Notas escolares, para que te quero?
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Notas escolares, para que te quero?

Neste texto conversamos um pouco sobre as notas escolares e como nós docentes ainda usamos e uma reflexão sobre como poderíamos fazer um melhor uso delas.

Luis Claudio LA
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Lembre-se de que você pode ouvir este texto...  Eu penso que escola é algo que todos nós passamos em algum momento de nossas vidas. Se você está lendo esta postagem, em algum momento você foi ensinado e, embora os primeiros passos na alfabetização possa ser feito em casa, a menos de um conjunto de medida nula ;-) , o processo de alfabetização e tudo o que vem daí, foi feito em uma escola com auxílio de professores/as. E tem algo que todos nós passamos que foi recebermos os boletins escolares com as notas que obtivemos em cada um dos componentes curriculares e é sobre a obtenção destas notas que gostaria de conversar um pouco neste pequeno texto.

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Uma pergunta natural seria: qual o propósito da nota escolar? Eu penso que um propósito simples seja avaliar o quanto o estudante aprendeu a respeito de um assunto ou um conjunto de assuntos programados para serem estudados. De preferência o estudante deveria saber o que é esperado que ele aprenda até o final do processo, ou seja, é necessário que esteja claro para os estudantes quais eram os objetivos de aprendizagem. Então, os docentes e discentes deveriam saber quais objetivos de aprendizagem e as notas deveriam servir como um "sensor" que indica tanto aos docentes quanto aos discentes se alcançaram os objetivos de aprendizagem ou se não alcançaram, o quão próximos ficaram de atingir esse objetivo. Daí a graduação numérica que vai de zero a 10,0, no caso do Brasil.

Notas escolares como punição.

Entretanto, este propósito das notas - avaliar o quão próximo o estudante está de atingir os objetivos de aprendizagem -, em muitas vezes, é um tanto desvirtuada. É o caso em que as notas são usadas como instrumento de punição. Algo do tipo "se não usar a máscara, vou tirar um ponto de sua nota" ou "se ficar conversando na aula você perderá dois pontos" e outros usos que não tem nada a ver com o propósito da nota como medida de aprendizagem.

A propósito, é muito comum que estudantes não saibam quais são os objetivos de aprendizagem de um ciclo (seja semana, mês ou bimestre). Seria interessante se o padrão fosse os estabelecimentos de ensino disponibilizarem os planos de ensino aos responsáveis e estudantes. Se todos pudessem avaliar o quanto os estudantes chegaram próximo do planejado para o aprendizado através da nota e que esta nota não fosse diminuída em função de comportamento, por exemplo, poderíamos favorecer um movimento dos estudantes na direção do aprendizado e o/a professor/a fazendo uso das notas como um norteador para ações pedagógicas que promovam o aprendizado.

Notas escolares como prêmio.

Há um outro uso para notas que são as notas usadas como prêmios e não necessariamente como uma medida de aprendizagem. Algo como "se você tiver seu caderno completo isso valerá dois pontos da sua nota". Caderno completo não é sinônimo de aprendizagem. É possível que em um dia o estudante pegue o caderno de outro e anote tudo e ele terá uma nota que não representa, necessariamente, aprendizado. Neste caso, o estudante vai em busca do prêmio, da nota, e não em busca, necessariamente, do aprendizado. Ele até pode conseguir uma nota boa participando do "jogo", mas essa nota boa refletirá, necessariamente, o aprendizado?

Inclusive há situações em que um estudante em uma avaliação formal (tipo prova) consegue tirar uma boa nota e evidenciar ali o seu aprendizado, mas como o seu caderno não está completo ele/a fica com nota baixa. Não é incomum o/a professor/a dizer "ele/a até que se saiu bem na avaliação escrita, mas não mostrou o caderno".  :-o

Há outros usos para notas como prêmios, como por exemplo o que algumas escolas chamas de "notas formativas" em que está incluído um conjunto de ações dos estudantes que darão, como prêmio, uma nota para a turma. Pode ser uma punição coletiva também, pois nesta "nota formativa" estão ações como vir para a escola uniformizado, não atrapalhar a aula com conversas paralelas, etc. 

O que podemos ter ao final e como melhorar esse processo?

Ao final do processo podemos ter dificuldade em saber se a nota alta reflete uma turma "comportada" (ou estudante) ou uma turma que aprendeu muito e na outra ponta, a nota baixa reflete uma turma (ou estudante) com "mal comportamento" ou uma turma que não aprendeu quase nada do que foi proposto? Entende o problema? Você pode ter tanto um falso positivo quanto um falso negativo.

Há um discurso muito comum para justificar estas ações que é o do retorno indireto, ou seja, o/a professor/a diz "... mas eu faço isso porque se ele tiver o caderno completo ele vai aprender mais". Será? Como medimos isso? Ou então "... mas eu coloco uma nota de comportamento porque se a turma estiver comportada, sem conversas paralelas, eles aprenderão mais". Novamente eu pergunto: será? Como medimos isso? Essas interações entre os estudantes são normais e precisamos gerir isso da melhor forma possível, mas sem lançar mãos de um instrumento que foi pensado para uma coisa e usar ele para outra.

Por acaso não acontece nas escolas que trabalham (ou estudam ou estudaram) de no final do bimestre ter uma porção de estudante tentando mostrar o caderno para professores/as porque o caderno vale uma nota? Aí ele mostra o caderno, que pode muito bem ter anotado tudo no dia anterior, consegue a nota, mas... Como o/a professor/a sabe o que e o quanto aprendeu?

Não quero dizer que caderno não possa ser utilizado como instrumento de avaliação. Até pode, mas as avaliações devem ser formativas, certo? Ou seja, ao fazermos uma avaliação ela deve nos dar informações sobre o aprendizado e depois devemos retomar os assuntos não aprendidos e posteriormente fazer uma nova avaliação (que pode ser um exercício que o estudante fez em casa no caderno e vai mostrar ao docente em sala). Note que isso é diferente de mostrar o caderno no final do bimestre, dar uma nota, fechar os diários e pronto.

Precisamos reservar as notas para ser, realmente, um instrumento que sirva como um "sensor" de aprendizagem e que se este aponta não aprendizagem, que saibamos quais os assuntos não aprendidos e que possamos voltar aos assuntos, tratá-los novamente com os estudantes e depois verificar novamente se houve ou não o aprendizado. E neste processo, tanto docente quanto discente olhar para aquelas notas como um indicativo de aprendizado.

Precisamos, como docentes, deixar de usar notas como instrumentos de punição e de premiação e deixá-las apenas como um indicador de aprendizagem. Em outro texto vou mostrar como fiz com uma 3ª Série do Ensino Médio e como já fiz em turmas de Ensino Superior, para não ficar só na fala e mostrar um pouco de ação. Para mostrar aqui agora o texto ficaria muito grande e eu penso que um gostinho de quero mais pode ser interessante para que voltem aqui para ver outros textos... ;-) Daria para escrever um livro sobre esse assunto (e sei que muitos professores já escreveram).

Abração pro 6.

Luís Cláudio LA