A hora nada sutil de desligar o d@ne-se!
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A hora nada sutil de desligar o d@ne-se!

Sim, o título desse artigo é uma referência nada sutil ao nada sutil título do bestseller de Mark Manson. (*)

Eduardo Cupaiolo
6 min
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Pixabay
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Sim, o título desse artigo é uma referência nada sutil ao nada sutil título do bestseller de Mark Manson

Sim, porque um observador atento poderia achar que mais do que o conteúdo do livro, seu título tenha, de repente, se tornado o lema de vida e prática de milhares de pessoas e organizações ao nosso redor.

Parece mesmo que tenham lido só o título e se deram por satisfeitas.

Eureka! É isso mesmo. Quer saber? Dane-se! Eu mais eu versus eu. Só eu. O meu. Pra mim. Farinha pouca meu pirão primeiro. Brasa para a minha sardinha. Dane-se o próximo, dane-se o distante, dane-se o anterior. Danem-se todos. Quer saber, quer saber mesmo? Eu nem ganho pra isto.

- Próximo!

Isto, assim mesmo. Seres umbilicais. Apaixonados e centrados em seus próprios umbigos. Como uma criança de colo que começa a descobrir a sua individualidade e quer tudo e a todos para si, só para si. Querem voltar a ser o rei na barriga. Vivendo com seus pescoços dobrados como um pato, sem enxergar nada se não suas próprias barrigas.

Caro leitor, será que sou só eu que neste exato momento estou sendo desrespeitado, desprezado, negligenciado, destratado, esquecido, por pelo menos 4 diferentes entidades, uma pública e 3 privadas? Você não está também neste exato momento com problemas semelhantes com seu banco, provedor de celular, banda-larga, tv por assinatura, e-commerce. Não lida todo dia com preço errado no supermercado, instruções de uso incorretas, features que não funcionam, produto com defeito, saga para conseguir resolver esses problemas, idas e vindas sem fim aos correios para devolver produto...  numa lista que nunca termina, porque assim que você resolve um, logo aparece outra encrenca para você resolver. E se estressar.

- Senhor, vamos estar transferindo o senhor para o setor responsável....

Será?

Será que há neste mundo alguém no setor responsável? Será que há de fato um setor responsável? Será que há no setor responsável alguém responsável? Alguém se responsabilizando no setor responsável? Alguém que vai “responsar” e levar essa coisa toda, esse imbróglio todo res-pon-sa-vel-men-te a um final decente, ou vai apenasestar empurrandoa minha reclamação (que aliás é um nome perfeito, porque a gente clama, clama, clama, clama....) para alguém que também não tá nem aí e que vai empurrar para outro... pra outro...pra outro... até o dia que a gente cansa e assume o prejuízo.

Ok, mas pera aí, será que quem começou tudo isto foi o pobre do Mark Manson? Foi ele que criou essa total falta de compromisso, comprometimento, engajamento, preocupação, responsabilidade, conduta ética, de... completa ausência de amor ao próximo?

Certamente que não. Nunca! Nem pensar. As poucas linhas que li de seu livro e suas sinopses não me parecem terem tido esta intenção. E nem precisariam ter. A coisa é antiga. E endêmica. Enraizada numa maneira de viver e pensar a vida que só faz mal a todos nós. Indistintamente.

Estamos sendo soterrados por probleminhas e problemões em tudo que que fazemos. Desde o garçom que não consegue trazer a água com gás sem gelo e com limão espremido, e traz sem gás e com limão em rodelas, até o lançamento inexplicável em sua conta corrente e aquele documento que você nunca consegue no órgão público.

E nem é pelo valor do lançamento errado de 20 reais. Mas pelo tempo, pela dor de cabeça, pela trilha de cheia de cipós da burocracia e pela desconfiança de que se aconteceu agora pode ter acontecido centenas de vezes sem eu perceber. E aí você vai atrás. E se desgasta e cansa e ouve um monte de “favor aguardar que vou verificar” e o famigerado e já citado “transferir para o departamento responsável”. E quando você perde a calma.... a culpa também é sua.

