O sabor complexo do 1x0
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O sabor complexo do 1x0

Por que ganhar pelo placar mínimo é tão estranho para quem torce para o Galo?

Pedro Galvão
3 min
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Nós até somos calejados pelas mais doídas derrotas, mas já vibramos com alegria nas mais variadas, deliciosas e inesquecíveis vitórias. Tem um punhado de 2x0 épico por aí, um par de inacreditáveis e históricos 4x1, viradas de toda sorte e goleadas memoráveis, que até quem estava de costas se lembra. Mesmo assim, parece que nada é mais estranho para quem torce para o Galo do que ganhar de 1x0.

Não deveria ser. O primeiro Campeonato Brasileiro foi conquistado pelo Atlético em uma vitória pelo placar mínimo, contra o Botafogo, no Rio. Na única final nacional entre times mineiros, o jogo da taça também foi 1x0 para o Galo. Gol de Tardelli, ainda fresco na memória. 

Talvez seja isso: uma exclusividade das datas nobres. Porque no dia a dia, no feijão com arroz do Brasileirão, o 1x0 tem um sabor incompreendido ou incompreensível. Ninguém sabe lidar. 

Sofrer por quase tomar o empate e vibrar aliviado no final até que a turma assimila mais ou menos bem (uns mais, outros menos). O que parece tirar do sério mesmo é chegar pertíssimo do segundo gol e não fazer. A sensação é que o pessoal se irrita mais com isso do que nas derrotas. Fica sem rumo. 

Acabou! Pode comemorar, três pontos... Não. Quem torce pro Galo não lida bem com 1x0. 

Parece que faltou alguma coisa. Algum tempero. Aquele lance que alguém prendeu a bola no ataque com o outro livre do lado... Aquele gol perdido no final, cara a cara, no contra-ataque.

A Beth Carvalho já está repetindo o "Vou Festejar'' pela terceira vez no som depois do apito final, mas o gol perdido pelo Galo ainda martela. "Poxa, era só tirar do goleiro, não sabe matar o jogo..." 

Vale a ressalva que se for o 1x0 suado, arrancado no finalzinho, tipo comida feita na hora para quem está com fome, até vai. Mas, fazer um gol no início e simplesmente cozinhar o jogo até o fim, sem tomar gol, nem mesmo passar perto de tomar o empate? Aí não. Tá errado. Pode saber que tem caroço no angu.  Os planetas se desalinharam, uma tragédia está por vir, sei lá. Para quem torce para o Galo, isso não faz sentido. 

O 1x0 é até o sonho de consumo de alguns que conheço. Se outras torcidas invejam nossas viradas e nossos desempates inacreditáveis, por aqui tem quem admita sonhar com um Galo pragmático, capaz de fazer pouco e ganhar muito, igual alguns times que nos tomaram o Brasileirão nos últimos anos. 

Nesse caso, parece literalmente o sonho de consumir uma vitória. Meio fast-food assim. "A oferta do dia é o combo 1x0: gol no primeiro tempo, uma bola na trave chutada pelo adversário e três pontos no final. Junte 25 dessas e ganhe seu prêmio". 

Compreensível que muita gente ache sem graça e prefira pagar um pouco mais por um molho extra ou optar pelo à la carte. Escolher tudo que tem no cardápio, de bom e de ruim, e no fim conferir a conta, que às vezes é terrivelmente cara, mas saboreia-se muito mais. 

Quem torce para o Galo é um cliente complicado, do tipo que não sabe o que quer. A pedida inicial, muitas vezes, é: "meio a zero hoje é goleada!".  Mas, se vem o 1x0, a porção em dobro, está ruim. Vamos reclamar com o garçom. Ou com o mestre cuca, mesmo se ele estiver sem alguns ingredientes: fora de casa, com seis desfalques.

Um a zero para nós é meio indigesto. Não é ruim, mas o sabor é inusitado, meio agridoce. Talvez um dia a gente se acostume a saboreá-lo assim: no dia a dia, a qualquer hora, servido frio. Quem sabe neste ano. E aí não faria mal repetir o prato na ceia final mais uma vez. 

No último fim de semana, aconteceu: Sport 0 x 1 Atlético. Gol do Hulk. A foto é do  Pedro Souza/ Atlético/ Divulgação
No último fim de semana, aconteceu: Sport 0 x 1 Atlético. Gol do Hulk. A foto é do  Pedro Souza/ Atlético/ Divulgação