A Revolução dos Bichos - Review
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A Revolução dos Bichos - Review

Ou devo dizer, A Fazenda dos Animais? - Mais tarde no Podcast Opinião e Liberdade

Ramon Penteado
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Ou devo dizer, A Fazenda dos Animais?

Confesso que quando ouvi dizer, através de um amigo meu, Vinicius, que a Companhia das Letras lançaria uma nova versão de Revolução dos Bichos, meu ímpeto foi pensar que seria uma “edição revista e atualizada para o politicamente correto”. Mas, graças a Deus, não é nada disso. Ocorre que o título original do livro que conhecemos como Revolução dos Bichos é, de fato, “Animal Farm”, ou seja, Fazenda dos Animais.

George Orwell, autor do livro que estamos comentando agora, é um inglês nascido na Índia em 1903, vejam só de qual período estamos falando. Viveu lá por algum tempo, foi membro até de uma espécie de polícia na Índia.

Depois próximo de 1930, decidiu virar escritor. Voltou para Europa, morou em Paris, passou fome por muito tempo até conseguir algum sustento por meio da escrita.

Depois de casado em 1937, Orwell e sua esposa decidiram alistar-se para defender o Governo Espanhol durante a Guerra Civil, que só acabaria no ano que a Segunda Guerra Mundial começaria, em 1939.

Nesse período, que já havíamos passado por Revolução Russa, que é o tema central de Revolução dos Bichos, Orwell começa a escrever sua obra. Foi interrompido diversas vezes, tanto por conta da Guerra Civil Espanhola, como por conta de sua preocupação com a Segunda Guerra. Terminou de escrever o livro apenas em 1945, quase oito anos depois.

A primeira publicação desta obra foi feita em ucraniano. Pasmem! Não conseguia de forma alguma, uma editora de qualquer parte da Europa para publicar seu trabalho, sobre a alegação de que “assemelhar os diligentes de partidos a porcos, talvez desagrade alguns”, ou ainda “...não havia compreendido direito até agora, mas me parece que é uma crítica apenas ao regime soviético...”. A elite inglesa à época, buscou de todas as formas evitar conflitos com Stalin. Acreditem, jornais ingleses conseguiram comemorar o aniversário do Exército Vermelho, sem citar Trotsky. Para que todos entendam, é o mesmo que falarmos em Inconfidência Mineira, sem Tiradentes.

É com esse viés, de defender a liberdade do indivíduo, que George Orwell escreve e lança Animal Farm.

Provavelmente, quando você terminar de ler isso, se você já leu Revolução dos Bichos e entendeu tudo, vai concordar comigo. Se você não entendeu, espero colaborar para que entenda. Agora, caso não tenha lido, não faça com que esse texto sirva de apoio para que você não leia. Leia o livro!

Antes de começar a detalhar um pouco a obra, é preciso deixar claro que George Orwell se considerava socialista. Sim! Apesar da crítica ferrenha ao regime soviético, Orwell acreditava que o socialismo precisaria derrotar a URSS para que revivesse enquanto forma de sociedade. Era com esse objetivo que ele escrevia. 1984, uma outra excelente obra que falaremos em breve, é um outro exemplo onde podemos encontrar referências claras a Stalin e Trotsky, por exemplo.

Pois bem. O livro começa com um belo discurso do Major, um porco velho, premiado em diversas feiras e muito respeitado pelos demais animais. Major teve um sonho. Sonhou que todos os animais era livres e cooperavam entre si em prol do coletivo. Conforme a narrativa do sonho evolui, os animais são tomados de emoções e começam a vibrar grandemente na esperança de que aquele sonho se realize. Mas nenhuma comemoração se comparou ao momento em que o Major começou a entoar o hino com o qual sonhara: Bichos da Inglaterra. “[...]Mais hoje, mais amanhã, o Tirano vem ao chão[...]” uma versão mais branda de “[...]A crosta bruta que a soterra. Cortai o mal bem pelo fundo! De pé, de pé, não mais senhores! [...]” que ouvimos na Internacional Socialista da antiga União Soviética.

Os paralelos possíveis são infinitos.

