HENRY MARTYN: A PASSAGEM DO ÚLTIMO MISSIONÁRIO PROTESTANTE PELO BRASIL COLONIAL
0
0

HENRY MARTYN: A PASSAGEM DO ÚLTIMO MISSIONÁRIO PROTESTANTE PELO BRASIL COLONIAL

Quantas vezes os protestantes tentaram entrar no Brasil antes dos tempos do imperador?

Pedro Henrique Medeiros
6 min
0
0
Henry Martyn
Henry Martyn

Quantas vezes os protestantes tentaram entrar no Brasil antes dos tempos do imperador?

Durante o período colonial, ocorreram ao menos três tentativas conhecidas pela historiografia.

Todas essas tentativas ocorreram no contexto de políticas expansionistas e mercantilistas de países europeus que visavam as Américas e não aceitavam que o vasto território americano fosse dividido para exploração apenas por portugueses e espanhóis.

Neste sentido, dois momentos foram de suma importância para a história religiosa brasileira. 


O primeiro momento foi a tentativa da França de estabelecer um posto comercial próprio na região da Baía da Guanabara em 1555.

A expedição liderada por Nicolau Villegagnon durou cinco anos, com uma batalha entre portugueses e franceses que perdurou até 1567, com a vitória portuguesa e a consagração do Governador-Geral Mem de Sá e do comandante Estácio de Sá na fundação da cidade do Rio de Janeiro.

A expedição francesa foi inicialmente comandada pelo almirante Gaspar de Coligny que trazia junto a si alguns tripulantes protestantes, que formularam a primeira Confissão de Fé protestante em terras brasileiras em 1555, que ficou conhecida como Confissão de Fé da Guanabara.

Em seguida, Villegagnon solicita a João Calvino o envio de outros protestantes para darem apoio a respeito da evangelização dos Tamoios. 

Calvino responde enviando alguns dos seus alunos, incluindo o pastor Pierre Richier.

Esses protestantes franceses, conhecidos como huguenotes, chegaram à Baía da Guanabara em fevereiro de 1557, quando realizaram o primeiro culto de ação de graças protestante em terras brasileiras.

A expedição, porém, terminou em tragédia para os protestantes traídos por Villegagnon e derrotados pelos portugueses.

O segundo momento de inserção do protestantismo na América Portuguesa ocorreu em 1624, em Salvador, Bahia, por holandeses. 

Esta invasão ocorreu no contexto da União Ibérica (1580-1640), quando Portugal e Espanha estavam sob a mesma coroa. O contexto também era o de Guerra entre espanhóis e holandeses.

A invasão holandesa na Bahia durou apenas um ano. Mas, em 1630, os holandeses retornam e invadem Pernambuco, tendo o conde Maurício de Nassau como governador.

Neste retorno dos holandeses, dois indígenas retornam como pastores protestantes calvinistas, são eles: Pedro Poty e Gaspar Paraopeba.

A expedição perdura até 1654, quando são expulsos pelos portugueses. Devido à grande quantidade de indígenas que se tornam protestantes durante este período, o padre Antônio Vieira dirá que a região de Ibiapaba havia se tornado a Genebra dos Sertões.

Depois disso, o protestantismo só retornará no século XIX.

Assim, Henry Martyn se tornou um missionário da transição das portas fechadas para as portas abertas do Brasil para os protestantes.

Henry Martyn esteve de passagem por Salvador, Bahia, em 1805, quando precisou fazer uma escala na sua viagem rumo à Índia, onde serviria como missionário, três anos antes da chegada de d. João VI com a corte portuguesa.

Em seu diário, ele deixou registrado suas impressões e suas experiências com religiosos católicos, com quem teve contato em novembro de 1805: 

“Que missionário será enviado para trazer o nome de Cristo a estas regiões ocidentais? Quando será que esta linda terra se libertará da idolatria e do cristianismo espúrio? Há cruzes em abundância; mas quando será levantada a doutrina da cruz? [...]

Eu o deixei [o Sr. Antônio] para voltar ao meu navio, mas achando, ao longo do meu caminho, uma capela aberta, entrei para ver os quadros, todos eles tendo, como figura preeminente, o frade de alguma ordem. Em um quadro, algumas pessoas nas chamas seguravam a corda que ele trazia à cintura. Que figura apta se, em lugar de frade, estivesse Jesus Cristo! 

Nesse momento, um frade, de traje idêntico ao do quadro, estava andando devagar; eu o segui pelos claustros e lhe falei em latim. Ele ficou um tanto surpreso, contudo respondeu. Ele me disse que a capela pertencia a um mosteiro de frades franciscanos.

Ele parou no claustro que cercava o primeiro andar do prédio e, a esta altura, já nos entendamos perfeitamente bem. 

Então eu lhe pedi que provasse, pela Escritura, as doutrinas do purgatório, da adoração de imagens, da supremacia do papa e da transubstanciação. 

Seus argumentos foram extremamente fracos, e o Senhor me deu resposta a todos eles.

Durante a nossa conversação, chegaram mais dois ou três frades, os quais entraram na discussão. Eu rebati todos os seus erros, tão claramente como possível, pela Palavra de Deus; não tiveram nada para responder e, não obstante, não pareciam desconcertados. 

Toda uma tropa de outros frades, passando em procissão no claustro inferior, do lado oposto, fez sinal a eles para descerem, o que fizeram, levando-me consigo a uma cela - dois na frente e dois de cada lado. 

Enquanto andávamos pela passagem, um me perguntou se eu era cristão. 

Quando todos nós chegamos à cela, eu pedi uma Bíblia e a discussão foi reiniciada.

Descobri que eles não consideravam seus erros defensáveis em bases bíblicas; daí apelavam para a autoridade da Igreja. 

Disse-lhes, então, que essa igreja, pela própria confissão deles, agia contra a lei de Deus e, portanto, não era a Igreja de Deus.

Também chamei a atenção deles para as últimas palavras do Apocalipse.

Meu conhecimento da Escritura parecia surpreendê-los muito.

Quando silenciaram, e nada mais tendo a dizer, eu temi que o assunto terminasse ali, sem nenhum proveito; portanto, eu disse: ‘Vocês que professam ensinar o caminho da verdade, como ousam, perante Deus, deixar o povo continuar nas práticas idolátricas, que sabem ser contrárias à palavra de Deus?’ [...]

Finalmente fui-me embora, pois o sol já se pusera, e todos me acompanharam pelas longas e escuras passagens.

Quase tremia por causa do lugar e da companhia em que me encontrava, mas eles eram extremamente corteses e indagavam quando eu viria novamente à terra, para que me esperassem. ”

Excerto do Diário de Henry Martyn citado por Duncan Alexander Reily em História Documental do Protestantismo no Brasil.

Henry Martyn, ao longo dessa discussão, marcou qual seria o procedimento dos missionários protestantes ao longo do Império do Brasil. 

Ou seja, os debates polemistas com os católicos, que num tempo em que a linguagem não era tipificada como um crime, fazia com que mesmo após calorosos debates sobre dogmas e fé, ainda assim terminassem de forma cortês.

Claro, isso vai mudando após a segunda metade do século XIX, mas deixo isso para um próximo artigo.

Por Pedro Henrique Medeiros, doutor em História.