REUNIÃO DE CONDOMÍNIO
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REUNIÃO DE CONDOMÍNIO

Edvan Draeger
4 min
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- Senhores, estamos aqui nesta reunião extraordinária do nosso condomínio para protestar contra uma situação que não tem precedentes, mas, se continuarmos aceitando, haverá o absurdo de outras e tantas outras pessoas fazerem o mesmo que a menina que que mora no 1001.

“Como síndico, escolhido por vocês, é o meu papel alertar a todos de que esta situação não pode continuar. Mas eu estou triste! O nosso prédio tem 65 apartamentos e só apareceram um... cinco... oito... dezesseis pessoas. Dezessete contando comigo. Parece que muita gente não está se importando com a gravidade desta situação. Tudo bem que um dos apartamentos não foi convidado, mas, se não fosse ele, não precisaríamos estar aqui.”

“Anote aí, Valentina... Vamos iniciar a reunião formalmente”.

“Senhores, como vocês devem saber, após aquele fenômeno natural, ou espiritual... não sabemos, algumas coisas sem explicação apareceram no nosso país. Poderes estranhos apareceram em pessoas – que para mim tem algum vínculo com o demônio e que... O quê, Tereza? Tereza do 604 quer falar.”

“Tá, senhores...  depois destes trinta minutos de discussão, eu faço constar na ata que as pessoas que receberam poderes como o fenômeno não têm vínculo com o demônio, pois a Senhora Tereza de Souza, moradora do 604, tem um irmão que foi transmutado – este é o termo cientificamente aceito – e que continua um cristão de boa alma. Este síndico ainda pede desculpas a quem tenha se sentido ofendido”.

“Tá bom... muda isso aí, Valentina... Este síndico ainda pede desculpas a todos.”

“Podemos continuar?”

“Ok. Obrigado.”

“Bom... senhores, voltando... ao motivo principal desta reunião: a outra consequência do fenômeno é a chegada de animais místicos aos nossos tempos. Apareceram toda sorte de criaturas que só sabíamos terem existido nos livros de fantasia: basiliscos, quimeras, cavalos alados e toda sorte de criaturas. Até achamos bonitinhos no início, quando eles eram pequenos e engraçadinhos, mas senhores, estes animais crescem! E a menina do 1001 tem um dragão. É inaceitável!!!”

“Até porque o animal não cabe mais no apartamento dela e mora no teto do nosso prédio. E, senhores, eu moro na cobertura. É inaceitável esta situação. O animal já pesa mais que um cavalo, quebrou a antena da internet duas vezes, caga... não... defeca, no jardim em frente ao estacionamento e faz sombra na minha piscina. Além disso, o bater das asas daquele bicho estragou o meu churrasco no dia do jogo da copa. E o urro? Aff! Um absurdo! Se ainda fosse um galo... mas senhores, é um dragão!!! Um dragão!!! Ele urra às duas da manhã com um bafo quente que derrete os fios e causa curto-circuito! Não se consegue dormir assim.”

“Além disso, o prédio não foi feito para ter um mostro de meia tonelada no teto”.

“Os pais não deixam mais as crianças na quadra e outro dia ele pousou em um carro há poucas ruas daqui.”

“O que vai acontecer quando ele matar a mim ou alguém da minha família? Ou da sua?”

“Sim... eu sei que ele nunca atacou ninguém até agora, que eu saiba, sem a ordem da sua dona, mas e se fizer como o unicórnio fez lá em Botafogo com aquele motociclista?”

“Sim... sim! Que o infeliz fazia grau e talvez o unicórnio tenha se sentido ameaçado, mas e se acontecer isso com o nosso dragão? Nosso não! Da menina do 1001?”

“Não, senhores!!! Inaceitável!!! Eu sou o mais prejudicado com aquele animal fedorento no meu teto.

Precisamos deliberar agora sobre este assunto: requeiro votação para contratarmos advogado para entrar na justiça para retirar o dragão ou a menina e o dragão. Com que dinheiro? Não, precisa. Eu mesmo uso o meu OAB nesta causa. De graça!“

“Vamos votar?”

*******

Todos se preparavam para a votação quando um vento entrou pelo vão central da sala do centro de convivência e o farfalhar de asas identificou a todos que o animal pousara do lado de fora.

Uma figura esguia, com um longo casaco de couro chamuscado entrou levantando os óculos de voo dos olhos.

A menina sentou-se silenciosamente em uma cadeira no corredor.

O síndico declarou a reunião encerrada e todos saíram apressadamente pela porta lateral para não se encontrar com o bicho lá fora.

Valentina não terminou a ata e saiu com os outros.

A menina largou-se no assento, fechou os olhos, fechou os olhos e suspirou profundamente. Estava cansada disso.