O tempo passa, o Major morre, numa alusão à morte de Karl Marx, e rapidamente, três porcos assumem a liderança do sonho da rebelião. Bola-de-Neve, um porco pouco conhecido, mas muito vivo, cheio de ideias, Napoleão, um porco com bastante apoio dos demais animais e principalmente dos demais porcos, e Garganta, um porco com uma capacidade gigantesca de discurso. Se você já ouviu algo sobre a revolução russa, sabe quem é quem nessa história.

Bola-de-neve, é uma referência a Leon Trotsky. Durante a batalha que expulsou o Sr. Jones – proprietário da fazenda -, Bola-de-Neve se sagrou herói. Coordenou os ataques, defendeu o território, batalhou fortemente e, vejam só, assim como Trotsky o fez, por ser o fundador do Exército Vermelho. Já falaremos de mais semelhanças.

Agora Napoleão. Não coincidentemente, este nome foi dado pela tirania que cobria este personagem. Napoleão é Joseph Stalin. Stalin possuía total apoio do Partido, assim como Napoleão e, acreditava que a rebelião deveria ficar isolada à fazenda (ou Rússia, leia como quiser).

Mas e Garganta? Pois é. Garganta seria, segundo muitos literários, a personificação da Pravda, o jornal soviético mais importante da época. Controlado pelo partido, tinha o hábito de editar notícias já publicadas anteriormente para a manutenção da verdade por parte do regime. É a eloquência de Garganta (Pravda) que garante a hegemonia dos porcos na fazenda.

Ainda temos a Égua Mimosa, que recebe os mimos do Sr. Jones e por isso não tem muita certeza se a revolução será uma boa para ela. Esta é a representação da burguesia, que aos poucos é convencida da utilidade da revolução.

Podemos ver inclusive o papel da igreja nessa época, interpretado pelo Corvo Moisés, que durante a rebelião, acaba fugindo e depois é aceito de volta por Napoleão, remetendo à saída da Igreja Católica durante a Revolução por decreto de Vladmir Lênin e o posterior retorno concedido por Stalin.

O proletariado é assumido por Sansão e Quitéria – mais Sansão do que Quitéria – e, os demais animais são os camponeses da revolução. Temos outras figuras válidas, como as ovelhas que repetem bordões sem parar, o Burro Benjamin que é o animal mais velho e totalmente cético à revolução e os cachorros que, com uma aliança feita com Napoleão, passam a ser sua equipe de segurança.

O desenrolar da história é o esperado, isso se você entende o fracasso que revoluções causam.

Como já disse, a rebelião ocorre. Os animais tomam o poder e, de início, as operações da fazenda vão de vento em popa. Boas colheitas de feno, mais horas de descanso – menos para Sansão, o cavalo, cujo lema era “Trabalharei cada vez mais” -, e a fazenda parecia que viveria dias de glória.

Em dado momento, foi necessário se estabelecer algumas regras que foram escritas na parede do estábulo:

1 – qualquer coisa que anda sobre duas pernas é inimigo.

2 – o que andar sobre quatro pernas, ou tiver asas é amigo.

3 – nenhum animal usará roupa.

4 – nenhum animal dormirá em cama.

5 – nenhum animal beberá álcool.

6 – nenhum animal matará outro animal.

7 – todos animais são iguais.

Belíssimo não é mesmo? Imaginem uma sociedade real com estes preceitos. Fantástico!

Mas a revolução não parou por aí. Houve lutas contra fazendas vizinhas. Tiros, grandes guerras. Mas a fazenda permanecia sob o domínio dos animais, ou dos porcos, melhor dizendo.

Um belo dia, mimosa sumiu. Ouviram dizer que estava numa fazenda vizinha puxando uma bela charrete, bem tratada e com um belo laço na crina. Vocês se lembram que Mimosa representava a burguesia? Pois é.

Mas um fato interessante era o projeto de Bola-de-Neve de criar um Moinho de Vento. Sim, ele queria construir um moinho, pois acreditava que isso facilitaria a vida dos animais, geraria energia – que eles não tinham mais -, evitaria horas e horas de trabalho de Sansão e outros benefícios. No dia em que Bola-de-Neve decidiu apresentar o projeto para votação, Napoleão ordenou que os cães arrancassem Bola-de-Neve de dentro do estábulo e, junto com ele foram outros animais que votaram a favor do projeto. Bola-de-Neve sumiu (assim como Trotsky após ser expulso por Stalin), mas esse episódio levou à execução de vários animais apoiadores.  Lembram-se do 6º mandamento? Nenhum animal matará outro animal. Pois é. Por alguma razão, agora, na parede do estábulo se lia: “Nenhum animal matará outro animal, SEM MOTIVO”.

