Flamengo vira as costas para a "Nação" e limita sócios que não vivem no Rio. Saiba o que Rodolfo Landim pensa a respeito
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Flamengo vira as costas para a "Nação" e limita sócios que não vivem no Rio. Saiba o que Rodolfo Landim pensa a respeito

Em reunião na segunda, o Conselho Deliberativo do Flamengo aprovou uma polêmica proposta que inclui a categoria "Contribuinte Off-Rio" no quadro associativo do clube limitando 20% por cento do total de sócios contribuintes. Detalhe: sem poder...

Mauro Cezar Pereira
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Torcedores do Flamengo em Teresina, durante o jogo contra o Altos - Fotos: Gilvan de Souza/CRF/Divulgação
Torcedores do Flamengo em Teresina, durante o jogo contra o Altos - Fotos: Gilvan de Souza/CRF/Divulgação

Em reunião na segunda, o Conselho Deliberativo do Flamengo aprovou uma polêmica proposta que inclui a categoria "Contribuinte Off-Rio" no quadro associativo do clube limitando 20% por cento do total de sócios contribuintes. Detalhe: sem poder ultrapassar mil. Isso significa que dos milhões de rubro-negros espalhados pelo Brasil e pelo mundo, só mil poderão se associar dessa forma.

Enquanto na situação houve quase unanimidade, uma chuva de críticas de opositores veio de imediato. E nas redes sociais não foram poucos os rubro-negros revoltados. Minha opinião: isso é absurdo, a maioria da torcida do Flamengo vive fora do Rio de Janeiro e essa medida deverá concentrar poder e comprometer o clube do ponto de vista democrático, com um colégio eleitoral cada vez mais, digamos, controlável.

Mas o que pensa a respeito o presidente do Flamengo? Entrevistamos Rodolfo Landim.

Qual a justificativa para o Flamengo limitar o número de sócios fora do RJ?

Essa sua primeira pergunta deveria ser respondida pelos conselheiros do Clube, em sua grande maioria sócios proprietários que são os verdadeiros donos do Flamengo e que fizeram um bom investimento para comprar um título do Clube. Essa foi uma decisão dos sócios e não da diretoria, cujos membros na qualidade de sócios votaram de acordo com o seu entendimento e sem orientação ou fechamento de questão. A prova é que tivemos VPs votando a favor e contra. Mas vou te repassar a minha opinião sobre a razão.

Entendo que ao limitarem o número de sócios contribuintes off-Rio, o recado que estão dando é que se alguém quiser ter o poder de influir no destino do Flamengo, deve se tornar sócio contribuinte normal (com isto perderia os 25% de desconto que os off-Rio têm) ou compre um título de sócio proprietário e ajude o Flamengo a investir em sua sede (foi assim que desde o presidente José Bastos Padilha a sede do Flamengo foi construída).

Não existe limitação geográfica de local de moradia para comprar títulos do Flamengo. Você pode ser sócio proprietário ou contribuinte morando em qualquer lugar do mundo.

Interessante você colocar a situação dos sócios torcedores. Isso tem uma boa relação histórica com esse assunto. Os sócios off-Rio foram criados (e não haviam sido oficialmente reconhecidos no Estatuto até ontem) na gestão do Kleber Leite exatamente para cobrir a lacuna de permitir que torcedores fora do Rio e com pouca chance de frequentar a Gávea pudessem se tornar sócios e assim contribuirem para o Flamengo. Como poderiam querer passar o mês de férias no RJ, a eles foi dado o direito de frequentar o Clube por até 30 dias por ano, muito mais do que a grande maioria dos demais sócios faz.

Após a criação dos sócios torcedores, muitos anos depois, essa possibilidade de puramente querer ajudar o Clube pode passar a ser feita dessa outra forma, mas isso não impediu que alguns continuassem a querer manter a condição de sócio off-Rio e existe uma razão para isso.

Ocorre que após a criação do sócio torcedor, foi estendido aos sócios do Clube (todas as categorias) o direito de serem também sócios torcedores no seu plano mais barato, gratuitamente. Como o valor pago pelo sócio off-Rio era muito próximo do valor do plano mais baixo do sócio torcedor, o que se viu foi uma procura crescente por essa classe de sócio. Apesar de pela regra existente apenas quem morava a mais de 100 quilômetros do Rio pudesse ser sócio off-Rio, o que se viu foi uma grande quantidade de novos sócios que tinham como endereço oficial uma casa de campo ou de algum familiar fora do Rio e o telefone começando por 021. Ou seja, não havia estímulo algum para que as pessoas se tornassem sócios proprietários ou mesmo contribuintes comuns e a reação no Clube passou a ser enorme. Ou seja, sem pagamento de título, uma pessoa poderia se tornar sócio off-Rio e pagando apenas R$ 9,10 por mês a mais, diferença entre o valor do sócio torcedor para o Off-Rio, na prática os ter os mesmos benefícios do sócio contribuinte normal e do sócio proprietário, pagando uma mensalidade duas vezes e meia menor, e ainda ser sócio torcedor pela extensão de benefícios citada anteriormente.

