Entrevista com o Coronavírus - pandemia de gripe
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Entrevista com o Coronavírus - pandemia de gripe

Ao verificar a publicação da sua entrevista com o Coronavírus, o jornalista Jota percebeu comentários elogiosos nas redes sociais sobre o conteúdo abordado e as respostas objetivas e explicativas do entrevistado. Ao mostrar os comentários à s...

Salete Rossini
7 min
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Ao verificar a publicação da sua entrevista com o Coronavírus, o jornalista Jota percebeu comentários elogiosos nas redes sociais sobre o conteúdo abordado e as respostas objetivas e explicativas do entrevistado. Ao mostrar os comentários à sua chefia, o chefe viu tudo analiticamente, e seus olhos iluminaram. Jota já sabia: vem nova entrevista por aí.

- O que pensou, chefe?

- Pelo excelente trabalho, que tal abordar sobre a pandemia de gripe que está sendo tão falada agora? Ele vai responder bem, como sempre. Faça esse furo.

Jota assentiu, e logo sentou-se diante de seu notebook, acessando a plataforma pela qual entrevistou o Corona várias vezes e com segurança. Afinal, por ser um vírus, está sempre disponível. E com um prazer ladino. Enfim, o sinal do Corona aparece.

- Bom dia, Jota. Já sei que é você, meu caro.

- Bom dia, senhor Corona.

- Ah!, só um pedido. Antes de começar. só peço para retirar esse "senhor" antes de meu nome de família, não precisa. Vamos relaxar de tanta formalidade. Me chame de Corona direto, pois sou conhecido assim mesmo. Até já zoaram da minha alcunha aí no seu país, me chamando de Coronga.

- Correto. O povo brasileiro é da zoeira mesmo - pausa com um sorriso de gracejo com a zoeira. - Bom... a entrevista recebeu muitas mensagens elogiosas dos internautas, bem como algumas sugestões, sendo a que meu chefe considerou mais interessante a da pandemia de gripe.

- Sim, um bom tema para vocês. Vai ser um prazer essa abordagem. 

Gripe: pandemia ou surto? Breve ponto histórico

- Como o senhor está em todas, com certeza está acompanhando o cenário de pandemia de gripe.        

- Observei isso sim.       

- O senhor acredita que esteja havendo mesmo uma pandemia de gripe junto com a da C19?    

- A pergunta parece fácil, mas a resposta para ela na verdade deveria ser bem reflexiva, e pede uma abordagem histórica.       

- Como assim?       

- Vamos por parte na nossa reflexão. A começar bem lá atrás, na história da humanidade, quando o mundo fora da África passou a ser colonizado pela sua espécie, Homo sapiens, que viria substituir os parentes que já ocupantes. Embora a competição por território e recursos tenha sido o fator central de competição entre os sapiens e outros hominídeos como o erectushabilis, denisovas e neandertais1, os estudiosos ainda discutem sobre outros fatores do aniquilamento destas espécies deixando espaço livre para a espécie de vocês. Entre vários exemplos, eles deduzem sobre a contribuição de certos patógenos aos quais o sapiens já tenha adquirido certa resistência devido à adaptação.       

- Confesso não ter feito leitura sobre tais especificidades da nossa pré-história, mas o senhor está insinuando a possibilidade de os sapiens já carregarem consigo um Influenza ancestral?

- Sim, exatamente, você acertou. Veja bem, todas as populações componentes da biosfera, desde vocês até as arqueobactérias extremófilas2, foram sujeitadas pela grande mãe, a natureza, a fatores de caráter agressivo, que somente visam contribuir para o controle populacional, para o objetivo de manter o equilíbrio dinâmico, complexo e delicado entre os serem vivos e o planeta. Por que os biólogos viram que há mais parasitas e infectantes do que espécies de vida livre, segundo estudos de levantamentos de espécies que ocorrem periodicamente? Então, por que o sapiens não poderia ser hospedeiro natural de patógenos então estranhos às demais espécies hominídeas que citei?

- Entendi. Nessa história, o senhor cita que a minha espécie possivelmente já carregava o Influenza ancestral, que ainda não tenha sido identificado, até por ainda não terem identificado nos fósseis de sapiens qualquer traço de RNA que pudesse ser desse vírus. 

- Sim, até o momento sim. E pode até ser que, há centenas ou dezenas de milhares de anos atrás, ainda não tenha havido contato entre o sapiens e o Influenza. Se essa hipótese se confirmar, em algum momento na Eurásia houve esse contato, com posterior adaptação dos sapiens. Podemos dizer que, até pelo menos o início das grandes navegações que induziram a colonização europeia de novos mundos, a gripe tinha surtos endêmicos ou epidêmicos na Eurásia. Vale relembrar que "endemia é local, epidemia é nacional ou continental, e pandemia é mundial".

