Análise: a (má) cobertura da grande mídia sobre Lula na Europa
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Análise: a (má) cobertura da grande mídia sobre Lula na Europa

No tema Política, a grande mídia brasileira tem se focado especialmente na cobertura sobre a filiação do presidenciável Sergio Moro ao Podemos e nas prévias tucanas para lançar, entre João Doria e Eduardo Leite, um candidato para chamar de se...

Salete Rossini
9 min
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No tema Política, a grande mídia brasileira tem se focado especialmente na cobertura sobre a filiação do presidenciável Sergio Moro ao Podemos e nas prévias tucanas para lançar, entre João Doria e Eduardo Leite, um candidato para chamar de seu, nessa ordem.

Enquanto isso, as mídias independentes e as de esquerda têm se focado melhor na passagem do ex-presidente Lula por instituições universitárias e políticas da Europa, com direito a aplausos dos presentes e entrevistas a mídias locais. Já percebemos que as mídias europeias têm focos mais distribuídos do que a nossa ao abordar temas ligados à geopolítica e à economia. Os europeus sabem que nossas mídias agora concentram os focos nas pré-candidaturas da direita liberal, privataria de estatais e reforma do Estado.

Mas, vale frisar que os focos mais distribuídos também não tornam a imprensa europeia muito confiável, como esclareceu o cientista político sergipano Carlito Neto, do seu canal O Historiador, no Youtube, apontando também a falta de cuidado de Lula na entrevista concedida ao espanhol El País.

Pois a grande imprensa brasileira tem outras intenções por trás da concentração em focos específicos quando o assunto é política: concentrar atenção em Moro para, na medida do possível, solidificar a solidez da liderança do petista na preferência popular para 2022.

Lula: dos discursos e palestras à entrevista ao El País

Líder na preferência popular para 2022, Lula foi à Europa a convite de autoridades, acompanhado de velhos aliados e partícipes de seu governo, entre eles os ex-ministro Aloysio Mercadante (MEC) e o diplomata Celso Amorim (Relações Exteriores).

Na Alemanha encontrou Angela Merkel e o sucessor socialdemocrata Olaf Schölz; voou para Bruxelas, onde palestrou no Parlamento Europeu em conferência realizada por socialdemocratas; e foi recebido com honras de chefe de Estado pelo presidente francês Emanuel Macron.

Com Macron, os principais destaques da conversa foram as necessidades mais urgentes do Brasil como o combate à fome causada pela política de desmonte interno e o desmatamento, crise sanitária e um pouco sobre política internacional.

Dois destaques na passagem: foi aplaudido de pé pelos presentes no Parlamento, e também no vetusto e famoso Centro de Ciências Políticas da Universidade de Sorbonne, na França, onde recebeu um prêmio concedido por prestigiada revista especializada em Política Internacional, após ver Macron.

Temas como problemas brasileiros (depleção da economia e da política e fome), macroeconomia e diplomacia na política internacional ganharam destaque na sua passagem pela Europa. Em Bruxelas, se revelou "disposto a proteger o meio ambiente e povos indígenas, e recuperar a economia e o prestígio do Brasil no cenário internacional", se for eleito presidente.

Depois, ele foi para Madri, onde teve um encontro com o ex-primeiro ministro da Espanha, Filipe Gonzalez, socialdemocrata tendente à esquerda. A simpatia entre ambos se mostrou notória. Após esse encontro, ele foi entrevistado pelo jornal El País, o maior e mais conhecido da Espanha.

Entrevista ao El País- Na entrevista, concedida a duas jornalistas, foram abordados vários temas, entre eles meio ambiente, a corrida para a sucessão presidencial brasileira e as expectativas do próprio petista para 2022, e claro, a política internacional.

Perguntado sobre sua candidatura, o petista mais uma vez negou ter se confirmado candidato, mas como disse em Bruxelas, "é preciso voltar para que o Brasil possa recuperar a sua economia interna, e também o prestígio internacional" - base do que seria o seu projeto de governo, se eleito.

Sobre essa não confirmação, ele explicou que há questão sociopolítica "maior do que a vontade pessoal", devido à construção de alianças com partidos de outros vieses, pois "antes das eleições, temos que pensar em como governar" para que haja viabilidade ao retorno do desenvolvimento.

