Coringa Review
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Coringa Review

Coringa poderia ser um filme qualquer da trajetória de um personagem que perdeu as esperanças. O fato de que envolve o universo DC é apenas um bônus. Partindo de uma nova perspectiva do diretor Todd Phillips, o filme acerta em todas as conexõ...

Equipe Nerd Share
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Coringa poderia ser um filme qualquer da trajetória de um personagem que perdeu as esperanças. O fato de que envolve o universo DC é apenas um bônus. Partindo de uma nova perspectiva do diretor Todd Phillips, o filme acerta em todas as conexões que busca ao tradicional mundo do super-herói Batman, principalmente em suas ambiguidades.

Arthur Fleck tentando tirar algo de bom do seu dia.
Arthur Fleck tentando tirar algo de bom do seu dia.

Coringa é o filme de um homem de classe baixa que de tanto apanhar da vida acaba virando um personagem, e esse personagem é o vilão mais famoso de todos os tempos, nos quadrinhos. A performance de Joaquin Phoenix como Arthur Fleck é toda a perspectiva do filme. Todas as cenas envolvem o protagonista, sem exceção, e em todas elas, Joaquin cresce, nunca se intimida, é sempre brilhante, por todas as partes de Gotham City.

Gotham acaba sendo a representação de uma antiga Nova Iorque, onde ainda se tinha menos tecnologias, como falta de câmeras e detector de metais para impedir qualquer caos ocorrente no dia-a-dia, aumentando o realismo dos acontecimentos do filme. Uma variação da Time Square é representada como se o mundo que estivéssemos olhando fosse paralelo, mas ao mesmo tempo dá toques sutis mostrando que muito daquilo pode ser relativo para os tempos atuais.

Essa representação de Gotham mostra que tempos ruins podiam ser ainda piores, e a qualquer momento o controle poderia deixar de existir. O Coringa age como o fósforo para essa “dinamite”. E considerando a figurativa representação, uma Nova Iorque nos anos 80 não teria chance nenhuma de controlar tamanha explosão de caos.

A principal avenida de Gotham City, sendo claramente uma representação da Time Square.
A principal avenida de Gotham City, sendo claramente uma representação da Time Square.

Arthur Fleck é um personagem representado como um coitado, um homem pobre que vive nas margens da sociedade, que nunca ganhou um “desconto” da vida ou se quer teve um dia feliz. Arthur tem também um distúrbio, em certos momentos do seu dia ele simplesmente não consegue parar de rir. Combinado ao psicológico depressivo pela vida que tem, Arthur depende de medicamentos pesados e vive com sua mãe, que não se encontra em situação melhor que a dele.

Tudo isso acaba sendo uma jornada construída lentamente e perfeitamente acreditável. Arthur não decide simplesmente virar um vilão, longe disso. O filme faria até mais sentido se fosse nomeado Arthur Fleck, invés de Coringa, analisando por impacto de personagem. É um filme para ser assistido com a mente aberta, o Arthur do início é totalmente diferente do Arthur do fim, mas não por um momento único, e sim pela combinação dos acontecimentos durante a sua trajetória.

Arthur Fleck, com atuação impecável de Joaquin Phoenix.
Arthur Fleck, com atuação impecável de Joaquin Phoenix.

Menos se diz o porquê ou como o Arthur do início se tornou o do final, e mais se mostra. Você simplesmente se pergunta “como chegamos até aqui? ” E começa a perceber a construção de tudo que aconteceu. O nível absurdo de realismo de toda a transformação, mostrando o gosto do Arthur pelo empoderamento proporcionado por ser um personagem como o Coringa, depois de nunca ter acertado em nada da sua vida.

Coringa é o resultado de uma sociedade transbordada de crueldades casuais e falta de empatia. É uma amostra das falhas da sociedade em se importar com o bem-estar de seus cidadãos comuns, e não uma crítica direta à algum tipo específico de classe. Arthur sofre física e/ou verbalmente nas mãos de pessoas de todos os níveis do escalão social e das instituições que eles fazem parte.

Arthur passa sua vida buscando qualquer tipo de conexão humana, algo que ele não consegue sem adotar um certo “rosto feliz”, e usar esse rosto para sair apontando tudo que tem de errado com a cidade onde habita, até que seja notado. Fazendo com que as pessoas comecem a se conectar com dito rosto, fazendo com que ele se sinta importante e especial.

Arthur em seu personagem, com seu sorriso característico.
Arthur em seu personagem, com seu sorriso característico.

Apesar do filme pedir ao espectador uma certa simpatia com seu personagem psicopata, ele não exige que você o desculpe, ele apenas mostra todo o podre que pode envolver os paralelos do mundo real, e todas as possibilidades desconfortáveis que podem ser tiradas da trajetória de Arthur. O filme sabe que ele é uma imagem ruim, e faz questão de não deixar o público confundir as coisas.

Tudo isso dá certo graças à clareza mostrada pela direção magistral de Todd Phillips e a atuação impecável de Joaquin Phoenix. As risadas incontroláveis de Arthur fazem parecer que ele está realmente sentindo dor física e seu psicológico chega ao limite. Arthur tem uma magreza e uma cara exausta de um cidadão que está com sua saúde física e mental acabada, mas quando se transforma no Coringa, ele parece estar livre, saudável e enxergando a beleza da vida. Tudo sendo revelado junto as espetaculares mudanças que Joaquin realiza perfeitamente.

A performance de Robert De Niro e a perfeita direção de Todd envolvendo seu personagem, Murray Franklin, também não pode passar despercebida. A escolha pelos ângulos de câmera tanto envolvendo o show de Murray como a aproximação das cenas desconfortáveis, como Arthur no metrô, são a cereja do bolo que é o impecável realismo do filme.

O sempre excepcional Robert De Niro, como Murray Franklin.
O sempre excepcional Robert De Niro, como Murray Franklin.

O filme é sobre a origem de um personagem, mas mantém a ligação tradicional que o Coringa tinha nos antigos gibis e filmes, de ter um passado misterioso. Todd consegue dirigir uma história com um arco perfeito e ao mesmo tempo manter a ambiguidade. Coringa é um filme em que cada um vai preencher “as bordas” do que assistiu, com suas conclusões próprias. Dando a possibilidade de assisti-lo múltiplas vezes e sempre ficar pensativo sobre os espaços que o filme deixa. E ninguém pode dizer que a leitura feita por outra pessoa dessas brechas está certa ou errada.

Coringa não é só um filme de um personagem dos quadrinhos sensacional, é um filme sensacional. Não oferece respostas fáceis para as perguntas que a sociedade levanta sempre que o seu bem-estar está em declínio. A performance magistral de Joaquin Phoenix combinada com a certa reinvenção do universo DC por Todd Phillips resulta num filme que pode mover todo e qualquer público de cinema. Coringa é uma obra de arte desconfortável, deem uma chance e tirem suas conclusões.

10/10

Autor: Guilherme Pereira