Quantas vezes os protestantes tentaram entrar no Brasil antes dos tempos do imperador?
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Quantas vezes os protestantes tentaram entrar no Brasil antes dos tempos do imperador? | ||
Durante o período colonial, ocorreram ao menos três tentativas conhecidas pela historiografia. | ||
Todas essas tentativas ocorreram no contexto de políticas expansionistas e mercantilistas de países europeus que visavam as Américas e não aceitavam que o vasto território americano fosse dividido para exploração apenas por portugueses e espanhóis. | ||
Neste sentido, dois momentos foram de suma importância para a história religiosa brasileira. | ||
O primeiro momento foi a tentativa da França de estabelecer um posto comercial próprio na região da Baía da Guanabara em 1555. | ||
A expedição liderada por Nicolau Villegagnon durou cinco anos, com uma batalha entre portugueses e franceses que perdurou até 1567, com a vitória portuguesa e a consagração do Governador-Geral Mem de Sá e do comandante Estácio de Sá na fundação da cidade do Rio de Janeiro. | ||
A expedição francesa foi inicialmente comandada pelo almirante Gaspar de Coligny que trazia junto a si alguns tripulantes protestantes, que formularam a primeira Confissão de Fé protestante em terras brasileiras em 1555, que ficou conhecida como Confissão de Fé da Guanabara. | ||
Em seguida, Villegagnon solicita a João Calvino o envio de outros protestantes para darem apoio a respeito da evangelização dos Tamoios. | ||
Calvino responde enviando alguns dos seus alunos, incluindo o pastor Pierre Richier. | ||
Esses protestantes franceses, conhecidos como huguenotes, chegaram à Baía da Guanabara em fevereiro de 1557, quando realizaram o primeiro culto de ação de graças protestante em terras brasileiras. | ||
A expedição, porém, terminou em tragédia para os protestantes traídos por Villegagnon e derrotados pelos portugueses. | ||
O segundo momento de inserção do protestantismo na América Portuguesa ocorreu em 1624, em Salvador, Bahia, por holandeses. | ||
Esta invasão ocorreu no contexto da União Ibérica (1580-1640), quando Portugal e Espanha estavam sob a mesma coroa. O contexto também era o de Guerra entre espanhóis e holandeses. | ||
A invasão holandesa na Bahia durou apenas um ano. Mas, em 1630, os holandeses retornam e invadem Pernambuco, tendo o conde Maurício de Nassau como governador. | ||
Neste retorno dos holandeses, dois indígenas retornam como pastores protestantes calvinistas, são eles: Pedro Poty e Gaspar Paraopeba. | ||
A expedição perdura até 1654, quando são expulsos pelos portugueses. Devido à grande quantidade de indígenas que se tornam protestantes durante este período, o padre Antônio Vieira dirá que a região de Ibiapaba havia se tornado a Genebra dos Sertões. | ||
Depois disso, o protestantismo só retornará no século XIX. | ||
Assim, Henry Martyn se tornou um missionário da transição das portas fechadas para as portas abertas do Brasil para os protestantes. | ||
Henry Martyn esteve de passagem por Salvador, Bahia, em 1805, quando precisou fazer uma escala na sua viagem rumo à Índia, onde serviria como missionário, três anos antes da chegada de d. João VI com a corte portuguesa. | ||
Em seu diário, ele deixou registrado suas impressões e suas experiências com religiosos católicos, com quem teve contato em novembro de 1805: | ||
“Que missionário será enviado para trazer o nome de Cristo a estas regiões ocidentais? Quando será que esta linda terra se libertará da idolatria e do cristianismo espúrio? Há cruzes em abundância; mas quando será levantada a doutrina da cruz? [...] | ||
Eu o deixei [o Sr. Antônio] para voltar ao meu navio, mas achando, ao longo do meu caminho, uma capela aberta, entrei para ver os quadros, todos eles tendo, como figura preeminente, o frade de alguma ordem. Em um quadro, algumas pessoas nas chamas seguravam a corda que ele trazia à cintura. Que figura apta se, em lugar de frade, estivesse Jesus Cristo! | ||
Nesse momento, um frade, de traje idêntico ao do quadro, estava andando devagar; eu o segui pelos claustros e lhe falei em latim. Ele ficou um tanto surpreso, contudo respondeu. Ele me disse que a capela pertencia a um mosteiro de frades franciscanos. | ||
Ele parou no claustro que cercava o primeiro andar do prédio e, a esta altura, já nos entendamos perfeitamente bem. | ||
Então eu lhe pedi que provasse, pela Escritura, as doutrinas do purgatório, da adoração de imagens, da supremacia do papa e da transubstanciação. | ||
Seus argumentos foram extremamente fracos, e o Senhor me deu resposta a todos eles. | ||
Durante a nossa conversação, chegaram mais dois ou três frades, os quais entraram na discussão. Eu rebati todos os seus erros, tão claramente como possível, pela Palavra de Deus; não tiveram nada para responder e, não obstante, não pareciam desconcertados. | ||
Toda uma tropa de outros frades, passando em procissão no claustro inferior, do lado oposto, fez sinal a eles para descerem, o que fizeram, levando-me consigo a uma cela - dois na frente e dois de cada lado. | ||
Enquanto andávamos pela passagem, um me perguntou se eu era cristão. | ||
Quando todos nós chegamos à cela, eu pedi uma Bíblia e a discussão foi reiniciada. | ||
Descobri que eles não consideravam seus erros defensáveis em bases bíblicas; daí apelavam para a autoridade da Igreja. | ||
Disse-lhes, então, que essa igreja, pela própria confissão deles, agia contra a lei de Deus e, portanto, não era a Igreja de Deus. | ||
Também chamei a atenção deles para as últimas palavras do Apocalipse. | ||
Meu conhecimento da Escritura parecia surpreendê-los muito. | ||
Quando silenciaram, e nada mais tendo a dizer, eu temi que o assunto terminasse ali, sem nenhum proveito; portanto, eu disse: ‘Vocês que professam ensinar o caminho da verdade, como ousam, perante Deus, deixar o povo continuar nas práticas idolátricas, que sabem ser contrárias à palavra de Deus?’ [...] | ||
Finalmente fui-me embora, pois o sol já se pusera, e todos me acompanharam pelas longas e escuras passagens. | ||
Quase tremia por causa do lugar e da companhia em que me encontrava, mas eles eram extremamente corteses e indagavam quando eu viria novamente à terra, para que me esperassem. ” | ||
Excerto do Diário de Henry Martyn citado por Duncan Alexander Reily em História Documental do Protestantismo no Brasil. | ||
Henry Martyn, ao longo dessa discussão, marcou qual seria o procedimento dos missionários protestantes ao longo do Império do Brasil. | ||
Ou seja, os debates polemistas com os católicos, que num tempo em que a linguagem não era tipificada como um crime, fazia com que mesmo após calorosos debates sobre dogmas e fé, ainda assim terminassem de forma cortês. | ||
Claro, isso vai mudando após a segunda metade do século XIX, mas deixo isso para um próximo artigo. | ||
Por Pedro Henrique Medeiros, doutor em História. |