Saidinhas me preocupam. Saídas compulsórias me preocupam mais.
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Saidinhas me preocupam. Saídas compulsórias me preocupam mais.

Essa brincadeira está ficando muito perigosa. Quem manda em quem afinal?

HS Naddeo
5 min
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A baita diferença entre as saidinhas dos presos e as "saidinhas" da Constituição Federal é que os presos só gozam desse benefício 5 vezes ao ano, enquanto vemos o judiciário dar até 5 "saidinhas" em um único ato. Não é ao acaso que um dos crimes urbanos mais temidos é chamado de "saidinha de banco". Muitos dos presos não retornam de suas "saidinhas, enquanto os que prendem sempre voltam. Não seria nem forçar barra dizer que voltam à cena do crime.

Além disso, os presos sabem que perdem o benefício se praticarem crime nessas saidinhas, mas praticam do mesmo jeito porque o sistema não consegue assegurar que ele não cometerá algum crime, e nem mesmo assegurar que ele será preso se cometer. Não tem como. Nessa saidinha de fim de ano, 4 de cada 5 presos da maior facção do Rio não voltaram para a cadeia. E dificilmente voltarão. No total do país 2,4 mil presos não voltarão para a cadeia neste final de 2021. E não custa lembrar que esse índice tão alto, ligado à maior facção do estado, só aconteceu no Rio de Janeiro, também o único estado no qual a polícia não pode fazer ações nas favelas e aglomerados por ordem do Supremo Tribunal Federal. No judiciário, há uma parcela dos que sabem os benefícios que ganham quando praticam crimes. A pior pena aplicada a um juiz costuma ser aposentadoria compulsória com direito a todos os benefícios. 

Um preso bem comportado, que tenha direito a usufruir das 5 saidinhas anuais, pode ficar entre 15 e 20 dias ao ano fora da prisão. Os que voltam, claro. E é nesse período que muitos deles praticam delitos. Já no judiciário são duas férias por ano, totalizando 60 dias. Mas se somarmos a isso as saidinhas para seminários, simpósios, encontros, aulas inaugurais, posse de colega, encontro latino americano, encontro ibero americano, encontro do judiciário dos países de língua portuguesa, encontro do judiciário em esperanto, live com Youtuber, painéis, entrevistas, posse de colega, posse de ministro, inauguração de placa, velório de amigo, visita ao curandeiro, casamento de afilhada, cantar no palco sem máscara, deve dar aí mais uns 150 dias. Dos 181 um dias do primeiro semestre, dos quais 128 dias considerados úteis, o Supremo Tribunal Federal deverá realizar 39 sessões plenárias, ou 30,4% dos dias úteis do semestre. A boa notícia é que no judiciário geralmente os delitos caem quando estão de férias.

Somos o país das "saidinhas", e as mais graves delas foram as "saidinhas da realidade", quando deixamos, de fato, que as coisas acontecessem sem oposição à nada. Fomos levando. E tivemos muitos carnavais, trocentos anestésicos feriados sociais e econômicos, uma penca de pontos facultativos, Copa do Mundo, Olimpíada, pré-sal, ficamos ricos, a The Economist disse que tínhamos decolado, distribuímos dinheiro para a América do Sul inteira, enriquecemos seus ditadores, estava todo mundo feliz. Para que se preocupar em entender o que colocavam em uma Constituição Federal que ficou pronta com mais brechas do que artigos e leis, mais direitos que deveres, mais socialismo do que capitalismo, mais parlamentarismo do que presidencialismo, mais saidinhas do que retorno para os pagadores de impostos.

TV de LED, Smartphone de última geração, 4G, 4,5G, computadores baratos; Miami ficou logo ali. Por que não Paris, Europa? Pobre foi viajar de avião em 12 vezes sem juros, Sua Casa Nossa Dívida, pagamos móveis e eletrodomésticos da Magalu com o dinheiro do BNDES, do FAT, do FGTS, da PREVI, do POSTALIS, da Caixa, do Banco do Brasil, de qualquer caixa de estatal para os caixas 2, da PQP. Tava fácil, crédito fácil, carro novo acessível para todo mundo, 60 meses para pagar, faltou garagem, sobrou IPVA. Para que a gente iria se incomodar com as saidinhas progressistas enquanto se infiltravam escancaradamente, nas nossas vistas, em todos os setores do estado, mesmo com a popularização das cirurgias de miopia e cataratas para pagar a perder de vista para todo mundo.

Tem preso que rouba na saidinha porque precisa voltar para a cadeia com dinheiro, senão morre lá fora. A polícia custa a achar um bandido, mas bandido acha bandido rápido, e dá fim nele. O cara participa do sistema para não morrer e gozar de algum poder lá dentro. E tem solto que trabalha para que as leis garantam que sempre exista uma saidinha que dá dinheiro e privilégio para poucos financiado pelos muitos que ainda se encantam com gente que fala para asnos ouvirem. O pior é que ouvem.

Nas saidinhas os presos usam branco, chinelo havaiana, e estão geralmente carecas. São expostos à sociedade caracterizados como presos que são. Poucos são os familiares que vão encontrá-los nas saídas dos presídio. Muitos os comparsas que vão reintegrar um membro do grupo. O resto vai de ônibus mesmo. Careca, vestido de branco, chinelo havaiana. Muitos não voltam.

Nas saidinhas do poder geralmente usam preto, sapato italiano, nem todos são carecas. Saem de carro blindado, insulfilme tão escuro que vários Detrans do país proíbem, não se expõem, se exibem. Os parentes os encontram nos aeroportos, muitos comparsas os esperam nos destinos, vão de primeira classe. Nem todos carecas. Mas de preto, sapato italiano. Todos sempre voltam.

Não é uma ode aos presidiários. Nem defesa dos seus direitos. Pessoalmente sou contra qualquer saidinha. Do mesmo modo sou contra 90% dos benefícios concedidos aos presos. Mas também sou contra quase 100% dos benefícios concedidos à casta que mantém a roda girando e que agora resolveu querer tomar conta do parque inteiro. Essa brincadeira está ficando muito perigosa. Quem manda em quem afinal?

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