Antifa à brasileira
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Antifa à brasileira

Há uma citação que gosto muito de usar do historiador Peter Burke, “a função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer”. Mesmo que eu não seja um grande entusiasta e leitor voraz de Burker, há em suas palavras um conc...

Mestre Botto
7 min
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Há uma citação que gosto muito de usar do historiador Peter Burke, “a função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer”. Mesmo que eu não seja um grande entusiasta e leitor voraz de Burker, há em suas palavras um conceito historiográfico importante.

Existiu um outro historiador, um pouco antes deste, que me agrada muito mais, Marc Bloch, escritor de um livro inacabado, que fez muito sucesso entre os estudantes de história na minha época de graduação na UNIOESTE, o Apologia da História, ou oficio do historiador. Confeccionado por Bloch em meio as trincheiras francesas ao mesmo tempo que resistia a invasão nazista. Preso pela Gestapo, Bloch foi fuzilado, no dia 16 de julho de 1944, antes de terminar a mesma.

Na época, o que mais gostei nesse livro, além de ele ter sido escrito para responder à pergunta de um menino de 10 anos, é a sua perspectiva teórica de analise que parte de que “os homens parecem mais com o seu tempo, do que com os seus pais”, assim reforçando uma tradição de pensadores que enfatizam que os homens são fruto do seu tempo e do seu lugar social. Bloch era um francês com descendência judia, vivendo em uma França ocupada pelos nazistas e sua única alternativa era lutar, acabou morrendo, mas iria morrer mesmo se não lutasse.

Quase no mesmo período na Alemanha, nasceu a resistência antifa, “[...] muitos sindicalistas e socialistas foram capazes de manter suas tradições e crenças, pelo menos de alguma forma, durante o período nazista. Uma corajosa minoria, incluindo cerca de 150 mil comunistas, participou da resistência ilegal. ”[1], organizaram essa resistência ainda antes mesmo da chegada dos aliados em território alemão.

O que Bloch e os antifas alemães possuem em comum? Ambos morreram lutando para não morrer. Um paradoxo clássico.

Se no Brasil do presente enfrentamos frentes reacionárias com influências claras do nazi-fascismo, alguns grupos, inclusive, organizando treinamento paramilitares, a saída seria que os grupos antifascistas se organizassem em frentes de resistência a essas políticas de extermino físico do povo brasileiro, certo?

Mas não é isso que vemos, no atual Brasil de Bolsonaro, pois há um forte candidato a presidente, dito de esquerda, que articula uma composição, no mínimo duvidosa, com setores reacionários da direita brasileira. Para deixar claro, não considero o conceito centro, pois é uma autodeterminação de setores da própria direita para maquiar seus verdadeiros interesses.

O candidato Lula, vem “namorando” o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que por sua vez, abertamente apoiou o golpe contra o próprio PT em 2016 e o seu ex partido, o PSDB, apoiou abertamente o atual presidente genocida, que foi relacionado com escândalos de corrupção no desvio de dinheiro da merenda das escolas paulistas, deixou os professores oito anos sem reajustes salariais, enfim, que não tem nada de antifascista. É esse tipo de coligação que é a predileta do PT para derrotar o fascista Bolsonaro.

A atuação política de Geraldo não é novidade, na realidade, os liberais, historicamente, se aliam com governos autoritários para reprimir qualquer esperança de ganho social pelos trabalhadores, há inúmeros exemplos na historiografia brasileira e mundial, das alianças entre liberais e conservadores para derrotarem os campos progressistas.

O falecido Leandro Konder, em seu livro, “Introdução ao Fascismo”, explica de forma didática como a social democracia alemã, fez vistas grossas a ascensão do Nazismo na Alemanha, pois via o partido comunista da Alemanha (KPD) como principal inimigo. Inclusive seus fundadores, haviam feito uma insurgência na Baviera anos antes. Além disso, não é preciso mencionar que, dois, dos principais líderes revolucionários dessa insurgência, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, foram assassinados pelos militares do governo social democrata em 15 de janeiro de 1919.

O discurso que a maioria dos militantes, dito de esquerda, assumiram de conformismo eleitoral, de que Lula é o único capaz de derrotar Bolsonaro é no mínimo desonesto e agrada muito ao Lula. Se Lula é o único capaz de derrotar Bolsonaro, tendo inclusive em algumas pesquisas, aparecendo vitorioso no primeiro turno, não haveria a necessidade de uma ampla aliança com os setores de direita golpista, sendo assim porque Lula não radicaliza seu discurso?

