Nomadland ou a terra do no made man
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Nomadland ou a terra do no made man

Nomandland é um filme que se passa nos Estados Unidos; não qualquer Estados Unidos, mas o país pós crise de 2008, marcado por uma certa e completa desesperança em relação ao trabalho, ao dinheiro, ao viver. A personagem principal, Fern, já na...

lpintomartha
3 min
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Nomandland é um filme que se passa nos Estados Unidos; não qualquer Estados Unidos, mas o país pós crise de 2008, marcado por uma certa e completa desesperança em relação ao trabalho, ao dinheiro, ao viver. A personagem principal, Fern, já na casa dos 60 anos, se vê diante da escassez - de dinheiro, de laços, de trabalho - e se lança nas fronteiras desse país fotografado como gigante, ora desértico, ora gelado, ora os dois, em paisagens que me remeteram à solidão. E ela vai, muitas vezes só, de trabalho em trabalho, de cidade em cidade, no que a princípio parecia menos uma escolha e mais uma imposição.

Nesse início, me lembrei do filme de Ken Loach, Eu, Daniel Blake, e da sensação de total incredulidade e revolta que senti diante de um Estado que escolhe quem morre, de um Estado que deixa morrer. De trabalho, de fome, das muitas faltas, omissões e negligências. Mas lembrei, mais ainda, de um comentário de um amigo - não é qualquer Estado, é o Estado neoliberal. Irresistível a homofonia que ouvi entre nomadland e no made land, a terra onde não frutifica a promessa do homem que se faz; o sonho vendido a muitos dólares de que tudo é possível para aquele que pergunta pouco e coloca nas costas a responsabilidade de não apenas viver, mas de produzir, crescer, enriquecer desvela que nem tudo que reluz é ouro. No made land é a terra das empresas falidas, dos cenários vazios, da dificuldade mesma de se enlaçar. 

É certo que é preciso também parcializar. E para mim, parcializar é mesmo inevitável...se de início pensei menos em escolha, mais em imposição, foi preciso escutar o que havia ali que não era tanto da estrutura, mas do sujeito. Em uma conversa com a irmã, Fern escuta o quanto sua falta fez e fazia falta, quer dizer, houve algum ponto uma escolha, uma escolha que antecedeu à pobreza e à solidão: o que teria feito essa mulher partir e ir 'para o meio do nada'? O meio do nada, como aponta a irmã, é para Fern, uma casa pré-fabricada, cujo quintal é o próprio limite da cidade, "deserto e mais deserto até as montanhas, nada bloqueando a vista". 

A vida de Fern não é sem laços e sem encontros, mas é interessante ver como caminham juntas uma certa escolha e uma imposição. É essencial criticar esses novos modos que se colocam a todos nós, de trabalho e de ocupação do próprio espaço. O filme me conduziu a isso. De outro lado, o que se abre em alguns momentos é a escolha, decerto insondável, de alguém que vê liberdade onde é possível ver apenas solidão.