Falsas relações de causa e efeito - [Por que são nocivas]
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Falsas relações de causa e efeito - [Por que são nocivas]

Acreditar rapidamente numa resposta simples pode ser uma armadilha.

Ramon Penteado
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Cientificamente, estabelecer relações de causa e efeito é "O" desafio do método científico. Explicar por qual motivo, evento A resultou no efeito B é, ao contrário do senso comum, muito complexo. Contradiz o conhecimento popular pois somos treinados para captar a resposta mais simples, encontrar uma saída em situação perigosa, fugir do perigo, etc.

Vejamos um caso simples:

João saiu na chuva ontem à noite. João amanheceu gripado. João está gripado pois tomou chuva ontem a noite.

Perceba que, a partir da nossa lógica - evoluída através de centenas de milhares de anos - demonstrando que "tomar chuva a noite" leva a um resfriado, concluímos que a gripe de João tem origem na chuva que ele tomou. Mas isso é verdade? Será que temos certeza que existe esta relação de causa e efeito?

Querem ver a história mudar totalmente? Vou adicionar uma informação que vocês ainda não tinham.

Maria disse que estava com João antes da chuva. Maria também disse que João estava reclamando de frio e estava com o nariz escorrendo.

Perceberam? Com a adição de uma informação que desconhecíamos a origem da gripe de João não é mais a chuva. João estava doente antes de tomar chuva.

Mas vamos complicar mais um pouco.

Maria, conhecera João apenas naquela noite. Francisca, por outro lado, conhece João há doze anos. Francisca, disse que João "sempre teve muito frio" e que "seu nariz estava escorrendo de alergia pois havia feito carinho num gato".

E agora? Então parece que, na verdade, João não estava doente antes. Volta a chuva ser a suspeita? Será que Francisca está errada? Ou seria Maria, a errada?

Vejam o quanto uma história boba nos impõe inúmeras e desconhecidas variáveis, antes de estabelecer um julgamento, uma decisão, uma afirmação categórica e finalíssima. 

Claro que não podemos cair na espiral infinita do questionamento indiscriminado de absolutamente tudo, sob a pena de começarmos a questionar nossa própria realidade. O niilismo, tal qual a crendice, não tem nada de elegante e intelectual.

Acontece que, crer em relações simplistas de causa e efeito é uma reação automática do nosso cérebro. Somos treinados para aceitar a resposta mais simples, com o objetivo biológico de economizar energia. Questionar(-se) é uma tarefa bastante cansativa.

Quando ainda estava nos primeiros anos de Academia Militar, havia uma máxima da caserna que sempre satirizávamos por sentirmos o absurdo que conotava: "Não limpou o fuzil (pode substituir por armário, cama, uniforme, bota), como espera cuidar de uma tropa?". Perceberam a relação de causa e efeito? Sabe o mais curioso? Nós, inicialmente, acreditávamos verdadeiramente nisso.

Claro que a disciplina militar é fundamental para o trabalho que desempenhávamos e que, todos estes detalhes são importantes para manutenção da estética militar - por mais que pareça dispensável, ela é uma ferramenta importantíssima quando falamos de segurança pública. Mas, onde está a relação clara de causa (não limpar o fuzil) e efeito (não saber liderar uma tropa)? Ela simplesmente não existe, neste caso. Talvez, ao longo de centenas de anos de militarismo, uma observação amadora tenha sido feita, verificando-se que, aqueles que limpavam o fuzil, resultavam em bons comandantes. Mas o que faz um bom comandante, de forma alguma, é limpar o fuzil.

Assim como esta, temos outras tantas que, diariamente, somos impelidos a aceitar e acabamos aceitando facilmente.

"Não quero votar no candidato A", logo, é partidário do candidato B. MENTIRA.

"Não lembrou do meu aniversário", logo, não se importa comigo. MENTIRA.

"Traiu", logo, trairá sempre. MENTIRA.

"Não tem faculdade", logo, não será ninguém. MENTIRA.

"Bebe", logo, virará alcoólatra. MENTIRA.

E convenhamos: As redes sociais só potencializaram os "especialistas" que afirmam categoricamente sobre estas relações "inquestionáveis"  de causa e efeito e, com isso, vemos as "torcidas" se formando do lado que constrói a relação e do lado que constrói uma relação inversa. É a torcida da chuva, contra a torcida da alergia. O trecho de relações ficaria assim, na torcida adversária:

"Não existe opção que não seja o candidato A" . MENTIRA.

"Esquecer do aniversário é normal". MENTIRA.

"Trair é normal". MENTIRA.

"Não faça faculdade. Bill Gates não fez e teve sucesso". MENTIRA.

"Beba como se não houvesse amanhã". MENTIRA.

