Breves comentários sobre racismo
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Breves comentários sobre racismo

Somos confrontados com diversas certezas que permeiam os campos da ciência, do social, do pessoal e do individual. Quem somos? Como nos reconhecemos como seres? Quem seguimos como exemplos? Nossos referenciais? Nossos heróis, nossos vilões? P...

Arival Curi da Cruz
5 min
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Somos confrontados com diversas certezas que permeiam os campos da ciência, do social, do pessoal e do individual. Quem somos? Como nos reconhecemos como seres? Quem seguimos como exemplos? Nossos referenciais? Nossos heróis, nossos vilões? Parece que tudo que nos rodeia está impermeado de certezas ontológicas, onde a verdadeira resposta para todas estas questões se encontra na etnologia de quem somos.

Parece-me, e de fato é isto, que a cor da pele com a qual nascemos nos identifica, respondendo a todas as perguntas que formulamos. O peso, e o valor que temos, ultrapassa até mesmo uma barreira cultural de modo que, somente o fato de se possuir a pele negra, unifica histórias de brasileiros, americanos, ingleses e qualquer outra nação onde se reconheça uma comunidade negra fora do continente africano, em alguns casos até mesmo na África.

Professor Silva Almeida já nos ensina que:

“A consequência de práticas de discriminações direta e indireta ao longo do tempo leva à estratificação social, um fenômeno intergeracional, em que o percurso de vida de todos os membros de um grupo social - o que inclui como chances de ascensão social, de reconhecimento e material de sustento - é afetado. ”

(ALMEIDA, 2018)

Assim, temos a internalização de que somos treinados para perceber essas distinções e acentuá-las, mesmo que não tenhamos intenção de fazer-las. Dizemos que no Brasil não há racismo, somos um povo misturado, no entanto as práticas racistas estão tão entranhadas na nossa sociedade, e no inconsciente, que sequer percebemos esse comportamento. Importa dizer como lecionou o professor Silva Almeida, as consequências dessa prática discriminatória exercem efeitos a longo prazo que causam essa separação que sequer notamos no dia a dia, ao menos que a soframos.

Um exemplo muito claro desse racismo inconsciente pode ser observado nos dados divulgados pelo IBGE que demonstra que uma taxa média do Brasil de casamentos endogâmicos é de 77%. Estamos tratando de uma população que, segundo a mesma pesquisa, é composta por 54% de brancos, 39,5% de pardos, 5,7% de negros e 0,8% definidos como outros. Não é estranho observar que mesma nesta pesquisa, os casamentos endogâmicos entre os negros são de 84% aproximadamente, seguidos por 75% entre os brancos e 72% entre os pardos.

Estes dados refletem uma realidade segregacionista, que delimita grupos sociais, e determina com quem é aceitável relacionar-se. Temos uma falsa percepção de hierarquia racial, julgando que etnia deve estar acima das demais, colocando verdadeiras divisórias ideológicas entre as pessoas, mesmo que essas divisórias não reflitam a realidade.

Podemos observar no ensinamento do Mestre Achille Mbembe:

Sob condição de soberania vertical e ocupação colonial fragmentada, comunidades são separadas segundo uma coordenada vertical. (...) Em todo lugar o simbolismo do topo (quem se encontra no topo) é reiterada. A ocupação dos céus adquire, portanto, uma importância crucial. (Mbembe 2016)

E isto é refletido na geografia das grandes cidades brasileiras. Mbembe ainda continua explicando, exemplificando um pouco sobre a realidade americana:

O funcionamento dos bantustões e distrito implicou em severas restrições na produção para negros em áreas brancas, o término para posse de terras para os negros exceto em áreas reservadas, a criminalização da residência negra em fazendas brancas (exceto como servos a serviço dos brancos), o controle do fluxo urbano e, mais tarde, a negação da cidadania aos africanos. (...) a soberania é uma capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é descartável e quem não é. (Mbembe 2016).

É aterrorizante testificar que embora estejamos separados por um hemisfério de distância, as realidades entre nossas famílias são tão semelhantes. Assim como nos EUA, os negros foram largados à margem da sociedade, após a abolição da escravidão. Não tinham seus direitos civis reconhecidos, não podia ter ou comprar terras, a não ser que se submetessem como servos dos brancos, não podiam transitar livremente nas áreas designadas para os brancos e eram vistos como um grupo que só serviria para realizar trabalhos secundários, sem expressividade intelectual.

Anos nesta condição deplorável criou esse estigma social que fez com que o negro fosse rebaixado há um grupo de pairas, descartáveis ​​e sem importância. Uma realidade que infelizmente está presente até os dias atuais, e dificilmente será extinguida sem que haja uma educação social extensa e intensa durante o desenvolvimento cognitivo das crianças, e com políticas públicas que incentive uma integração real entre os diversos grupos étnicos.

Um exemplo disto podemos perceber na desastrosa abordagem policial há um youtuber que, se filmava sozinho em um parque público, fazendo manobras com uma bicicleta para publicar em determinadas redes sociais. A forma como o policial aborda o sujeito, com arma em punho e dando voz de comando nada amigavelmente, o tratando como se este já fosse um criminoso condenado repercutiram muito negativamente sobre a instituição da Polícia Militar, que já é malvista pela comunidade como uma instituição fragmentada e ideologicamente segregacionista.

Podemos dizer que o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem uma raça como fundamento e que se manifesta por meio de uma prática consciente ou inconsciente que culminam em desvantagem ou privilégios para o indivíduo, um dependente do grupo racial ao qual pertençam. (ALMEIDA, 2018)

Assim, como o professor Sivio Almeida leciona, a prática do racismo está entranhada na estrutura das instituições públicas através de fatores que podemos considerar inconscientes, ou não, como a forma de falar, vestir, andar... Enxergamos arquétipos criminosos ou marginalizados que são refletidos inconscientemente para humanos de etnia negra.

Desta forma, ignoramos os abusos que muitas pessoas sofrem ao nosso redor, ignoramos a dor de nossos irmãos e irmãs, não é nossa luta, não é nossa dor. Apesar de sermos um povo majoritariamente cristão, e o cristianismo defender em seus princípios a igualdade e o amor, de maneira que a dor do outro também é minha dor, que a luta do outro também é minha luta. “Desse modo, quando um membro sofre, todos os demais sofrerão com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se regozijam com ele ”(1 Co12: 26).

“O racismo não é ato ou um conjunto de atos e tão pouco se retrata a um fenômeno restrito às práticas institucionais; é sobretudo, um processo histórico e político em que as condições de subalternidade ou de privilégios de sujeitos racializados é estruturalmente reproduzidos. ” (Almeida, 2018)

Devemos buscar mecanismo de integração social, de busca por identidade igualitária como povo, como nação, para assim, reduzir as diferenças sociais e ampliar a interação igualitária. Devemos ir muito além do viés ideológico, partidário. Romper com a necropolitica que governa nossas democracias. Ir além das medidas públicas de integração como cotas raciais, programas de inclusão social, etc.

Devemos fazer uma transformação coletiva de mente, um reconhecimento humanizado, uma educação integradora, uma política pública que não taxa a utilidade de um indivíduo, mas considera todos como partes úteis da nação. Uma utopia? Talvez, mas ainda vale a pena sonhar.

De: brownblackfistchronicles.blog
De: brownblackfistchronicles.blog