a distância, daqui do Brasil, tive o privilégio de trabalhar intensamente nessa cobertura no Bandsports. Foi fantástico.

Desempenho histórico  não pode mascarar o corte brutal de investimento no esporte brasileiro
Desempenho histórico  não pode mascarar o corte brutal de investimento no esporte brasileiro

Quando olhamos os Jogos sob uma perspectiva histórica, costumamos associar a eles fatos que, rapidamente, identificam cada edição.

Claro que muito mais coisa acontece e é também significativa, mas, grosso modo, Berlim-36 foram os Jogos do Nazismo, onde Jesse Owens mostrou a Hitler o quanto eram imbecis suas ideias de superioridade étnica. Munique-72 foram os Jogos do Terrorismo, com os atentados à delegação israelense na Vila Olímpica. Moscou-1980 e Los Angeles-1984 foram os Jogos da Guerra Fria, com os boicotes de EUA e URSS, respectivamente. E por aí vai.

Tóquio-2020 serão, para sempre, lembrados como os Jogos da Pandemia, com postergação de um ano, dúvidas sobre sua realização até pouco antes do início, ausência de público.

Particularmente, além da Covid-19, esta Olimpíada já me marca por dois outros aspectos.

O primeiro é comportamental, cultural. Tóquio-2020 foram os Jogos onde um atleta do vôlei assumidamente gay conquistou o amor e a torcida de um país inteiro simplesmente podendo ser quem é. Onde um(a) atleta do skate se identificou como “não-binária(o)”. Onde um jogador de futebol celebrou um gol com gestos de orgulho de suas raízes religiosas africanas. Onde um esporte estreante, essencialmente urbano, trouxe crianças à competição em um clima em que competitividade e amizade são parceiras na celebração da felicidade sobre quatro rodinhas. E onde a principal estrela do evento, uma jovem ginasta negra, revelou sua humanidade ao desistir de competir na maioria das provas por não ter condições emocionais ­– e foi vista, pela decisão, como corajosa, e não frágil.

Tóquio também me marca pela preocupação com a realidade que os bons resultados brasileiros podem esconder. Este ciclo olímpico sofreu um corte brutal de investimento por parte do governo federal. Se, para a Rio-2016, houve 3,8 bilhões de reais em investimento estatal, esse valor foi reduzido praticamente à metade para o Japão (2 bilhões). Não se engane: no esporte de alto rendimento, o desempenho é diretamente proporcional ao investimento. Não tem mágica.

Mas como, então, o país fez mais com muito menos? A explicação está na duração desse investimento. O que foi destinado à Rio-2016 (verbas para atletas, profissionais de base, centros de treinamento, intercâmbio etc) frutifica por alguns anos para além daquela edição-fim. Ou seja: Tóquio-2020 colhe frutos do que se investiu para os Jogos do Rio. Mas, para Paris-2024, vale o mesmo raciocínio com expectativa inversa: esse corte orçamentário radical dos últimos anos pode se refletir em piora no desempenho da delegação brasileira. Ainda há tempo de minimizar esse reflexo, mesmo com um ciclo menor de três anos.

Investir em Esporte de Alto Rendimento é fundamental para um país como o Brasil, com uma vastidão geográfica e clima amigável. Ídolos são figuras inspiradoras, nobres iscas, levam milhões a praticar modalidades esportivas, o que se reflete diretamente nas questões de Saúde Pública. Um país que pratica esportes é mais saudável do ponto de vista físico e mental.

Temos que lutar para que o investimento volte aos patamares anteriores. O Brasil galgou mais um degrau em sua relevância esportiva global. Não podemos permitir um retrocesso como viveu Cuba, por exemplo, guardando as enormes diferenças quanto à origem dos investimentos. Com graves problemas econômicos, o sublime país caribenho viu despencar os recursos para o Esporte e vem, a cada edição dos Jogos, diminuindo sua performance. Fiquemos de olho.