O mundo pode te proporcionar muitas experiências sem o zoom.
O mundo pode te proporcionar muitas experiências sem o zoom. | ||
Sou novo na fotografia. São só sete anos, seis atuando por conta própria e cinco utilizando somente lentes fixas, sem zoom. | ||
Minha primeira experiência fotográfica foi realizar um ensaio de um amigo, com tema de Rock n’ Roll, em um barzinho bem alternativo da cidade; isso em meados de 2013. Peguei emprestado com um amigo uma Canon 5D Mark II, uma lente 24–70 2.8 L e um flash 580EX II. Eu não sabia nada. Coloquei a câmera no manual, flash em E-TTL e mal sabia fazer exposição e foco. Eu girava aquelas rodinhas até ficar bom, e fazia foco manual. O resultado não foi dos piores, digo, para um primeiro momento não foi dos piores. A partir dali resolvi seguir com a fotografia e alguns meses depois comprei minha primeira câmera, uma Canon 7D (sensor APS-C) com a famosa 50tinha 1.8 II, aquela mesmo, aquela de plástico, a mais famosa lente da Canon. De cara me senti limitado e em menos de 3 meses com a 50mm já parti para uma 24–105mm f/4 L. | ||
Vocês podem perceber que em poucas palavras já citei 2 lentes zoom (24–70 e 24–105). Eu me sentia completo e imortal. Podia fazer com a 24–105 tudo que eu quisesse, de perto ou de longe; mesmo utilizando uma 7D (sensor crop). Eu achava fantástica a versatilidade de ter várias distâncias focais em uma única lente, e pra mim a nitidez que elas entregavam era satisfatória, vou além, algo de outro mundo (para quem até então conhecia apenas a fotografia de uma Sony W55 comprada em 2005). | ||
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A zona de conforto | ||
Tudo ia muito bem. Fiz um upgrade e comprei uma Canon 6D (Full Frame). Eu mal utilizava a 50mm, a 24–105 era meu paraíso. Até que eu vi no Facebook alguém vendendo uma Canon 40mm 2.8 STM, a famosa Pancake. Vi alguns reviews e todos falavam bem da lente. Estava aparentemente nova, e era da filha do dono da maior loja de fotografia de Belo Horizonte; pensei: ela é cuidadosa com a lente e entende de equipamento, deve ser coisa boa. Fui à capital e comprei a lente. Fiquei um bom tempo praticamente sem utilizar a 40mm. Percebi que aquela compra não passava de mero consumismo. | ||
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O início da mudança | ||
Algum tempo depois me ocorreu o contrário, me peguei fotografando 5 casamentos consecutivos sem tirar a 24–105 da mochila, eu tinha usado 100% do tempo somente a 40mm 2.8. Os ensaios daquela época foram todos feitos com a 50mm 1.8 II. | ||
A mudança radical | ||
Em 2015 decidi anunciar minhas 3 lentes de uma vez: 40mm 2.8, 50tinha e 24–105 à venda. Vendi as 3 na mesma semana, e quando entreguei a última (24–105) para a compradora em um Shopping de BH, o vendedor de uma 35 1.4 L já estava me esperando na Praça de Alimentação do mesmo shopping para fazer negócio. Logo que sai do shopping fui ao Centro da cidade e comprei uma 50mm 1.4 USM semi-nova também; e em menos de 30 minutos eu já estava dentro de uma loja comprando uma 85mm 1.8 USM. | ||
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Adaptação | ||
Com a adoção de 3 lentes fixas parti para utilização de alça dupla Black Rapid e utilizava dois corpos nos eventos (casamentos e 15 anos). Na Full Frame ficava a 35mm e na crop a 50mm (para eu ter a amplitude de visão de uma 85mm). Eu fiz a troca de plataforma mas não me sentia seguro de utilizar um corpo apenas, e tinha medo de fazer trocas constantes no decorrer do evento. Nos ensaios eu alternava bastante entre 50 e 85. | ||
Qualidade ótica | ||
Confesso que ao primeiro momento não via diferença ótica e de nitidez entre minas 3 lentes fixas e uma 24–70 2.8 L. Da 24–105 sim! A diferença era gritante. Não confie em quem disser que é tudo a mesma coisa. | ||
Exposição | ||
É óbvio que as lentes fixas são mais claras que as zoom. São menos elementos óticos para refratar a luz. Isso me trouxe um conforto muito grande em relação à sensibilidade do sensor e carga dos flash. Com a 24–105 eu precisava utilizar flash em potência alta e ISO elevado. Agora eu saia de uma lente f/4 e subia para f/1.4. Na tabela de compensação são 3 pontos de fotometria, o que representa, por exemplo, sair de ISO 4.000 para 500, ou baixar a potência do flash de 1/16 para 1/128. | ||
Nota: as lentes nunca tem sua maior curva de nitidez dentro de 1 ponto da maior e 1 ponto da menor abertura do diafragma. | ||
Tratamento e pós produção | ||
Eu já tinha sentido uma diferença gritante entre o tratamento das câmeras Crop para as Full Frame. A latitude e alcance dinâmico das FF é absurdamente maior, e isso possibilita uma resposta muito satisfatória na aplicação de tratamento. Eu falo de correção de cor e luzes, não só de exposição como a maioria dos fotógrafos se apega. Já vi amigos meus defendendo o uso de câmeras Crop dizendo que a foto tem que sair pronta com a exposição e iluminação ideais. Concordo em partes, mas ter a possibilidade de criação também na Pós Produção é muito bom. | ||
