Análise: por trás da hiperinflação dos combustíveis
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Análise: por trás da hiperinflação dos combustíveis

No tema Economia, representações da grande imprensa têm extensivamente apontado sobre os aumentos semanais resultando na carestia severa dos combustíveis para o consumidor final, em aparente crítica à falta de ação do governo para buscar meio...

Salete Rossini
10 min
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No tema Economia, representações da grande imprensa têm extensivamente apontado sobre os aumentos semanais resultando na carestia severa dos combustíveis para o consumidor final, em aparente crítica à falta de ação do governo para buscar meio de estancar o problema.

A permanência dessa crise estabelece no povo a conclusão de que a hiperinflação voltou e teria falido o Plano Real, que fora desenvolvido na era Itamar Franco para criar uma moeda relativamente estável frente ao dólar e ao euro (câmbio flutuante), e combater o descontrole inflacionário sem prejudicar o mercado.

Mas, o plano Real segue sem interferência nas leis do mercado atual, revelando que o problema, na verdade, se encontra na fragilidade das relações construídas com o mercado interno representado pelos serviços oferecidos à população e ao consumidor final, este em geral de camadas populares.

Isso talvez esteja por trás das atividades de Paulo Guedes, o famigerado ministro Chicago boy do governo Bolsonaro, a mexer nos pauzinhos da solidez do plano Real através da fragilização do câmbio flutuante, tornando mais caras as moedas de ponta (euro, libra esterlina e dólar) para a nossa, e junto a outros meios, dificultando a economia popular. 

Fragilidade cambial, instrumento de partida

Quando assumiu a pasta da Economia de Bolsonaro, Guedes viu um contexto socioeconômico em novo ciclo de empobrecimento, decorrente das medidas subtrativas da era Temer, como a dissolução da CLT que em  numerosos tópicos facilitou a vida dos empregadores e dificultou a dos trabalhadores em numerosos pontos. Mas Guedes achou isso muito pouco.

Ele nunca escondeu sua crítica ao Plano Real e das facilidades de crédito popular do petismo, que permitiram à patuleia viajar de avião, cursar universidade e ter casa própria. Sua crítica, em conferência com megaempresários, foi no "absurdo" de "domésticas viajando para a Disney, uma festa danada".

Por essa "festa danada" ele culpou a estabilidade da moeda brasileira pelo câmbio flutuante. Foi então que ele realizou a quebra desse câmbio, desvalorizando o real diante do dólar e outras, e garantiu aumentos de preços de uma infinidade de produtos e serviços, sobretudo alimentos e combustíveis.

Se em algum momento as domésticas realmente foram tão longe e queriam voltar, não sabemos; a certeza é a de que, com a sindemia de C19, Guedes passou a boiada matando sonhos e deixando vazios bolsos, moradas e estômagos. Osso virou carne e empregos, quando há, são precários e juridicamente inseguros.

Desaceleração- Diante do reclame do impactado mercado interno e também dos bancos, Guedes desacelerou o desvalor cambial, influindo em aumentos mais controlados dos preços de alimentos e outros insumos básicos, sem, no entanto, surtir efeito social positivo.

Se os vegetais em geral (frutas, legumes, grãos, leguminosas, farinhas) tiveram desaceleração nas subidas de preços, o mesmo não se pode dizer, a princípio, da carne, que continuou alvo especulativo apesar do boicote chinês devido à confirmação de alguns casos de "doença da vaca louca".

Mas a desaceleração não conteve a sucessão de aumentos dos preços dos combustíveis, refletindo em repetidas ameaças de paralisação dos caminhoneiros, já cansados das promessas do governo. Em conta-gotas, os aumentos semanais geraram alta acumulada de quase 100%, desde o seu início, como aponta o Instituto de Preços ao Consumidor (IPC-A).

Para conter a sangria inflacionária, o Banco Central elevou a taxa de juros Selic de 2% a 7,75%, dando certo principalmente nos preços de gêneros alimentícios. Mas tal aumento leva à transferência de enorme volume extra para o mercado financeiro, que pode ultrapassar R$ 200 bi. Assim, o mercado abocanha mais de 4 vezes o antes destinado ao agora finado Bolas Família.

Mas, e nos preços dos combustíveis?

