Policiais, levem suas armas, mas, principalmente, suas almas.

Nenhum juiz dessa país sabe o que é realmente a rotina de um policial. Nenhum juiz é mal remunerado, ou tem dificuldade para sustentar sua família, ou tem que sair "disfarçado" para ir e voltar do trabalho, ou até mesmo para ir ao supermercado ou aproveitar um dia de folga com a família. Não sobem em morro para enfrentar traficantes, não perseguem bandidos (ultimamente só soltam), não ficam na mira de fuzis ou participam de tiroteios. E quanto mais alto é o cargo de um juiz, cercado de seguranças e andando em carros blindados, menos contato ele tem com essa realidade. Para juízes, policiais são meros instrumentos, não tem nomes e sobrenomes, pouco importa suas patentes e cotidiano. São o rodapé do sistema da justiça, substituíveis quando morrem a serviço, punidos quando matam a serviço.

Na definição que encontrei no Google, "As polícias são, no Brasil, órgãos do Estado que têm a finalidade constitucional de preservar a ordem pública, de proteger pessoas e o patrimônio, e realizar a investigação e repressão dos crimes, além do controle da violência." Uma versão sintetizada das funções dos policiais, muito bonita assim descrita, mas longe da realidade de um país tomado pelo crime da favela às mais altas instituições do país.

Policiais são, acima de tudo, cidadãos. Têm esposas ou maridos, pais, mães, filhos, parentes e amigos que pegam ônibus, que circulam pelas ruas, que vão à escola, à faculdade, ao cinema, sujeitos a todas as mesmas intempéries que qualquer cidadão comum, inclusive ser assaltado ou molestado pelos bandidos que o policial da família prende e a justiça podre solta, as vezes meia hora depois de terem sido presos após longa e exaustiva perseguição. Enxugam gelo. Pagam pela munição que usam, e há os que até evitem usar para não ter que pagar. Muitos policiais federais pagam até pelo colete a prova de balas, porque o estado não dá, assim como não libera verbas para investigações, ou por falta delas, ou porque não há interesse que tais investigações sejam levadas adiante, ou porque os interesses são muito maiores do que se imagina.

A hierarquia das instituições militares, polícias e forças armadas, é extremamente rígida, com punições exemplares para quem as transgride, como prisão, expulsão, e, no caso de policiais, a perda do tempo de serviço e o direito à aposentadoria. Policial não come lagosta, não bebe vinho premiado quatro vezes, não trabalha em gabinete com ar condicionado, copeiro, garçom, engraxate, não tem equipe de segurança. Acredite se quiser, nem em carro blindado os policiais andam.

Ao contrário, juízes têm tudo isso, além de equipe de segurança individual e carro blindado em qualquer lugar do país, auxílio moradia mesmo tendo residência na cidade onde trabalha, auxílio paletó, auxílio alimentação que já em 2019 poderia chegar até 5 mil reais por mês, o que é maior do que o salário da maioria dos policiais, hoje, em 2021. E quando um juiz comete algum delito grave, dificilmente ele é preso, e sua expulsão se dá através de aposentadoria compulsória, ou seja, vai para casa e receberá seu salário de 30 mil reais.

Neste 7 de setembro de 2021, os juízes não estarão nas ruas cuidando da ordem. Nem no seus gabinetes dando ordens. Muitos deles nem no Brasil estarão. Quem estará cuidando das manifestações pelo país são os policiais, militares, civis, federais e também os guardas municipais, cujos regimentos são diferentes, ainda que se preserve o sentido de hierarquia e a péssima remuneração e condições de trabalho. São esses guerreiros desprovidos dos confortos das togas que encararão multidões em busca de liberdade, do resgate à cidadania plena como descrita na Constituição Federal, a mesma que descreve também as funções dos policiais.

E nesse momento volto à definição do papel de polícias, quando diz "que têm a finalidade constitucional de preservar a ordem pública, de proteger pessoas e o patrimônio, e realizar a investigação e repressão dos crimes, além do controle da violência".

Os brasileiros não vão às ruas para a prática de violência, mas certamente precisarão ser protegidos dela. Há muita gente que vai para promover violência e quebra-quebra, disposta a usar dos meios mais sujos e sórdidos para criar a imagem de que serão os defensores de Bolsonaro os responsáveis. E com isso colocar os policiais em situação de conflito, forçando que ajam, e, se possível, produzam cadáveres com as balas que eles mesmos terão que pagar se usarem.

Governadores e Ministério Público estão fazendo de tudo para policias de folga não participem das manifestações, alguns através de ameaças, outros cancelando folgas e convocando todo o efetivo para estar de prontidão nos quartéis, sob ameaça de acusar de insubordinação quem não obedecer, podendo redundar em punições que podem chegar à expulsão sem direito a aposentadoria. Isso é a cassação da cidadania do policial, também visto por governadores e ministério público como meros instrumentos. Pergunte a um policial quando foi que ele viu o governador ou alguém do ministério publico ou dos direitos humanos no enterro de um colega ou soube que um deles esteve consolando a família. E a presença de um juiz então? As vezes nem se for parente.

Quando o povo de bem estiver nas ruas neste 7 de setembro, e se deparar com policiais, eles não estarão vendo inimigos, mas cidadãos fardados, e terão o entendimento de que estão ali para protegê-los e não para espancá-los ou impedir que exerçam a plenitude de sua cidadania clamando por novos rumos no país, que garantam não apenas suas liberdades e direitos, mas as liberdades e direitos dos esposas, maridos, pais, mães, filhos, parentes e amigos que pegam ônibus, que circulam pelas ruas, que vão à escola, à faculdade, ao cinema, sujeitos a todas as mesmas intempéries que qualquer cidadão comum, pois somos todos iguais, sofremos igualmente, e queremos um país no qual o auxílio refeição de um juiz não seja mais alto que o salário de um policial.

Então peço aos policias que estarão de serviço em todos os cantos do Brasil que se lembrem do motivo pelo qual as pessoas estarão nas ruas, e o motivo pelo qual, eles, policiais, também estarão lá. E que caso algum colega ou superior não entenda bem seu papel diante de uma multidão esperançosa por liberdade e mudanças, tente esclarecer, impedir que qualquer violência seja praticada contra quem não estará praticando violência alguma. E que se aja contra quem incitar ou praticar violência contra famílias que estarão clamando por um Brasil decente, honesto e livre de bandidos e corruptos que se locupletam do poder usando e abusando de ilegalidades e inconstitucionalidades, inclusive usando as polícias para isso.

O Brasil das pessoas de bem conta com os policias neste 7 de setembro. Que eles levem suas armas. Mas não esqueçam de que por baixo da farda há um cidadão e uma alma que almeja um país melhor como todos nós.

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