Mutações e H3N2 - potenciais de perigo e de esperança

- A gripe pela variante H3N2, que se alastra no Brasil, é um caso pandêmico ou é um surto?

- Genericamente, a gripe é pandêmica há mais de 5 séculos, e desde então vieram muita cepas que nunca foram conhecidas porque não havia microscópios. Embora sua existência fosse aceita desde o século XVIII, o vírus só seria visto nos anos 1930. Nesse tempo todo os humanos se adaptaram por imunidade. As taxas de mutação do influenza eram mais lentas em tempos atrás, acelerando graças à explosão demográfica humana, as muitas viagens por todos os tipos de transporte e toda forma de aglomeração. Cepas mais agressivas como a H1N1 surgem assim. Agora, sobre a H3N2, ela tem espalhe intercontinental, com surto no Brasil e adjacências. Então, finalizando a resposta para a sua pergunta, vocês estão vivendo, no momento, um surto de H3N2.

- Sobre o potencial de gravidade e letalidade da H3N2, o que o senhor tem a dizer?

- Nesse sentido, qualquer Influenza é perigoso para quem nunca teve contato. Nas Américas, os nativos morreram aos milhares em contato com colonizadores infectados, que por sua vez passaram a usar doenças contagiosas como armas de extermínio. Hoje missionários cristãos tentam contatar povos indígenas isolados para convertê-los, perigando transmitir as viroses que podem matá-los. Infelizmente as mídias pouco ou nada falam sobre esse caso incentivado pela Funai e pela ministra Damares. Já a H3N2 é uma variante relativamente nova entre os urbanos, e por isso tem causado algumas mortes, em especial de crianças, idosos, imunodeprimidos e doentes crônicos, como noticiado há alguns dias no Rio de Janeiro. 

- O senhor faz alguma comparação da variante H3N2 com a Ômicron?

- Essa pergunta pede certa recapitulação da última entrevista. Em verdade quem realmente tem feito comparações entre os dois vírus é a mídia noticiosa. Como foi falado, a comparação tem sido usada na sintomatologia, pois à Ômicron tem se atribuído sintomas de C19 tidos como "mais leves" ou "tipicamente gripais". Por outro lado a mesma mídia diz que a H3N2 causa uma gripe com "sintomas parecidos com os da C19". O problema é que isso tende a enganar muito, pois sintomas apenas abrem caminho pra diagnóstico, que por sua vez se confirma ou não por exame específico. De qualquer forma são vírus distintos.

- Em matéria de grupos de risco, o que o senhor tem a dizer sobre a H3N2?

- Essa também cabe fala na última entrevista. Como disse, a Influenza H3N2 e o Corona Ômicron são vírus bem distintos, e também assim se revelam quanto aos preferenciais para atacar. Meu grupo é mais agressivo ao incluir mais grupos como cardiopatas, hipertensos, diabéticos, imunodeprimidos. transplantados, pneumopatas, renais, oncológicos, e faixas etárias como idosos ou crianças, tidos como mais fracos aos olhos da seleção natural, contra a qual o homem luta sem parar.

- Caso a H3N2 continue com potencial letal por muito tempo, o senhor considera possível surgir vacina contra ela com rapidez, a exemplo do que acontece hoje com a C19?

 - Acredito que sim. Hoje, os cientistas contam com duas poderosas armas que possibilitam essa velocidade de desenvolvimento: o bom acúmulo de conhecimento científico sobre o comportamento de numerosos grupos viróticos, e a sofisticação tecnológica que municia laboratórios com equipamentos de ponta e tecnologias com softwares capazes de processar as informações obtidas nos experimentos, tudo isso feito por pessoal bem qualificado. São triunfos que os desenvolvedores das vacinas de catapora, sarampo, rubéola, varíola e outras não tiveram, e mesmo assim se dedicaram a desenvolver formando conhecimentos dos quais os cientistas atuais desfrutam. Mas, fé em medicação não basta, milagres não existem. É preciso ter consciência de que precisa mudar a relação homem-natureza, olhar o mundo sem subestimá-lo. 

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Notas da autoria

1Homo erectusH. habilisH. denisovaH neandertalensis e outras não citadas no texto são espécies humanas aparentadas, mas atualmente extintas.

2. Arqueobactérias extremófilas são um grupo de bactérias ao qual se atribuem descendência direta dos primordiais de vida na Terra, em evento ocorrido há 3,8 bilhões de anos atrás.

Para saber mais

- https://www.cnnbrasil.com.br/saude/especialistas-explicam-o-que-pode-provocar-uma-nova-pandemia-de-gripe/ (noticioso)