 Sobre o Brasil "estar quebrado", Lula não citou o recorde de arrecadação de impostos (R$ 2,1 tri) em outubro, mas deu a entender sua explicação pelo desmonte das políticas públicas, iniciado na era Temer e aprofundado (e ainda não encerrado) na era Bolsonaro-Guedes-Lira.

Ele chama o desmonte de "políticas reversivas" que acabaram "levando o país a cair da 6ª para a 13ª economia do mundo", ligadas sobretudo à destruição da política industrial: "deixamos de ser um sonho para os investidores estrangeiros, e passamos a ser um pesadelo".

Sobre a fome geral, ele reiterou: "não posso admitir que o mundo produza mais alimentos do que a humanidade possa comer, e que mais de 800 milhões de pessoas com fome no mundo". Esse é um mote relembrado de seus tempos da primeira campanha para presidente da República.

Outro tema abordado na entrevista foi sobre as possibilidades de recuperação econômica no pós-pandemia, no qual se revelou otimista e apontou os exemplos dos EUA e da própria UE na criação de fundos: "O Estado tem que ser o indutor [...], tem que colocar o dinheiro para que a economia cresça. Na crise de 2008 fizemos isso".

Política internacional- nesse tema, a entrevista partiu para as relações diplomáticas com nações cujos governos foram tomados pelo que as jornalistas apontaram como sendo autoritários: Nicarágua, Cuba e Venezuela. Apontamento espinhoso, dada a polêmica sobre ideologias políticas específicas.

Lula disse ser favorável à alternância de poderes, e governante eleito que logo se impõe perpetuar no poder contra a oposição e a vontade popular "vira um pequeno ditador", e daí estar "completamente errado" nesse sentido. 

E questionou numa comparação interessante: "se Angela Merkel governou por 16 anos e não foi ditadura, por que o de Daniel Ortega, ou de Evo Morales, o seria?", citando dois nomes que tiveram governos longos. A comparação com Ortega soou surpreendente para as entrevistadoras, em que uma das entrevistadoras replicou: "mas Merkel não prendeu ninguém".

Lula respondeu de pronto: "eu não quis dizer isso, apenas digo que, até onde sabemos, Ortega foi eleito por seu povo". Mas emendou: "agora, se ele quer se perpetuar no poder prendendo opositores e investindo contra a vontade popular e as necessidades do país, ele está totalmente errado", também se referindo ao cubano Díaz-Canel, que enfrenta manifestos populares.

Spoiler: a menção de Lula ao boliviano Morales se deu pela longevidade similar de governos e de atuações sem prender opositores. 

As citações acima se referem aos questionamentos das jornalistas à defesa contínua de Lula de não interferência externa nas decisões internas dos países. A respeito desse tema, o petista afirmou que "não podemos interferir contra a vontade popular, pois temos que respeitar a autodeterminação dos povos".

Na internet, a entrevista foi transmitida em tempo real como transmissão ao vivo, facilitando o acesso imediato nas redes sociais por algumas comunidades (de mídias e nomes públicos) e usuários.

Repercussão na grande mídia brasileira

Dada a sua liderança popular, é natural que Lula aplaudido e premiado em turnê pela Europa cause grande repercussão midiática, com direito a debates acalorados nas redes sociais.

Mas, foi em cima da entrevista, particularmente a respeito da política internacional, que Carlito Neto chama a atenção ao dizer que Lula deveria aprender a ser mais sagaz nas entrevistas para a grande mídia ocidental. 

A observação faz sentido, visto que as grandes mídias ocidentais selecionam como ditaduras os governos tidos como esquerdistas, enquanto há nações governadas por ditadores de extrema direita que impõem grande sofrimento a seus povos, sem nenhum alarde dessas mesmas mídias.

Há bons exemplos. A república de Mianmar, na antiga Indochina, é governada por uma ditadura militar de extrema direita, bem como alguns países africanos; e a Tailândia, uma monarquia absolutista autoritária e opulenta. Se elas fossem lembradas na entrevista, talvez Lula não desse chance à atitude da grande imprensa brazuca.

