Microgestão numa Macro Empresa - [Parte II]
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Microgestão numa Macro Empresa - [Parte II]

Toda aquela conversa anterior sobre o paternalismo, principalmente, nas grandes empresas, e o Feedback Passivo-Agressivo ("Não estou criticando sua forma de fazer as coisas, mas a minha forma é muito melhor"), tem uma origem no motivo pelo qu...

Ramon Penteado
7 min
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Toda aquela conversa anterior sobre o paternalismo, principalmente, nas grandes empresas, e o Feedback Passivo-Agressivo ("Não estou criticando sua forma de fazer as coisas, mas a minha forma é muito melhor"), tem uma origem no motivo pelo qual decidi dividir este aprendizado com vocês.

Eu comecei a trabalhar desde muito cedo. Ajudava meu avô na feira, todos os finais de semana, em troca de algumas moedinhas que me permitiam comprar figurinhas para coleções de campeonatos de futebol (mesmo sem gostar de futebol e mesmo sem saber quem eram os jogadores). Depois passei a receber para ajudar amigos a estudar. A próxima experiência foi, talvez, a mais significativa e que me inseriu no universo da tecnologia que hoje sou tão aficcionado. Fui trabalhar com help-desk de uma empresa de Telemarketing. Lá dentro, graças a Deus e a habilidade dos que estavam acima de mim, tive oportunidades incríveis de aprendizado e evolução.

Mesmo sem saber absolutamente nada de desenvolvimento de sistemas, lógica de programação, banco de dados etc, me franquearam a oportunidade de sentar num computador e pesquisar formas de resolver pequenos problemas programáticos.

Às vezes o problema era uma alteração de um campo no banco de dados, outras vezes era a alteração de um texto dentro do sistema. Atividades simples mas que para um menino de 12 anos, sem qualquer conhecimento na área, demandavam algum tempo de pesquisa para serem realizadas.

Agora, sabem o que era realmente enriquecedor? Nenhum dos meus "chefes" me abordava com paternalismo. Eu tinha a liberdade de errar. Ou, pelo menos, de chegar no limite da minha capacidade e, após pedir ajuda, receber pequenos "insights" que me ajudavam a achar o caminho. Isso me fez pegar gosto por resolver problemas. Eu tentava ao máximo, quando não conseguia recebia uma espécie de "piscar de luzes numa sala escura" e, rapidamente, conseguia enxergar a saída. A satisfação de solucionar aquele desafio era imensurável para mim e, automaticamente desejava um novo desafio. Maior, mais complexo e que demandasse a aplicação de conhecimentos acumulados.

Eu sou imensamente grato a essa oportunidade. Não só aos meu chefes, mas aos donos da empresa por incentivarem este modelo de gestão.

Não havia preocupação com ageismo, arco-íris no fundo de tela, inclusão, pronome neutro, opressão linguística, nada disso. A preocupação era com formar profissionais para a empresa. Não havia nem o falso discurso de "Estamos formando profissionais para o mundo, não para empresa". Isso não existe. Se isso fosse verdade, empresas pagariam salários para funcionários de outras empresas. Nenhum CNPJ faz isso.

Pois bem. Passados alguns anos decidi entrar como Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Essa talvez tenha sido a experiência em gestão mais significativa da minha carreira. Gerir um efetivo armado em situação de estresse constante e baixo salário é, sem dúvida alguma, uma das tarefas mais desafiadoras em termos de recursos humanos.

Porém, foi lá que aprendi que microgestão pode levar - e invariavelmente levará - a "macros problemas".

Dificilmente acharemos uma instituição tão rica em procedimentos mas tão vazia em processos. Explico: desde a definição do direito para processo e procedimento temos diferenças, onde o processo é o instrumento e procedimento é o rito. Por conclusões óbvias, um não existe sem o outro, de maneira que se não há um processo, não há que se falar em procedimento. Da mesma forma, não existirá processo sem que procedimentos tenham sido executados.

Mas se um não existe sem o outro, como a PM pode ser rica em procedimentos e vazia em processos? Simples. A PMESP sabe, como poucas instituições, ritos para - quase - todas as ocasiões em que se demandará alguma interação do servidor. Seja operacionalmente falando ou administrativamente. Acontece que, apesar de possuir está expertise, o fim destes ritos são quase sempre vazios. 