Acha tua estória triste? Consulte o Reclame Aqui. É uma atrás da outra. Não chegou. Chegou errado. Tamanho errado. Produto errado. Preço abusivo. Condições não claras. Nunca funcionou. Não faz o que disseram que fazia. Reparo caríssimo. Assistência técnica deficiente. Cobrança indevida.

Mas diremos, nós pobres mortais, de onde vem tantos dissabores? De certo, não da natureza. Não são de movimentações das placas tectônicas, terremotos, maremotos, da força dos ventos, das chuvas, dos rios, das marés. Essas sim, forças incontroláveis muito acima das capacidades humanas, nem coletivas, que dizer, das individuais.

Mas não são assim todo-poderosas as forças do mercado?

- Como assim?

Sim, não são as estratégias, os desenhos de negócios, de produtos, de serviços, as diretrizes corporativas, governamentais, legais, regras, procedimentos e sistemas que a todos e a tudo controlam, como se fossem a força dos ventos nos arrastando para dentro de centrais de atendimentos e chats chatos com robots?

- Uai.... até que te tens razão. Mas pergunto. E quem fez as estratégias, os desenhos de negócios, de produtos, de serviços, as diretrizes corporativas, governamentais, legais, regras, procedimentos e sistemas que a todos e a tudo controlam, como se fossem a força dos ventos nos arrastando para dentro de centrais de atendimentos e chats chatos com robots?

Alienígenas, gnomos, o saci-pererê que adora aprontar com todo mundo, seres de outra dimensão, ou seriamos nós: seres humanos? Torturando-nos mutua e infinitamente. Todos os dias, o dia inteiro. Sim, porque se há estratégia ruim. E sim, há muitas. Quem as fez se não humanos. E se as fez errado, pouco eficientes, ineficazes ou danosas, que as corrigisse. E que fizemos o mesmo com todo o resto, processos, leis, produtos, regulamentos, procedimentos e sistemas.

Mas, não, preferimos ligar o dane-se, danem-se todos. Eu inclusive.

- Não! Eu não, eu ligo o dane-se e os outros que se danam, eu não.

Tolo. Tolo. Tolo. Não percebe que você, é o outro do outro, e que o outro também ligou o dane-se para você? Que se você é o atendente aqui, é o cliente ali. Atende aqui na loja, mas é o atendido na lanchonete, no hospital, no banco, no cartório e até no necrotério?

Atendente, supervisor, gerente, médico, garçom, presidente, diretor, dono, CEO, CIO, CFO, C-Danou, não importa qual a sua posição na engenharia geral das coisas, ou você é parte da solução ou você é parte do problema.

Sugestão, experimente desligar essa joça do dane-se e comece a assumir a responsabilidade por arrumar as coisas. Qualquer coisa, todas as coisas. Não deixe passar nada. Limpe, corrija, arrume, ajeite. Dê jeito. Melhore, deixe certo, faça certo. Ao menos despiore um pouco o que está à sua mão fazer. Não passe para frente. Não deixe irem embora sem uma resposta, sem a resposta, sem a solução.

O problema não é o outro, é você.

Coloque de volta na prateleira se não vai levar. Assuma a sua responsabilidade. Pelo menos ela. Vai ler, vai estudar. Vai ser competente. Para de fazer vista grossa. De deixar passar o erro. De fazer errado. De empurrar com a barriga. Arrume. Conserte. Respeite o próximo.

Esquece não, na fila daqui há pouco, o próximo.... vai ser você.

(*) Decidi substituir o termo utilizado por Mark Manson por "dane-se" por não me sentir confortável com seu uso, e porque "dane-se" é forte o bastante para descrever uma postura que ignora os outros e suas necessidades e nossa responsabilidade pessoal para com eles.