As “mudanças da verdade” e os “ajustes legais” não pararam por ai. Os porcos decidiram que, devido ao elevado trabalho intelectual que realizavam, era necessário que pudessem ter um melhor descanso e um melhor local de trabalho. Por conta disso, mudaram-se para a casa. Certa vez, foram flagrados deitados nas camas dos homens, dormindo. Quando foram até o estabulo ler o 4º mandamento, com certeza de que os porcos estavam errados, leram o seguinte: “Nenhum animal dormirá em cama, COM LENÇOL”.

Os porcos continuam seu poderio, fazendo alianças com fazendas vizinhas (assim como o pacto de não agressão Ribbentrop-Molotv com a Alemanha Nazista) e impondo condições pesadas de trabalho aos animais. Se lembram de Sansão, o cavalo que dizia “Trabalharei cada vez mais” e “Napoleão tem razão”. Um belo dia, Sansão foi acometido de uma rachadura em seu casco. Fraco e debilitado, sem serventia mais para os porcos, foi enviado para o matadouro, tal qual o regime Stalinista fazia com a mão-de-obra que já não servia mais. E como se mantinha os animais sob essa tutela? Muito simples. Garganta esbraveja com todos que ousassem pensar: “Você quer que Mr. Jones volte? É isso?”. Qualquer semelhança com “...senão o PT volta” é mera coincidência.

Não vou entrar nos pormenores do livro, pois é uma obra que merece até mesmo uma releitura, mas, depois de diversas alterações nas leis dos bichos, mortes, execuções, fome, nasciam outros animais que já nem sabiam como era a vida dos bichos antes da revolução, para eles, aquilo era o normal, a realidade.

Na parede do estábulo só se lia uma única lei: ““Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que outros”. Essa frase, deixa por Orwell é utilizada até hoje e reflete enorme realidade. Por fim, terminamos o livro com Quitéria espiando a casa dos porcos pela janela. Os porcos estão reunidos em volta de uma grande mesa com humanos, mas na verdade, quando os porcos andam em duas patas, não se podia distinguir quem era porco, quem era humano.

Animal Farm, ou A Revolução dos Bichos é, sem dúvida alguma, a melhor personificação dos efeitos colaterais de uma revolução. Não sei se, fosse George Orwell vivo e tivesse conversado com Roger Scruton, por exemplo, teria sido convencido de que o conservadorismo era mais a cara dele. A crítica a uma revolução é muito forte e, indica claramente que, depor um tirano (Mr. Jones ou Czar) por vias revolucionárias (Revolução dos Bichos ou Revolução Russa) leva ao nascimento de outro tirano (Napoleão ou Stalin).

Orwell não traz a figura de Lenin, creio que por romantizar o papel dele na revolução. Acredito que Orwell imaginava que aquilo seria o ideal socialista talvez.

A primeira tradução de Revolução dos Bichos feita no Brasil, foi executada por um tenente do exército, num período em que havia uma grande força no mundo todo para gerar um pensamento “antissocialista”. Veja você, quando Orwell quis publicar seu livro, numa fase de “Guerra-Fria”, teve todos seus pedidos negados inclusive por editoras americanas. Porém, quando o interesse em combater as ideias socialistas foi avivado, vários países se esforçaram muito em traduzir o livro com um viés mais antimarxista.

A realidade é que não faria a menor diferença. A revolução, seja do socialista, seja do nacionalista, seja uma revolução nazifascista, não importa, não será o melhor caminho para que uma sociedade evolua. O caminho da observação do que deu certo e do que deu errado, ajuste de estruturas – sem derrubar tudo e querer construir do zero – é o caminho que se mostrou até hoje mais eficaz. Nunca, um homem isolado, pode ser o “messias” de uma nação. Nunca a ideia de uma cabeça, pode refletir os ideais e valores de uma sociedade inteira.

“O preço da liberdade, é a eterna vigilância” Jefferson, Thomas.

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