Um procedimento operacional padrão é obedecido. O policial aborda um cidadão de maneira padronizada (ainda que não totalmente, mas você vai, minimamente, ouvir um "Polícia, mão na cabeça"). Mas qual o objetivo? Para qual instrumento (processo) se serve esta padronização? Um Boletim de Ocorrência que, na melhor das hipóteses, virará um inquérito que, por sua vez, passará por um longo procedimento dentro da justiça até que a real intenção de seu início seja cumprida, ou seja, a pena ou a absolvição.

Então, a PM padronizou milimetricamente todo o rito de uma abordagem policial, mas não detém nenhuma parte do processo. Logo, de que serve este rito se não para o simples controle interno? E é exatamente esta a questão.

O POP (assim que é chamado o Procedimento Operacional Padrão) é um compilado de mesquinharias programáticas que mais parecem uma instrução de torno mecânico. Tão perfeitamente alinhado que, por óbvio, nasceu para não ser cumprido. E qual seu uso? Punição arbitrária, pontual, isolada e, claro, sem qualquer padrão.

Para alguns comandantes, não seguir o POP à risca é motivo de punição. Para outros, existe uma tolerância pequena: "Vamos analisar o caso concreto". Outros, criaram seu próprio procedimento e regem seus pequenos feudos através deste maquinário administrativo. Enfim. Uma peça normativa que mais causa problemas do que resolve o que se propõe a solucionar.

Não é o ponto que não deveria existir tal normatização mas, será que normas tão milimetricamente desenhadas são eficazes? Não seria essa lição que deveríamos ter aprendido com a constituição americana? Enxuta, precisa e baseada nos costumes? Mas este é o grande combate interno que quem detém o poder deveria fazer diariamente. "Tirania ou Não Tirania. Eis a questão".

Quando você se preocupa até com o tom de voz de uma abordagem você despreza problemas reais como equipes que simplesmente desistem de abordar, ou seja, de realizar o policiamento preventivo, por simplesmente estarem sobrecarregadas de receio de serem punidas por qualquer desvio do trilho. Quando a preocupação com o uso da cobertura (nome que militares usam para designar o "boné" utilizado) é dominante, você despreza policiais que saem de doze horas de serviço para mais doze horas de "bico".

E vejam: Procedimentos devem existir mas não devem, em hipótese alguma, engessar o processo. E é essa microgestão que destrói instituições, pouco a pouco.

É a preocupação com minúcias do tipo:

- Você não bateu o ponto.

- Você não está usando o papel de parede da inclusão LGBT.

- Você não está usando as quatro presilhas no cinto (coisas da PM).

- Você não colocou a assinatura padrão da empresa no email.

Pode ser até que, por algum tempo, apareçam resultados. Mas, da mesma forma que pessoas normais um dia querem sair da casa dos país por não aguentarem mais tanta interferência em minúcias, pessoas normais também desistem de dar seu melhor quando são confrontadas com preocupações leoninas e desimportantes. 

Quando um atirador de elite estiver se preparando para um tiro, diga a ele que engraxe a bota pois não está adequada. Quando um programador estiver resolvendo um "bug" crítico, diga a ele que use outro editor de código pois você prefere assim. Quando um caixa de supermercado, no dia 24 de dezembro, estiver correndo para esvaziar uma fila quilométrica, diga a ele que troque de calça pois a que ele está usando não está de acordo com o uniforme.

Entenda: Este texto não é, de maneira nenhuma, um convite ao descumprimento de normas. Eu gosto de normas e creio que somos mais felizes quando as cumprimos. Mas, elas não podem, jamais, se confrontarem com aquilo que elas pretendem resolver. Este é um alerta de que existe algo errado no que se pretende regular.

O POP estrangula o policial militar. As normas de "inclusão" das grandes empresas, desanimam o trabalhador honesto. A mesquinharia do herdeiro de supermercado espantam funcionários que gostariam apenas de trabalhar. A gestão com base unicamente na sua experiência impede sua empresa de crescer, pois é através de interações humanas livres que crescemos.

A Microgestão vai acabar com grandes empresas. E acredite: Ela está cada vez mais velada em manifestações de falsas virtudes.

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