Entre a patuleia, ainda reside em muitos o temor de que essa subida acima citada redundasse de novo naquela temida hiperinflação de antes do Real. Guedes disse que isso é impossível. Mas, em se tratando de Guedes, tudo é possível. Pois a contenção auferida pelos juros do BC não pareceu atingir o caso dos combustíveis.

Numa forma tosca de "explicar" isso, o presidente Jair Bolsonaro recentemente declarou estar "muito ansioso para se livrar da Petrobras", numa falácia a apoiadores de que ela se tornou um símbolo da "corrupção do PT", em referência ao esquema midiático conhecido como Petrolão.

De fato, após a sanção presidencial da PL que aprova a entrega do grupo Eletrobrás para o setor privado sem que este possa reaproveitar os trabalhadores, Guedes coloca a Petrobras como o próximo alvo da sua mira privatista. Quase todas as refinarias, se não todas, já foram vendidas a preço módico. 

Por isso, alguns na patuleia fazem analogia ao ocorrido com a privataria das Teles por FHC para explicar o fenômeno atual: nós que terminaremos, mais uma vez, pagando pela venda da nossa parte da empresa, podendo o setor privado pegar para si sem pagar, uma vez completado o valor venal.

Há sentido. Com a venda da Telebrás em 1997, a patuleia viu novas taxas a cada semana, ponto fora da inflação de então. Após um tempo a privataria foi noticiada, com direito a esquema bilionário envolvendo o governo, até hoje impune. A inflação da energia elétrica foi a mesma coisa em 2021.

Hoje, a inflação dos combustíveis aventou uma investigação, com descoberta surpreendente que pode nos levar à compreensão de que a privatização da Petrobras não passe de uma falácia governamental, mesmo com o desejo íntimo de Guedes.

O Petrolão de Bolsonaro-Guedes

Embora seja um contumaz anarconeoliberal, Guedes se viu sob pressões internas a partir do próprio Congresso: mesmo tendo aliados capitaneados por Lira, a oposição e não-aliados se uniram aos sindicatos dos profissionais da Petrobras contra a privataria. 

Mas se aproveitou do triunfo, o extensivo aparelhamento institucional implantado pelo governo, para sair pela tangente: conseguiu um jeito de arrecadar grandes volumes de grana, que a grande mídia divulgou em tom de boa notícia, sobre o lucro recorde de R$ 75,1 bilhões obtidos pela Petrobras.

A notícia referiu tal recorde a forte investimento acionário. Em si não é notícia falsa, nem ilegal é investir em ações. Todavia, logo descoberto algo errado que surpreendeu os investigadores, que explica bem por que Guedes se aproveitou do aparelhamento e... da forte carestia dos combustíveis. Tudo junto para montar um Petrolão versão Guedes.

Mas, como ele consistiu? Para entender melhor, vale falar brevemente sobre o Bolsa-empresário.

Com o nome oficial de Programa de Sustentação de Investimentos (PSI), ele foi criado na era FHC e teve fim anunciado na era Dilma no início de 2016. Foi um programa de crédito a juros de 5 a 7% a pequenos e médios empresários brazucas, como forma de investimento na indústria e geração de empregos.

As negociações baixaram os juros iniciais para até 2,5% quitados pelo governo ao BNDES, o que contribuiu para se somar à dívida acumulada pelos contemplados, resultando cifra bilionária (daí veio a alegação de pedalada fiscal para depor Dilma). Mas a alegação para o fim do PSI foi mesmo o alto gasto, mais de R$ 270 bilhões, só em 2016.

Explicado o PSI ou Bolsa-empresário, agora vale entender Petrolão versão Guedes, a partir de sua origem.

Petrolão Guedes- Resulta de três fatores: captura da Petrobras e orçamento público pelo mercado financeiro, teto dos gastos e mudanças na determinação de preços de combustíveis da Petrobras, com vínculo de preços da empresa aos externos cobrados em dólares. Tudo isso a partir da era Temer.

Com essa combinação, a Petrobrás deixou de ser uma fomentadora do desenvolvimento nacional para ser um conduto financeiro pelo qual o suado dinheiro dos mais pobres é dado aos mais ricos. Daí a inflação mais substancial desde a era Temer, com ápice médio de 69% nos combustíveis em geral.