O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim
O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim

O problema criado por essa distorção foi em boa parte resolvido pelo reajuste do valor a ser pago. Mas a realidade é que boa parte dos donos do Clube nem queria que o sócio off-Rio fosse oficializado.

Na realidade, os sócios proprietários são os donos do Flamengo. Eles formam a grande maioria do Conselho Deliberativo que são perto de 2.000 pessoas. Eles resolveram pela decisão de ontem aceitar a formalização do sócio off-Rio, algo que para mim foi um avanço importante, mas igualmente resolveram não impedir, mas limitar o espaço político daqueles que não investiram e têm custo menor do que eles para ter a condição de influir na política do Clube.

Não faço aqui juízo de valor, não cabe à diretoria aqui opinar, essa é uma decisão do poder máximo do Clube. Mas essa é a visão que pessoalmente tenho do assunto.

Se o Flamengo proíbe a associação da maioria dos rubro-negros que não vivem no Estado onde o clube está sediado, como pedir que tornem-se sócios-torcedores?

Agora respondendo a sua segunda pergunta, ela parte de uma premissa falsa. O Flamengo de forma alguma “proíbe a associação da maioria dos rubro-negros que não vivem no Estado”. Na verdade, o Flamengo incentiva que isso ocorra. Entendi que a mensagem dos conselheiros é que isso deva ser feito em condições mais igualitárias aos demais sócios, independente de onde morem. E ao contrário do que a sua pergunta possa sugerir, demonstrar que o caminho para esse torcedor que quer apenas apoiar o Clube e eventualmente ter acesso a ingressos com prioridade e desconto por morar longe, é exatamente o sócio torcedor.

Quando limita em mil sócios de fora do Rio de Janeiro, o clube automaticamente impede/proíbe os demais de se associarem.

Limita apenas numa classe de sócio onde estatutariamente os sócios do Rio de Janeiro não podem participar. Existem sócios contribuintes que se dizem discriminados porque moram em Copacabana e, desta forma, não se qualificam como sócios off-Rio por não morarem a mais de 100 quilômetros do Rio de Janeiro. Boa parte deles preferiria ser sócio nas condições oferecidas ao off-Rio, pagando menos, mesmo tendo a restrição de só poderem frequentar o Clube 30 dias por ano, e são impedidos pelo local da residência.

Rubro-negros fazem festa no estádio em Teresina, a mais de 2,7 mil quilômetros do Rio
Rubro-negros fazem festa no estádio em Teresina, a mais de 2,7 mil quilômetros do Rio

O senhor diz que os conselheiros são os "donos do Flamengo". Essa visão não é elitista? Os donos não seriam os torcedores, especialmente os milhões de rubro-negros espalhados pelo país, muitos deles pobres, sem condições de comprar um título, mas apaixonados pelo clube e responsáveis pelo enorme faturamento em direitos de transmissão, propaganda na camisa etc?

Essa visão não é elitista, ela é uma visão realista da forma com que a instituição foi criada. Os torcedores, pelo menos para mim, são a principal razão de ser do Clube, mas na prática não são eles que tem o poder de definir o destino do Flamengo. Isto é assim em todos os Clubes. Se assim não fosse, o Botafogo não seria hoje um Clube controlado por apenas uma pessoa. Lá, os sócios venderam 90% para um fundo de um único dono e a torcida não teve poder algum de impedir.

Quando o Flamengo fatura perto de R$ 1 bilhão em um ano isso não se deve aos frequentadores do clube social, conselheiros etc. O faturamento só existe porque o Flamengo é um time de muitos milhões de torcedores, boa parte ou maioria de baixo poder aquisitivo. A diretoria planeja fazer algo para que essas pessoas sejam incluídas de alguma forma, gerando receita e estimulando a valiosa sensação de pertencimento?

A sua segunda pergunta, de novo, tem que ser respondida pelos atuais sócios do Flamengo. Meu sentimento é o de que, em sua maioria, não querem que a atual estrutura de poder seja modificada, em boa parte pelos motivos que já descrevi anteriormente. Eles se sentem os donos do Clube e, na prática, são os que detêm o poder de definir o seu destino.

O Flamengo viu o número de sócios-torcedores cair nos últimos tempos, o senhor não teme uma queda maior, que diminua a receita de tal origem, extremamente importante para o clube?

Quanto à queda do número de sócios torcedores, ela se deu durante um período em que a principal contrapartida do programa foi suspensa, a oferta de ingressos com prioridade de compra e a preços com descontos. Com o fim da pandemia e, esperamos, o bom rendimento da equipe, a tendência é que voltemos ao mesmo nível de engajamento do passado.