Conforto | ||
O peso reduzido das lentes fixas, por serem menores, me agrada muito! Mesmo para quem é forte, malha e pratica exercícios físicos, carregar por 6, 8 ou 10 horas de evento os quase 2.5Kg de uma 6D + 24–70 não é nada confortável, mesmo com alça de pescoço. | ||
FATORES PESSOAIS | ||
Até agora eu falei apenas de fatores técnicos, vou abordar os fatores pessoais, que pra mim são ainda mais importantes e relevantes para o desenvolvimento desse trabalho. | ||
Desenvolvimento de Identidade | ||
Muito se fala em identidade fotográfica, e isso é algo que não é possível ensinar a ninguém. Não é possível herdar de alguém. A sua identidade fotográfica já existe, só falta você aflorar os elementos dela. | ||
Criatividade oriunda da limitação | ||
O primeiro argumento de quem defende lentes zoom, tem medo da troca ou simplesmente não quer considerá-la é o fato de “fazer tudo com um equipamento só”. Ok! Concordo! E com as lentes fixas também é possível fazer tudo com um equipamento só! Conheço inúmeros fotógrafos que só tem uma 35mm, e destaco meu amigo Bruno de Ubá, que nunca teve outra lente além de uma 50mm (e ele tem mais de 20 anos de fotografia). | ||
Distância focal real e a consistência da composição | ||
Eu sou da era digital. Não peguei a fotografia analógica, mas tento ser o mais “roots” possível em meu trabalho; mesmo que somente em idéias. Procuro pensar como os verdadeiros pais da fotografia, e eles não tinham, em meados do século passado, 24–70 e 70–200 para fotografar. | ||
Distância focal para ir além do enquadramento | ||
A maioria dos fotógrafos acha que a variante de distâncias focais na fotografia serve somente para variar o enquadramento. Ledo engano. | ||
Fazer a foto sem a câmera | ||
Em 2017 fiquei quase 30 dias no exterior. Fiz muita fotografia de rua na Argentina e Uruguay, e em um casamento na República Dominicana. A eleita para a viagem não foi a 35, nem a 50, tampouco a 85. Levei a 40mm 2.8! Sim, aquela que eu vendi por tê-la subestimado. Peguei emprestado com uma amiga, pois já tinha uma experiência de rua com essa lente; com ela eu participei de uma maratona de 10 horas de fotografia pelas ruas de BH. Os fatores que me fizeram escolher essa lente foram: distância focal normal, leve e pequena (pancake) e muito nítida de ponta a ponta. | ||
Eu sou realmente um fanático por 35mm, mas essa não é a regra. Você deve buscar a “sua distância focal”. Seja ela 24, 28, 35 ou 200mm. Não importa! Busque a SUA identidade a partir de uma lente. | ||
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Chegar perto! | ||
Este talvez seja um dos fatores pessoais mais importantes, e destaco para este ponto a 35mm! Essa lente é fantástica! Ela me fez enxergar e sentir a fotografia de forma diferente, principalmente a fotografia de casamento. | ||
Quando as coisas não cabem no enquadramento ou estão longe demais. | ||
Outro questionamento muito comum das discussões sobre lentes é: “e quando tem que fazer foto de grupo”? … “e quando tem que chegar perto”? | ||
Se o assunto a ser fotografado está longe demais e sua câmera está calçada com uma 35 ou 50, e na sua cabeça você acha que deveria ter uma 70–200, te sugiro adotar um dos dois comportamentos: o primeiro: chegar o mais perto possível e clicar; ou, fazer com que sua cabeça componha o momento com a lente que você tem. A história vai ser contada! Talvez seja contada de uma forma diferente do que a maioria faria, mas vai ser “o seu jeito” de contá-la. E isso faz parte do desenvolvimento de identidade que eu já citei, não só de identidade pessoal do fotógrafo, mas da identidade daquele evento, daquele set. | ||
Uma palavra final: Liberdade | ||
A fotografia é uma vertente do campo das artes. Quando eu penso em arte me vem à cabeça vários conceitos aprendidos nessa minha (por enquanto) curta caminhada. Algo como: “ser artista é ser livre”, ou ainda “fazer arte é cometer erros, ser artista é saber quais erros cometer”. A adoção de lentes fixas ao meu trabalho me trouxe uma sensação de liberdade muito grande, mesmo que a maioria de vocês interprete como “estar preso a uma única distância focal”. | ||
Meu recado sobre liberdade e escolhas sobre suas lentes é: vá e faça! Busque o melhor pra você! Que seja uma zoom ou uma fixa. Você é livre pra isso! O poder e o dever da fotografia vão muito além de se prender a conceitos técnicos ou a preciosismos. A fotografia é fantástica. | ||
Philipe Martins: profissionalmente, fotógrafo, mas nem sempre foi assim. Técnico de Segurança Industrial, Técnico em Meio Ambiente e Bombeiro Socorrista por formação. |