Na última semana, me deparei algumas vezes com a frase de Vera Iaconelli sobre a série da HBO, White Lotus, que diz: "as férias das quais não voltamos". Eu não li seu artigo e ainda não vi a série, mas esse título produziu um certo efeito, af...
Na última semana, me deparei algumas vezes com a frase de Vera Iaconelli sobre a série da HBO, White Lotus, que diz: "as férias das quais não voltamos". Eu não li seu artigo e ainda não vi a série, mas esse título produziu um certo efeito, afinal, eu mesma estava de férias e a iminência de partir me deu alguma angústia, pensando se conseguiria suspender algumas questões que estavam aqui e também, se quando retornasse ao dia a dia, se essas questões também retornariam comigo. Quer dizer, a angústia estava tanto na suspensão como no retorno, me deixando entrever essa marca do impossível - de prever? de satisfazer? |
Pois bem, no último dia de viagem, embarcando com o celular na mão e a identidade, lembro de ter olhado aquele pedaço de papel sem a proteção habitual da carteira e pensado: tenho que guardar logo isso, pode ser que eu a perca. Entre a mochila, uma sacola, a espera no sol para embarcar no avião e me encontrar em um assento entre duas pessoas, já sentadas, tal como uma profecia autorrealizável, perdi minha identidade. Fiquei refletindo sobre isso, entre a possível contingência da perda e o pensamento, que antecipava esse perigo, e o antecipou de maneira tão precisa, que foi, já a caminho de casa, que a lembrança veio na forma de certeza: eu perdi minha identidade. Não estava na mochila, nem na sacola, nem na carteira. Em algum momento entre procurar, sentar, acomodar. Em algum lugar entre Ilhéus e Rio de Janeiro. |
Ato tomado (e consentido) como falho, fiquei pensando na identidade perdida, nas últimas sessões de análise e na viagem em si. A reclamação, minha, das repetições das quais não estava conseguindo me desvencilhar, as tentativas de fazer diferente, quebrar o silêncio que encarno diante de um desencontro um pouco amoroso e a fala da analista, localizando que eu havia conseguido fazer uma pequena diferença. A pequena diferença pareceu, então, pequena demais, insignificante, para mim, que, desde pequena sofro (ou sofria) mais com a própria possibilidade de sofrimento do que propriamente com a perda do objeto desejado e amado. Lembrei de quando adolescente, pedi gentilmente a alguma força sobrenatural, não que eu fosse amada de volta, mas que simplesmente pudesse não sofrer tanto, em tempo e quantidade, com a possibilidade de desamor. |
A viagem marcou uma diferença um pouco maior do que eu poderia imaginar, me pegando também de surpresa. O silêncio enigmático, marca de disputa e testemunha de uma posição de quem espera provocar algo no outro, deu lugar à decisão. Não falar, que antes me petrificava em posição de expectância, ganhou contorno de vida: a escolha de poder partir, de poder, enfim, acolher e enunciar meu desejo - sem vergonha, sem queixa. |
Perder a identidade me deu alguma vontade de chorar, mas também me deu vontade de rir. Ri com um prazer infantil, achando graça nisso que se fez em ato. Afinal, não sei se voltei ou não das férias, mas fico feliz de não saber e, sobretudo, de imaginar esse papel a que chamamos de identidade voando e me fazendo voar nesses lugares que eu chamo de 'entre'. |