Quando Lula elogia Geraldo, não o faz por acaso, o faz porque não tem compromisso com as transformações estruturais de poder econômico, político e social do estado brasileiro. Lula não é antifascista e nem sua candidatura. Outra desonestidade teórica, é dizer que no Brasil não há condições históricas para uma radicalização popular, é preciso lembrar que nas histórias das revoluções socialistas, incluindo a revolução russa, chinesa e cubana, não houve uma consciência maciça e coletiva de classe de toda a população ou se quer da maioria da população nesses estados. É preciso dizer que movimentos, partidos, intelectuais e trabalhadores também construíram as condições sociais para essas radicalizações.

A não radicalização do PT e de outros partidos de esquerda e até o ataque desses contra os movimentos mais radicais, muitos deles ‘espontâneos” e autônomos como o Passe Livre e os Black Blocs, também não é novidade. Desde as jornadas de junho de 2013, os Black Blocs sofreram inúmeros ataques e censuras, principalmente do PT. Não podemos esquecer que foi justamente no governo Dilma que foi votada a lei antiterrorismo [,,,]“aprovada pelo Congresso Nacional classifica como atos de terror "incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado"[2], ou seja, caracterizando qualquer ato violento contra os meios de produção ou os políticos profissionais como ato terrorista.

É claro que só a pobreza em si não gera revoluções, mas hoje além de uma grave crise econômica e social, nós estamos vivendo uma crise sanitária que gerou um genocídio do povo brasileiro, principalmente das camadas mais pobres, desde o início da pandemia até hoje (28 de janeiro de 2022) 625 mil brasileiros morreram, fora a subnotificação, que nos permite pensar que já vieram a óbito mais de um milhão de pessoas.

Não custa perguntar, quais são os tipos de condições sociais que os partidos de esquerda e/ou os antifascistas estão esperando para iniciarmos a radicalização e violência contra o governo e contra os bilionários?

Em 2021 perdemos uma grande oportunidade, nos meses de março e maio, ainda antes da vacinação em massa, uma parte significativa da população comprou as manifestações contra o impeachment e a favor da vacina, relembrando o paradoxo de Bloch e dos antifas, mas o maior partido de esquerda do país, assim que o STF suspendeu o julgamento do Lula, esvaziou as mesmas, pois para o partido era mais importante um degaste político de Bolsonaro, do que uma radicalização e talvez o fim do governo genocida.

O mais claro para mim é que o PT, mesmo suas alas mais à esquerda, não lutam por um rompimento estrutural do capitalismo no Brasil, esse partido tornou-se há muito um partido social democrata. Lembremos que Karl Marx chama de socialistas utópicos aqueles que acreditavam em uma reforma do Capitalismo, mas o que tudo indica, Lula e o PT não querem nem isso mais.

Os 14 anos dos governos do PT nos mostraram que é possível um governo que melhore a vida dos mais pobres, que gera uma certa ascensão sócia pelo consumo, mas ao passo que enriqueceu mais os mais ricos. Mais também ficou provado, com o golpe de 2016 e os diversos ataques as classes trabalhadoras no governo Temer e Bolsonaro, inclusive com um aumento dos milionários durante a pandemia, enquanto brasileiros morriam de fome e de covid-19, que todas as reformas ditas progressistas acabaram com uma simples canetada bic.

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Nas redes sociais há inúmeros grupos intitulados de antifascistas que poderíamos dizer, aceitaram as condições de Lula para vencer Bolsonaro, se esquecendo que Bolsonaro não é fruto do acaso, mas sim do acordo entre as forças liberais e conservadoras para arrancar do governo, justamente, o partido que fez o mínimo do mínimo para uma população pobre.

Na realidade, o dever dos antifascistas seria renegar com todas as forças a aliança entre Lula e Alckmin e construir uma aliança radical de esquerda contra os genocídios diários da população pobre, preta e trabalhadora desse país. Que honremos o legado de Bloch e dos antifas da Segunda Guerra.

[1] https://jacobin.com.br/2019/03/a-historia-perdida-dos-antifas-o-popular-movimento-antifascista/

[2] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/03/18/lei-antiterrorismo-e-sancionada-com-vetos-pela-presidente-dilma