Tal atitude foi apontada por Carlito Neto como distorção, contida nos textos escritos e no vídeo claramente editado que foi extensivamente aproveitado. Daí acusarem o petista de minimizar o "grave teor autoritário" dos citados governos, e a não interferência interpretada como "simpatia".

CNN Brasil e UOL consideraram "infeliz" a comparação dos governos Morales e Merkel; a CNN citou a questionável fraude eleitoral seguida da renúncia forçada do boliviano. O G1-Globo mencionou a crítica de Lula a Ortega, mas deixando a entender uma suposta proximidade com o sandinista. 

Outras mídias, como a R7 da Record, também publicaram a versão editada do vídeo da entrevista com menções críticas às falas; a R7 sequer mencionou a defesa de Lula à "autodeterminação dos povos'.

Apartidarismo?- tendo a Globo como líder nacional, a grande imprensa brasileira procura dar o seu ar de neutralidade político-partidária ao criticar tanto nomes de centro-esquerda quanto os da direita como Bolsonaro e seus aliados no Congresso. 

Para o advogado e youtuber José Fernandes, do seu canal Portal do José, essa tática tão típica da nossa grande imprensa é só maquiagem fática. Faz sentido: ao minimizar a turnê de Lula a breves textos, mídias como Globo e Estadão destacam os novos nomes do momento: Deltan Dallagnol e, sobretudo, Sergio Moro.

 Já sabemos que, pela Lava Jato, Moro tirou Lula da corrida presidencial de 2018. Agora aspirante presidenciável pelo Podemos de Álvaro Dias, ele ocupa mais páginas impressas do que outros fatos relevantes como os investimentos de Guedes em paraísos fiscais (Pandora Papers), a corrupção do Centrão de Lira e mais gente comprando osso.

Como o The Intercept Brasil já publicou há algum tempo, a intenção de mídias como a Globo e Estadão é enfatizar a Lava Jato como um partido não oficial de ideologização da ética para ter Moro como "candidato moral". Eficiente estratégia: ele está agora em 3º na preferência eleitoral.

Em 2015, o JáÉ Notícias publicou artigo no qual afirma a grande imprensa brasileira como hostil ao PT e a Lula, ao minimizar o investimento público feito na era petista e os avanços, mesmo tímidos, decorrentes desses investimentos.

 Antes do terremoto político da Vaza Jato do The Intercept Brasil, o Pragmatismo Político apontou a tendência da grande imprensa brasileira em narrar fatos de forma a desestimular o debate público sobre os temas políticos. Não é por acaso que hoje deparamos com as notícias falsas como um fenômeno normalizado - que Lula apontou na entrevista.

Como publicou o GGN, se trata do falso apartidarismo reinante na imprensa brasileira, no intento de definir as regras do jogo político, no qual a posição das esquerdas deve ser sempre subalterna aos interesses da direita, que representa o personagem mais central de todo esse jogo: o grande capital.

REFERÊNCIAS

- https://www.youtube.com/watch?v=C8tGxPPGb0I (O Historiador - imprensa distorce sobre entrevista de Lula ao El País)

- https://www.youtube.com/watch?v=bxGDtwQ7Y70 (entrevista de Lula ao El País - com cortes sutis)

- https://theintercept.com/2021/11/20/viagem-lula-grande-imprensa-globo-candidato-sergio-moro/

- https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/02/a-imprensa-brasileira-e-a-obscuridade-de-seus-interesses.html

- https://jornalggn.com.br/midia/o-falso-apartidarismo-da-grande-imprensa-brasileira/

- https://www.jaenoticia.com.br/noticias/2014/08/17/9726-para-jornalista-grande-imprensa-brasileira-tem-antipatia-a-lula-e-ao-pt

- https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/11/viagem-protocolar-de-lula-a-europa-vira-triunfo-diplomatico-inesperado.shtml

- https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/11/17/lula-recebe-na-franca-premio-de-revista-especializada-em-politica-internacional.ghtml

- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/11/23/lula-entrevista-el-pais.ghtml

- https://www.brasildefato.com.br/2021/11/21/em-entrevista-ao-el-pais-lula-fala-de-possivel-projeto-para-2022