Tem coisas que só a competição ensina
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Tem coisas que só a competição ensina

Tive a sorte de nascer com alguma aptidão esportiva, e o futebol tomou conta da minha vida desde a infância. Nunca tive nível nem "aquela vontade" para tentar ser profissional, mas sempre garanti um lugar cativo nos times da escola, do clube,...

Maurício Barros
3 min
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Cresci num ambiente perverso: só quem tinha aptidão podia usufruir dos esportes e suas lições
Cresci num ambiente perverso: só quem tinha aptidão podia usufruir dos esportes e suas lições

Tive a sorte de nascer com alguma aptidão esportiva, e o futebol tomou conta da minha vida desde a infância. Nunca tive nível nem "aquela vontade" para tentar ser profissional, mas sempre garanti um lugar cativo nos times da escola, do clube, da faculdade, até mesmo das empresas em que trabalhei. Aprendi muito disputando, durante mais de duas décadas da minha vida, os mais variados campeonatos amadores – competindo com meninos e jovens de outros clubes de elite como o meu (eu era sócio do São Paulo, um clube privado, mas estudava em colégio público) e com muitos times da várzea.

Rodei a periferia de São Paulo em campos esburacados, jogando contra garotos cuja realidade social era bem diferente da minha, e para muito pior. Houve até uma ocasião em que jogamos num terrão onde, na lateral, jazia um corpo baleado à espera de ser recolhido pela polícia.

Aprendi a conviver em diferentes ambientes socioeconômicos sem perder minha identidade. O esporte me ensinou muito, e várias dessas lições estão no livro "Descubra o Craque que há em Você", que lancei em outubro do ano passado, pela Editora Buzz, com meu amigo e co-autor César Souza, um dos mais respeitados consultores brasileiros em governança corporativa. O livro é um tributo ao Esporte como ambiente privilegiado para a Educação, aqui vista como formação para a plena Cidadania.

Há muito me preocupo com aquelas crianças que não demonstram aptidão para os esportes. Eu fui criado num tempo onde nem se falava a palavra "bullying". Me lembro, constrangido, de ocasiões onde eu e meus amigos do futebol fomos cruéis nas aulas de Educação Física com meninos e meninas que mostravam dificuldades em realizar movimentos, fosse com bola ou sem. Mesmo alguns professores tratavam essas crianças com indiferença. O resultado, certamente, foi terrível: um enorme contingente dessas crianças e adolescentes cresceu considerando os ambientes esportivos como hostis. São vítimas de uma ordem perversa. A tendência, óbvia, é o afastamento. Ninguém quer frequentar ambientes onde se sente marginalizado.

A consequência para a saúde física e mental dessa situação perversa é terrível para essas crianças, e vai cobrar seu preço também na vida adulta, em forma de sobrepeso, sedentarismo, tabagismo e doenças correlacionadas a esses males. 

Felizmente, de alguns anos para cá, o conceito de Esporte para Todos vem prevalecendo como diretriz em muitas escolas brasileiras. Louve-se também trabalhos fantásticos de instituições como o SESC, para o qual trabalhei por alguns anos, e que privilegia a inclusão e, não, a competição. São várias modalidades colaborativas, adaptadas, que trazem um enorme contingente de pessoas à atividade física. Fabuloso.

Mas eu volto à questão do quanto aprendi jogando bola. A competição no esporte pode ensinar muito. Eu aprendi a trabalhar em equipe, a reconhecer o valor de cada peça do time, a respeitar meus treinadores. Aprendi a perder e reconhecer valor no rival, mas entendi também que eu deveria me preparar melhor para poder vencê-lo. Aprendi a respeitar as regras, tanto as escritas quanto as veladas, estabelecidas pelos códigos de ética informais – jamais admiti, por exemplo, quem, na pelada, onde não há juiz, cavasse faltas ou reclamasse laterais que eram do adversário. E, com os inúmeros erros que cometi, aprendi também a me conhecer melhor.

Eu desejo um mundo muito mais colaborativo do que competitivo. Mas a competição é a realidade mandatória, e creio que será ainda por muito tempo. Nenhuma empresa dirá para sua concorrente: "Já ganhei muito nos últimos cinco anos, agora é sua vez de dominar o mercado".  O que precisamos ensinar para nossas crianças (e adultos, também, porque sempre é tempo de aprender e mudar) é que a competição deve se dar em um ambiente de lealdade, de respeito às regras, de ética, sempre visando o bem comum e o aprimoramento individual e coletivo. E que derrotas vão acontecer, e será preciso reconhecer o mérito do rival, aprendendo com ele para que, numa próxima oportunidade, seja possível superá-lo de acordo com as regras do jogo. 

Vejo um grande desafio para os Educadores dentro do conceito de Esporte para Todos: combinar a inclusão e a colaboração com os ensinamentos que um ambiente competitivo é capaz de trazer – eu disse competitivo, e não selvagem.