Falar sobre nada é bom demais
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Falar sobre nada é bom demais

Esses dias, eu conversava com mais quatro amigos no nosso grupo de WhatsApp. Depois que a pandemia nos tirou a sagrada mesa do bar, é no aplicativo de mensagens que comentamos os resultados do futebol, o jogo da noite da NBA e o que mais esti...

Pedro Galvão
2 min
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Esses dias, eu conversava com mais quatro amigos no nosso grupo de WhatsApp. Depois que a pandemia nos tirou a sagrada mesa do bar ruim (que é lindo, bicho), é no aplicativo de mensagens que comentamos os resultados do futebol, o jogo da noite da NBA e o que mais estiver na ordem do dia. Sempre de forma leve, sem grandes argumentações ou discordâncias.

A gente compartilha desde o palpite da zebra na rodada até a nossa falta de forças para lamentar a não surpresa com a confirmação da Cepa América no Brasil. Também falamos de lembranças, histórias, casos, uma outra outra mentira, igual era feito no bar, no café, na esquina, na faculdade, no elevador e outros lugares hoje intermediados ou interrompidos pelos protocolos sanitários.

O assunto da vez acabou sendo por aí: como dar conta de falar das coisas hoje? As plataformas digitais são muitas e facilitam a democrática circulação de informações, que hoje chamam de "conteúdos".

O problema é que tem sido difícil lidar com tantas telas. Em uma delas disputa-se a fórmula pronta para os problemas do mundo em apenas 240 caracteres. Em outra a pessoa se filma falando, falando, falando, falando, até a fala se perder.

Naquilo que chamamos de "tradicional", tem história que é bonita demais para ser só alardeada em uma manchete com frases de efeito. E tem história que é importante demais para não ter nem manchete. Ou nem nota de rodapé nos não por acaso agonizantes jornalões, que pelo visto deram a merecida folga aos jornalistas no último fim de semana, quando o Brasil foi para a rua falar que não aguenta mais.

É muita resposta e pouca pergunta. Muito descaso e pouco caso. Caso contado, dito, lembrado, inventado. É muita opinião para pouco artigo, ou talvez o contrário, não sei. Compartilho aqui o mesmo medo do Gregório Duvivier de acabar transformando estas linhas em mais um exemplo disso.

Eu e meus amigos falávamos apenas sobre como faz falta poder apenas falar "Que calor! Que desenfreado calor" e fazer disso uma prosa agradável, uma memória boa, e não uma guerra de likes.

Acho que nunca estivemos tão precisados de poder parar, pensar e falar sobre nada, ao mesmo tempo que contamos sobre tudo.

Foi por isso que eu vim parar aqui. Obrigado, cronistas, por deixarem até os dias cinzentos mais coloridos e leves, ainda que erráticos, igual a uma borboleta amarela sem rumo.

A foto é da commons.wikimedia.org
A foto é da commons.wikimedia.org