O valor do óleo lá fora aumentou, mas sozinho não explica os absurdos internos. Aí entra a dupla Guedes-Bolsonaro, cujas barbaridades levaram à alta do dólar. O supracitado lucro bilionário deu à petroleira aumentou o retorno sobre patrimônio líquido (ROE) 7 vezes maior do que nas demais.

Seria excelente grana para investir em emprego, renda e investimento em energia limpa, como tantas outras petroleiras. Mas não para Guedes e Bolsonaro: ao invés de desenvolver a nação, a empresa passou a superalimentar os bolsos de seus acionistas na Bolsa, enquanto noticiosos têm parabenizado as altas de lucro.

Dos R$ 75,1 bilhões, 63,4 bi são dividendos, dos quais 42% vão para estrangeiros, 21% para os ricaços brasileiros que poupam e investem em ações, e 37% para o governo, que pelo teto dos gastos manda parte da receita excedente para o Tesouro e outra para títulos da dívida pública, enquanto o país fica a ver navios.

Dois detalhes aí: os dividendos são isentos de imposto de renda, e os títulos da dívida pública, destinados inteiramente ao sistema financeiro, já abocanham a maior parcela de nosso PIB. No resumo da ópera, o mercado financeiro detém a maior parte de tudo isso.

Auxílio Mercado- Na prática, o Petrolão Guedes é um dos abastecedores do Auxílio Mercado, a nova versão do bolsa-empresário usando, como fonte básica, a suada grana popular através de impostos e sobretaxas embutidos que elevam os valores de produtos e serviços oferecidos à população. 

Ou seja, o Auxílio Mercado se constitui de várias bocas de ralo que conduzem essa fonte para o enriquecimento de um sistema especializado em acumular capital e investir em ações na Bolsa.

Revelada pelo The Intercept Brasil, a descoberta desse esquema de transformação da Petrobrás em ralo para o Auxílio Mercado nos leva a inferir sobre a possível participação (ainda a confirmar) dos aumentos observados de taxas de outros serviços, como os bancários e, no pretexto da crise hídrica, da energia elétrica.

Reflexões sobre uma capitalização imoral

Como já assinalado acima, o investimento em ações na Bolsa em nome de estatais não é ilegal. É um recurso usado há várias décadas, e entidades como Petrobrás e Banco do Brasil são de economia mista, isto é, suas ações são, pela lei, 51% públicas e 49% privadas. 

Só que, pela lei, os volumes desses investimentos devem ser declarados ao poder público, tal como o viajante ao ir para o exterior tem que declarar suas quantias na moeda do país de destino para auferir legalidade e segurança de estadia.

Mas a descoberta das supracitadas práticas do Petrolão Guedes revela o caráter sombrio e escuso das mesmas, e dos atores envolvidos. Ou seja, os R$ 7501 bilhões foram reconhecidos oficialmente, mas não, claro, o que é feito depois de dados esses lucros, por um círculo vicioso.

Enquanto tudo isso é feito, cresce, sem previsão de recuo possível, a epidemia de miséria extrema e fome sobre 20 milhões, desemprego aumentando mais rápido do que emprego (até 80 milhões somando informais por conta própria), quase 120 milhões em insegurança alimentar (quando não sabe se vai conseguir comer no dia seguinte) e o Ômicron C19 por aí.

Em se falando da pandemia (e sindemia) de C19, vale saber que o hoje dominante Delta ainda faz estragos, enquanto se subestimam dados das mortes diárias e superestimam os de vacinados completos na esteira da oficialidade. O temido Ômicron ainda vai mostrar a sua verdadeira cara por aqui. A área está fértil, com aglomerações à vontade na falsa esperança do fim do flagelo.

Com a exposição de tudo isso, vale ressaltar que o Petrolão Guedes (e outros condutos para enriquecer quem só suga da nação) são muito mais do que imorais. Subvertendo os princípios mais básicos da ética social e da vida humana, eles revelam a perversidade espúria de seus atores, que com os meios mais diversos travam uma verdadeira guerra contra a vida humana, em nome do capital.

REFERÊNCIAS

- https://theintercept.com/2021/11/23/grana-gasolina-7-reais-abastece-auxilio-mercado-bolsonaro/

- https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2016/05/colunas/painel_economico/500151-o-fim-do-bolsa-empresario.html