Acontece que nenhuma delas está certa. Na verdade, depois de muitas brigas e discussões, verificou-se que, João, amanheceu gripado pois, ao chegar em seu condomínio, cumprimentou o porteiro, que já estava gripado e, por um descuido, levou a mão ao nariz, de maneira que contraiu o vírus. Nenhuma alternativa era a correta.

No mundo real, é muito diferente.

Steven Levitt, em sua obra "Freakonomics" (recomendo fortemente a leitura), descreve um episódio curiosíssimo a respeito de relações de causa e efeito.

Em 25 de dezembro de 1989, os EUA atingiram o pico do aumento da criminalidade em todo território nacional. Comparado aos últimos 15 anos, a sociedade estadunidense assistiu a um aumento na casa dos 80%. Assustador.

Contudo, repentinamente, no virar do ano, assistiram a uma queda abrupta em todos os indicadores criminais, retornando, em pouco meses a patamares de décadas anteriores. 

Rapidamente, diversos especialistas vieram a público explicar o motivo da queda:

1) Recuperação econômica.

2) Investimento nas policiais.

3) Investimento na Justiça.

4) Investimento nas prisões.

Enfim. Não faltavam gráficos e estudos que procuravam vincular um gasto público a um benefício revertido na segurança. Mas, graças a pessoas como Levitt, que buscam entender melhor a dinâmica dos números e a saga por dissecar as relações de causa e efeito, uma diferente explicação surgiu. Uma que não recebeu, sequer, uma única menção em jornal.

Ocorre que, em 1973 o aborto foi amplamente legalizado nos EUA. Esta legalização iniciou-se em 1970, com cinco estados (Havaí e Nova Iorque por exemplo) e foi, pouco a pouco, seguida pelos demais até que, em Janeiro de 1973, uma decisão da Suprema Corte estendeu a legalização para todo os EUA. A ação de Roe x Wade, iniciada em 1969 no Texas fora um pedido de Norma McCorvey ao Estado pelo direto de abortar seu filho, fruto de uma gravidez indesejada.

Mas, em que a legalização do aborto se relaciona com a redução da criminalidade? Quer você concorde ou não - com o aborto e, este não é o caso - a verdade é que, neste cenário, a relação é total.

As estatísticas criminais demonstravam que, 90% dos infratores eram homens com idade entre 17 e 20 anos, com algum histórico de falta de estrutura doméstica (ausência de um dos genitores, ou abandono). Desta forma, considerando que, entre 1970 e 1990, ou 1973 e 1990, existe de 17 a 20 anos de diferença, quando o aborto foi legalizado nos EUA, as crianças que, teoricamente, viriam a delinquir no futuro, simplesmente deixaram de existir.

No ano seguinte à legalização completa, os EUA assistiram a 1 aborto para cada 4 nascimentos. Até 1980 (10 anos antes da queda abismal na criminalidade) este número chegou a 1 para cada 2,25 (1,6 milhão de abortos por ano). Os estados que legalizaram o aborto antes (Havaí e Nova Iorque, como citei no exemplo) viram seus números reduzirem alguns anos antes, o que só não foi observado pois, no computo total, não modificou a curva criminal nacional.

Em hipótese alguma advogo aqui em favor do aborto. Isto retrata apenas que, nem sempre a resposta mais simples é a resposta correta. Neste caso, a resposta correta não foi, sequer, listada.

Relações de causa e efeito são complexas. Como seres humanos, estamos suscetíveis a inúmeras variáveis e, imaginem suas inúmeras variáveis interagindo com inúmeras variáveis de bilhões e bilhões de habitantes do nosso planeta que, por sua vez, possui inúmeras variáveis em inúmeros e diferentes sistemas que interagem com a vida humana.

Viver em constante negação, discordar pelo simples fato de discordar, eleger um assunto aleatório para fazer oposição, é, sem dúvida, uma grande estupidez. Porém, aceitar as respostas mais simples para todo e qualquer dilema me parece uma inocência voluntária e perigosa cuja origem podemos evitar. 

Não aceite religiosamente o que seu(sua) blogueiro(a) favorito(a) diz. Assim como existe conhecimento em lugares inimagináveis, a ignorância, o preconceito, os julgamentos sumários, também nos afetam inadvertidamente. 

Não seja papagaio de manchete. Fuja da obviedade, sem negar a realidade.

Causa e efeito. No dominó, apenas se todas as peças estiverem alinhadas e equidistantes, sendo a distância entre uma peça e outra, menor do que a altura da peça, é que o "efeito dominó" será completo.
Causa e efeito. No dominó, apenas se todas as peças estiverem alinhadas e equidistantes, sendo a distância entre uma peça e outra, menor do que a altura da peça, é que o "efeito dominó" será completo.

Freekonomics: https://www.amazon.com.br/Freakonomics-oculto-inesperado-Sthepen-Dubner/dp/8535227407

Roe v. wade: https://en.wikipedia.org/wiki/Roe_v._Wade